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Fordlândia: Como a utopia industrial da Ford foi tragada pela Floresta Amazônica

Racista, antissemita, amigo pessoal e colaborador de Hitler, Ford torrou fortuna para transplantar o “American Way of Life” para o coração da mata virgem
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul
Porto Alegre (RS)

Tradução:

No alvorecer do século XX os estadunidenses ainda não contavam com imagens via satélite do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) – comandado pela estadunidense Raytheon desde 1995, quando a firma ganhou a concorrência (US$ 1,4 bilhão) com ajuda de FHC –  primeiro grande escândalo de suas gestões

Em compensação, os ianques contavam a sagacidade de Henry Ford – o “Rei Midas” da nascente indústria automotiva. No começo do século, a Amazônia representava uma “arca do tesouro” para a exploração capitalista na Europa e nos EUA.

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Na década de 20, quando começou a faltar borracha para amaciar a rodagem das geringonças móveis Ford, foi dada a partida para caça ao tesouro na Maior Floresta Tropical da Terra.

A Ford é uma empresa centenária, uma das maiores fabricantes de veículos do mundo. Foi ela quem popularizou o automóvel, colocou a América sobre rodas e criou modelos lendários, como Ford Thunderbird e Mustang. Mas nem tudo é louvável na história da marca.

Poucos sabem que seu fundador, Henry Ford, era antissemita e simpatizante raiz do nazismo. Da mesma forma, raros são os que sabem do apoio que a montadora no Brasil deu à ditadura militar. Não só com american dolars: os golpistas também ganharam veículos zero quilômetro para ajudar na tortura e no assassinato de “subversivos”.

Racista, antissemita, amigo pessoal e colaborador de Hitler, Ford torrou fortuna para transplantar o “American Way of Life” para o coração da mata virgem

Wikipedia
Caixa d’água e Escritório Central de Fordlândia, em Setembro de 2010

Sábios do Sião

Fora do Brasil, Henry Ford é visto como um dos maiores incentivadores de Hitler, quando se trata de “ódio aos judeus”

Consta que, em 1920, ele comprou, em uma livraria, um texto datilografado, que o convenceu da existência de uma “conspiração judaica maléfica e internacional” (os patéticos bolsonarianos usam tal argumento para demonizar a esquerda).

Os “malvados” queriam dominar o mundo pela manipulação indireta de governos, jornais e sistemas econômicos. Esse material era chamado de “Os Protocolos dos Sábios do Sião”.

O milionário valeu-se das técnicas que dominava para produção em massa para turbinar o alcance dos ”Protocolos”. Transformou-os de um panfleto sem valor a um best seller nacional — com tiragem de 500 mil exemplares. 

Ao direcionar o poder da Ford Motor Company à tarefa de semear hostilidade, Henry foi o primeiro a organizar o antissemitismo político nos Estados Unidos. Com isso, logo se tornou o herói dos antissemitas do mundo inteiro. (Felizmente ele não virou político.)

Henry Ford queria produzir a própria matéria-prima para os pneus de seus automóveis. Assim sendo, em julho de 1927 sua equipe localizou terras no Vale do Rio Tapajós. O local era sob medida para transplantar uma cidade estadunidense inteira, com direito a planta industrial nova em folha, no meio da maior floresta tropical do planeta: Fordlândia.

Em 1928, Henry nadava em dinheiro, superava o altar dos homens mais ricos do mundo. Aos 65, era mito, digo, ícone da era industrial. Seu nome era sinônimo de arrojo e inovação

Henry publicou “O Judeu Internacional” em quatro volumes. Ao longo das páginas, judeus são mostrados como “vermes” a ser “extirpados” da sociedade. Adolf Hitler e seus colaboradores usaram tais ideias e termos muitas vezes para justificar seus crimes.

Terra Grátis  

Vinte e cinco anos antes, aos 40, ele fundara a “Ford Motor Company” — que logo viria a se firmar como uma das maiores e mais rentáveis companhias do planeta.

Pioneira no estudo e uso de técnicas de produção em massa, a Ford criou o primeiro automóvel ao alcance da classe média. Logo surgiu um novo conceito: o “Fordismo”, a combinar técnicas de produção em massa com altos salários para os trabalhadores das fábricas. Na visão do empreendedor, para seu próprio benefício, empresas deveriam garantir a seus empregados o consumo dos produtos fabricados.

A obstinação de verticalizar lucros do empresário chegou na hora precisa para o atormentado governo do Brasil – disposto a tudo fazer para promover algum desenvolvimento na Amazônia.

O presidente Washington Luiz (coincidência!) optou por ceder, então — sem nenhum custo — milhares de hectares de mata virgem para o mega empreendimento. Afinal, o “norte-americano bonzinho” prometia uma cidade e um mundo de emprego para a população.

Valores ianques

Na década de 1920, a Ford Company controlava quase todas as matérias-primas para fabricar automóveis: do vidro à madeira e do ferro. Só que a borracha era controlada pelos europeus: eles a produziam em suas colônias e ditavam o preço

Henry Ford era mais do que um homem de negócios: era também famoso por suas ideias.

Virou obstinação do magnata construir um lugar de acordo com o que considerava ser “valores americanos”.

Entendamos aí hábitos que incluíam dieta rigorosa; proibição de bebidas alcoólicas e jornada de trabalho das 9h às 17h —  mesmo sob o úmido e abrasador calor amazônico. Como lazer, incentivava jardinagem e golfe. A quem quisesse dançar, organizavam quadrilhas(!) de “country” estadunidense. 

Transplante Cultural

Gradualmente foi sendo derrubada a mata nativa. Abriam caminhos de concreto, iluminados por lâmpadas. Ergueram-se casas pré-fabricadas em Michigan, nos EUA, para os empregados estadunidenses

Era o bairro Villa Americana. Tinha também piscina comunitária, hospitais, escolas, lojas, restaurantes. (Sauna já tinha ao natural.) E até um salão de entretenimento, onde se organizavam bailes e projetavam-se filmes de Hollywood

Havia geradores, serraria, torre de água e o principal: a fábrica de borracha. Tudo só para quem falava inglês

Caixa d’agua e Escritório Central de Fordlândia, em Setembro de 2010.

Cobiça desde o século XIX

O projeto idealizado por Henry Ford foi destaque em todo o território nacional, pois apresentou um modelo de produção nunca visto na Amazônia

Antes que qualquer maquinário ligado às empresas Ford estivesse presente nessa região, houve a imigração estadunidense também na região do Rio Tapajós ainda no século 19.

O interesse imperial, portanto, era antigo. Este é o pano de fundo para entender a iniciativa do grande amigo e admirador de Adolf Hitler.

O excêntrico milionário torrou sua fortuna para construir sua cidade nos conformes do “American Way of Life” em plena Mata Virgem a fim de explorar borracha e mão-de-obra semiescrava à base de indígenas, caboclos e negros

O ‘transplante cultural’ causou inúmeros problemas ao longo dos 17 anos nos quais aquele pedaço da mata pertenceu a Henry Ford. O plantio de seringueiras em Fordlândia fracassou diante das pragas da floresta tropical

Mas foi satisfatório foi o plantio na cidade de Belterra, também no Pará, localizada a 45 quilômetros de Santarém. Porém, a maior e mais importante realização fordiana nos trópicos foi abrigar militares dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. 

Caixa d’agua e Escritório Central de Fordlância, em Setembro de 2010.

Em 1945, os ianques finalmente fizeram as malas e foram para casa, deixando sua contribuição para a derrubada de vastas extensões de mata virgem.

Embora nunca tenha colocado os pés em Fordlândia, Ford investiu uma fortuna ao longo de duas décadas no sonho megalomaníaco na Amazônia. Se tivesse vingado, o sonho predatório de Henry poderia ter acabado com a floresta Amazônica.

Fordlândia, com 14.568 km², é hoje um distrito do município de Aveiro, no Pará, localizado às margens do Rio Tapajós, na Amazônia Legal.

Amaro Dornelles é colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Amaro Augusto Dornelles

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