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O guardião da Casa de Cerimônias Indígenas Bahsakewi'í, Álvaro tucano, mostra danos de um incêndio no Setor Noroeste em Brasília em setembro de 2024 (Foto: Wilson Dias / Agência Brasil)

Ecoansiedade: como devastação climática impacta saúde mental na América Latina

A ecoansiedade atinge especialmente povos indígenas, que relatam perda de perspectiva e conexão espiritual com a natureza diante da destruição ambiental

Alejandra Cuéllar, María Mónica Monsalve
Dialogue Earth
Cidade do México

Tradução:

Ana Corbisier

Nos meses mais quentes de 2024, um ano em que o México e o mundo alcançaram temperaturas recordes, Yanine Quiroz começou a sentir um cansaço e uma angústia que a impediam de trabalhar durante o dia. “Senti muito medo ao ver essa escassez de água e como toda a minha família e meus amigos estavam sofrendo”, conta esta jornalista de 33 anos de Ecatepec, um dos municípios que mais sofrem com a seca no Estado do México, vizinho à capital, onde no ano passado temeu-se pela chegada do iminente “dia zero”, quando se esgotariam as reservas de água potável.

Diversos estudos confirmaram que a exposição prolongada ao calor afeta a saúde física e mental, aumenta o risco de esgotamento, insolação, transtornos do estado de ânimo, ansiedade e até provoca pensamentos suicidas. No caso de Quiroz, às preocupações relacionadas ao clima somou-se um episódio de ansiedade aguda que ela já enfrentava, e ela começou a ter ataques de pânico, o que a levou a solicitar uma licença médica no trabalho. Também procurou ajuda profissional, que a ajudou a falar mais abertamente sobre sua saúde mental.

Quiroz acredita que estava sofrendo do que se denominou ecoansiedade, um estado de agitação, inquietação ou angústia diante da crise climática. Embora ainda não seja reconhecida formalmente como uma condição médica, esse conceito, popularizado pela Associação Americana de Psicologia (APA) em 2017 em seu relatório “Saúde mental e nosso clima em mutação”, refere-se à angústia e ao mal-estar emocional que uma pessoa experimenta devido à preocupação com o estado do meio ambiente e os desastres climáticos.

É uma sensação que, segundo se observou, afeta principalmente as novas gerações e aqueles que trabalham com temas ambientais. Um estudo de 2021 publicado na revista médica The Lancet revelou que mais da metade dos seus dez mil entrevistados, todos jovens entre 16 e 25 anos de dez países diferentes, experimentaram emoções negativas como ansiedade e impotência diante das mudanças climáticas.

Com desastres mais intensos e frequentes, e um clima cada vez mais errático que ameaça as comunidades com secas, inundações e ondas de calor, é urgente que os profissionais da saúde compreendam o impacto das mudanças climáticas na saúde mental, explica a doutora Ana Laura Torlaschi, assessora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para projetos sobre saúde e mudanças climáticas. “Você pode ter um profundo conhecimento sobre doenças, mas se não reconhecer que uma pessoa está exposta a fatores ambientais que a afetam, não será possível oferecer a ajuda adequada”, afirma.

A saúde mental nos desastres climáticos

Estudos demonstraram que pessoas que vivenciam um desastre natural em primeira mão estão expostas a sofrer impactos agudos em sua saúde mental. Esse foi o caso de Diana Ruiz, de 35 anos, e de sua mãe, que não conseguiram se preparar para a chegada do furacão Otis em 2023, a pior tempestade a atingir o Pacífico mexicano em mais de três décadas, devastando o balneário turístico de Acapulco.

Otis levou apenas 12 horas para passar de tempestade tropical a furacão categoria cinco, a mais alta possível — algo inédito. Diante do rápido fortalecimento do ciclone, mãe e filha não conseguiram evacuar e não tiveram outra alternativa senão se trancar com seu gato no banheiro de casa, em Acapulco, aguardando a passagem da tempestade.

“Foi um choque. Estávamos assustadas. Tentamos dormir, mas havia um ruído muito estranho do vento”, lembra Diana. Pela manhã, ilesas, puderam fazer o balanço dos danos: a casa estava muito danificada e elas haviam perdido o local onde vendiam acessórios e roupas. Nas semanas seguintes, o desafio foi conseguir comida e evitar que ladrões invadissem sua casa, já que os roubos se tornaram frequentes após a tempestade. “Minha mãe aguentava muitas coisas, dores. Não choramos”, lembra a filha. “Tempos depois, a ficha começa a cair e você percebe como tudo aconteceu.”

Após esse furacão, psicólogos dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) e do Estado de Guerrero chegaram para atender à saúde mental das pessoas em Acapulco e Coyuca de Benítez, dois dos municípios mais afetados. “Chegamos dentro do que se considera a fase imediata posterior ao desastre”, explica Berzaida López, responsável pela intervenção em saúde mental dos MSF após o Otis. Segundo ela, nessa etapa prevalece a sensação de incredulidade, e os afetados sentem como se estivessem vivendo um pesadelo.

“O estresse está muito elevado nesses primeiros dias. As pessoas falam sobre dificuldade para dormir, sustos ou de estarem em constante estado de alerta”, diz López. “Se vinha um vento forte que provocava ruídos associados ao furacão, as pessoas voltavam a reviver o trauma”, acrescenta. Esses flashbacks, reviver o furacão, são sinais de estresse agudo.

A importância dada à saúde mental e o fato de haver profissionais que atendem as pessoas em desastres é algo relativamente novo. Em 2011, após o terremoto de Sendai, no Japão, que deixou mais de 18.000 mortos e graves problemas de saúde mental entre os sobreviventes, foi criado o Marco de Sendai da ONU para a Redução de Riscos, que recomenda aprimorar os planos de recuperação e oferecer apoio psicossocial aos afetados.

Embora ainda emergente, especialmente na América Latina, a evidência de que esses eventos podem aumentar os riscos de depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, abuso de substâncias e comportamento suicida ressalta sua importância. A organização Médicos Sem Fronteiras, por exemplo, vem desde a década de 1990 implementando intervenções de saúde mental como parte de seu trabalho emergencial.

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Mais de dois anos após o Otis, a saúde mental ainda é um desafio para Diana e sua mãe. Ela apresenta sequelas da dengue que contraiu após o furacão, uma doença que se espalhou depois do desastre, que também causou um duro impacto na economia local e levou Diana a se mudar para a Cidade do México.

Além do desastre: a dor de perder a paisagem

A ecoansiedade também afetou Regeane Oliveira Suares, uma jovem indígena terena que deixou sua comunidade em Nioaque, no estado brasileiro de Mato Grosso do Sul, há mais de cinco anos para estudar medicina na capital do estado, Campo Grande. Para muitos povos indígenas latino-americanos, cujas tradições, culturas e modos de vida costumam se basear em uma relação estreita com o ambiente, a ecoansiedade também pode ser uma resposta a um cenário e clima em transformação.

“Saí de um pequeno município onde todos se conheciam e a rotina era diferente. Quando comecei a viver na cidade, minha saúde mental sofreu muito. Comecei a desenvolver depressão e ansiedade”, lembra. Em sua aldeia, tudo lhe dava uma sensação de liberdade. Podia caminhar ou andar de bicicleta sem perigo. Mas se deixar sua comunidade foi um desafio, também foi difícil voltar a Nioaque e ver que a terra e a paisagem haviam mudado. “Notei mudanças drásticas nas plantações: a falta de chuvas empobreceu o solo e o sol forte acabou com a maior parte do que se plantava para comer ou vender”. O rio estava cada vez mais seco e, muitas vezes, até desviado, gerando uma paisagem que ela descreve como “triste”.

Tanto Mato Grosso quanto seu vizinho ao sul, Mato Grosso do Sul, estão entre os estados agrícolas mais importantes do Brasil, por produtos como cereais, cana-de-açúcar, gado e soja. No entanto, nas últimas décadas, essa posição também levou esses estados a figurarem entre os dez que mais desmatam ― em parte de forma ilegal ―, o que provocou mudanças na paisagem e outros impactos nos ecossistemas. Nos últimos anos, algumas regiões desses estados e os rendimentos de certos cultivos também sofreram os efeitos de condições meteorológicas extremas, como as secas provocadas pelo fenômeno La Niña.

Campo desmatado para plantação de soja em Querência, estado do Mato Grosso, Brasil. Mato Grosso e Mato Grosso do Sul estão entre os dez estados brasileiros com maior desmatamento (Imagem: Flávia Milhorance / Dialogue Earth)

Ao desenraizamento, somou-se, no caso de Oliveira, o que o filósofo Glenn Albrecht batizou em 2005 como solastalgia: “uma dor que se experimenta quando se reconhece que o lugar onde se vive e que se ama está sob ataque”. Trata-se de uma espécie de luto pela perda de um lugar conhecido, e um fenômeno que diversos estudos, inclusive a pesquisa de Albrecht, têm procurado explorar mais a fundo.

“Penso que meus filhos talvez não vejam do que fiz parte, onde cresci. Isso me deprime ainda mais, porque, pouco a pouco, vi que esse lugar estava desmoronando diante de nossos olhos”, comenta.

Em 2021, Oliveira participou de uma pesquisa da Escola de Medicina da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), onde ela mesma estuda, liderada pelo professor Antonio Grande, que buscava explorar as ações necessárias para melhorar a saúde mental dos indígenas em relação à mudança climática. “Esses povos estão perdendo sua perspectiva de vida, a esperança, então, para eles, tudo o que acontece tem um significado mais profundo”, afirma Grande em uma videoconferência. “Neste ponto, tudo tem a ver com a mudança climática. As terras foram devastadas e eles já não conseguem se comunicar com a natureza. Alguns dizem até que já não conseguem ouvi-la.”

Estudos e organizações internacionais, incluindo a ONU e a Organização Pan-Americana da Saúde, têm destacado o aumento dos problemas de saúde mental em comunidades indígenas ao redor do mundo, frequentemente relacionados à expropriação de terras e às mudanças ambientais.

Esses povos estão perdendo sua perspectiva de vida… Neste ponto, tudo tem a ver com a mudança climática – Antonio Grande, professor da Escola de Medicina da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

A pesquisa de Grande e sua equipe propõe preservar os territórios indígenas, respeitar seus modos de vida e romper o tabu sobre a saúde mental existente nessas comunidades. “É algo político, que começa por não destruir suas terras”, comenta Grande. A pesquisa que ele lidera é um dos poucos estudos sobre saúde mental e mudança climática realizados na América Latina e oferece pistas sobre a transformação de que a região precisa para começar a lidar com um tema historicamente estigmatizado.

Oliveira, por sua vez, compartilha suas percepções como mulher indígena que também está prestes a se formar em medicina. As faculdades de medicina, diz ela, devem trabalhar essa relação entre saúde mental indígena e mudança climática, mas a chave está em abordar as causas fundamentais dos fatores que geram ansiedade e pressão nas comunidades: “Os governos devem garantir o direito à terra ancestral e à assistência financeira, e nas escolas deve-se ensinar sobre nossas origens, nossos direitos e nossos valores como seres humanos na sociedade.”

A ação: um caminho contra a ecoansiedade

Com a previsão de aumento dos eventos climáticos extremos, é provável que mais pessoas sintam impactos em sua saúde mental. A doutora Nora Leal Marchena, psiquiatra que em 2023 impulsionou a criação do Capítulo de Saúde Mental Ambiental e Urbana da Associação de Psiquiatras da Argentina, ressalta a importância de trabalhar com ações concretas para lidar com essas emoções. “Quando se começa a trabalhar por uma causa, as ações impulsionam respostas positivas que ajudam a mitigar a preocupação.”

Estudos como o da The Lancet sobre ecoansiedade juvenil demonstraram que a magnitude da crise climática, de escala global, pode levar à sensação apocalíptica de que “já é tarde demais”. Mas, pelo menos no nível mental, agir salva. Marchena observa isso principalmente em crianças e adolescentes, área em que é especializada. “É preciso levá-los à ação, porque senão, você gera impotência.”

Os vínculos afetivos que se formam na colaboração ajudam a não ter tanto medo do futuro distópico que imaginamos – Alice Poma, doutora em ciências sociais e pesquisadora da Universidade Nacional Autônoma do México.

Alice Poma, doutora em ciências sociais e pesquisadora de emoções e movimentos sociais na Universidade Nacional Autônoma do México, confirma isso. “Um dos resultados das pesquisas é que o ativismo é quase terapêutico no campo das emoções climáticas”, explica. “Porque, ao se organizar, ao participar, conseguimos lidar com algumas dessas emoções.”

Ter esperança na ação coletiva, em criar espaços de discussão, permite pensar em um futuro diferente, explica Poma. “O carinho ou os vínculos afetivos que se formam na colaboração ajudam a não ter tanto medo do futuro distópico que imaginamos”, conclui.

Por isso, pessoas como Yanine Quiroz buscam estratégias para enfrentar o impacto emocional do clima extremo. “Tenho algumas ideias em mente para responder a curto prazo a essas futuras situações que podem desencadear novamente a ecoansiedade”, diz. Suas estratégias vão desde soluções individuais, como climatizar seus espaços, até ações coletivas, como participar de reflorestamentos com ONGs. “Mas, definitivamente, o medo aparece toda vez que o calor se torna mais intenso.”

* * *

Artigo escrito de forma colaborativa por jornalistas do Dialogue Earth e da América Futura.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

María Mónica Monsalve Jornalista colombiana especializada em clima e meio ambiente. Atualmente trabalha na América Futura, do El País. Anteriormente, atuou no El Espectador, na Colômbia. Em 2020, ganhou o Prêmio Simón Bolívar de melhor reportagem.

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