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Cannabrava | Como entender que o euro esteja mais barato que o dólar? A culpa é da guerra?

Os 50 anos de neoliberalismo transformaram Europa em um quintal dos Estados Unidos. É um continente ocupado militar e economicamente
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

A Rússia, com 8.500 sanções impostas pelos Estados Unidos e seus servos da OTAN, além de ter 300 bilhões de dólares de suas reservas roubadas, apresenta um melhor desempenho econômico do que seus atacantes. 

“Está claro que não podemos nos desenvolver isolados do resto do mundo e não será assim. No mundo de hoje, não se pode desenhar um círculo com o compasso e abrir uma grande brecha,” disse o presidente russo Vladimir Putin

E, de fato, o tiro contra Moscou saiu pela culatra. As exportações de petróleo, redirecionadas e com melhor preço, aumentaram o saldo na balança de pagamentos. Inclusive, as peças de reposição de equipamentos ocidentais estão sendo compradas no contrabando, legalizado.

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Por outro lado, a Europa afunda. Mergulha em uma recessão cujos efeitos já visíveis são desastrosos, dramáticos. 

Agora mesmo, com calor de 40 graus ou mais, as pessoas não têm como se refrescar, há mortos. Imagine quando chegar o inverno, com temperaturas de mais de 10 graus abaixo de zero, sem energia para se aquecer e com desabastecimento dos gêneros alimentares.

Os 50 anos de neoliberalismo transformaram Europa em um quintal dos Estados Unidos. É um continente ocupado militar e economicamente. Lá, como aqui, desindustrialização, desregulamentação, pandemia, consequente desemprego, tudo agravado agora com os efeitos das sanções à Rússia. O continente entra em clima de estagflação, temível estagnação da economia com inflação fora do controle.

Nos 27 países da zona do euro, a inflação que, em janeiro, era de 5,6%, chegou a 9,6% em junho. Na Áustria, que continua a dizer não à Otan, a inflação oficial de 7,7% esconde que o preço do gás subiu 78% e os alimentos, 11%. 

O euro despenca. Pela primeira vez está valendo menos que um dólar. Pela primeira vez em onze anos, o Banco Central Europeu elevou a taxa básica de juros para 8,6%, um aumento de 25 pontos. Um absurdo em termos europeus. 

Isso eleva tremendamente o custo da dívida que sufoca cada um dos países membros. Dívida criada pelo sistema que alimenta o sistema. Segundo o Eurostat, órgão oficial de estatísticas da UE, a dívida impagável na eurozona situou-se entre 90% e 98% em 2021. O razoável seria situar-se abaixo de 60%, mas na Grécia e em Portugal, por exemplo, os campeões da dívida ultrapassaram 200% e 130%.

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A Europa eclode em crise institucional também. Os governos são frágeis, sem propostas para enfrentar a situação, o regime balança na Inglaterra, na Alemanha, na Holanda, na Itália, na França, na Áustria… é um deus nos acuda, um salve-se quem puder. 

A queda do valor do salário é de 4%. Ainda segundo o Eurostat, 13 dos países estão com salário mínimo menor que mil euros: Portugal (E 823), Hungria (E 524), Grécia (E 774), Bulgária (E 332), Letônia (E 500), Romênia (E 515), Croácia (E 624), Eslováquia (E 646), República Checa (E 652), Estônia (E 654), Polônia (E 655), Lituânia (E 730), Malta (E 792). A maioria dos países que trocaram o regime de economia planificada pela desregulamentação geral neoliberal.

Os 50 anos de neoliberalismo transformaram Europa em um quintal dos Estados Unidos. É um continente ocupado militar e economicamente

EuroInvest
Luta por soberania, a luta por recuperar o poder de decisão sobre nossas próprias forças armadas, é uma luta de libertação nacional

Resistência

O Irã é hoje a chave no redesenho da geopolítica, livre da hegemonia dos Estados Unidos, o tal de imperialismo anglo-saxão. Em bom vernáculo, o imperialismo ianque. A vocação do Irã — que já foi o grande império persa, o maior entre todos os impérios, conquistado por Dario e Xerxes — é ser euroasiático. Agora se alia a Moscou e à China e integra o Brics+, em uma nova configuração do poder mundial.

Mas a Europa não se enxerga dentro dessa nova configuração mundo. Não quer se enxergar, mas, já percebe que está em um beco sem saída. É o que mais ou menos admitiu Tony Blair, que já perdeu o emprego.

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Dia 15, na espera da nomeação de seu sucessor, em entrevista na Fundação Ditchley, admitiu que “se acerca o fim do domínio ocidental na política e na economia. O mundo se tornará menos bipolar, possivelmente multipolar”. Bingo! 

A China, — pelo menos admite ele que já foi o mais alto funcionário da rainha — é a segunda potência e há um antes e um depois da Ucrânia. Acertou de novo.

A Comissão Europeia acaba de aprovar a liberação de 500 milhões de euros para compra de armamento para a Ucrânia. 

Consegue com isso prolongar uma guerra cujas consequências vão agravar ainda mais a crise europeia e aumentar a dependência dos Estados Unidos. Como bem definiu o ministro de relações exteriores russo, desmantelaram o sistema de segurança global.

O que os Estados Unidos têm a oferecer?

Guerra. 

Guerra clássica para movimentar a indústria de armamento e guerra cultural e econômica para prolongar a sobrevida como potência. Guerra terceirizada. 

Agora, os Estados Unidos se empenham para que os países europeus aumentem o percentual do PIB gasto em armamento de pouco mais de 1% para no mínimo 2%. A Alemanha já atendeu e ultrapassou 2% este ano.

De acordo com relatório divulgado dia 25 de abril, o mundo bateu o sétimo recorde consecutivo de gastos em armamento, US$ 2,1 trilhões, em 2021. Estados Unidos, China, Índia, Reino Unido e Rússia concentram dois terços.

Só um parêntesis: 600 milhões de pessoas passam fome na África. Quanto custaria resolver a fome no mundo? A fome não é por falta de alimentos, é endêmica do sistema.

E os Estados Unidos seguem como paradigma de democracia. Assim também o estado teocrático sionista de Israel é tido como a única democracia do Oriente do Mediterrâneo.

Dólar derrete

O estouro dos bancos em 2008 foi só uma parte da crise em território estadunidense. Para salvar os bancos, imprimiu trilhões de dólares. Dólares voláteis, a contribuir para o cassino global, alegria dos especuladores. Desde 1971, quando Nixon abandonou o padrão ouro, e notadamente a partir da imposição da hegemonia do capital financeiro, nos anos 1980, na realidade os EUA se transformaram em uma imensa fábrica de papel pintado, o que na realidade é o dólar hoje. 

Dólar em quantidades estratosféricas e a força militar se esvaem, como tigre de papel. Já passam de 20 anos sucessivos governos não conseguem sequer identificar a crise. Articulistas de bom senso temem um golpe de estado, ao velho estilo de uma república bananeira.

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Dólar sem lastro é uma moeda que se desvaloriza e que, a cada dia, é abandonada como moeda de referência no comércio mundial. Paradoxalmente, o real e outras moedas também se desvalorizam. Porque não valorizam? Porque não interessa aos detentores do monopólio das commodities. Quanto mais alto o valor do dólar, melhor para os exportadores.

Segundo Larry Summers, ex-secretário do Tesouro e consultor do Partido Democrata, há um risco de que a inflação aumente ainda mais e não acho que seja provável retroceder rapidamente. Para o ex-secretário, há o risco iminente de recessão com inflação.

A situação se torna complicada para Nossa América. O alerta foi dado pelo comandante do Comando Sul dos Estados Unidos, do qual o Brasil e a Colômbia integram com a presença de oficiais generais. 

Disse a general Laura Richardson que os Estados Unidos estão preocupados com a China e a Rússia, mais ainda com os Brics. A Ameaça na América Latina é a integração dos países ao projeto de cinturão e rota da Seda.

O ouro da vez agora é o lítio. A comandante Laura expressa bem isso e sabe que as maiores reservas estão na Nossa América: México, Venezuela, Bolívia, Chile… e Brasil que ainda não mediu suas reservas. 

Isso reforça nosso argumento. A luta por soberania, a luta por recuperar o poder de decisão sobre nossas próprias forças armadas, é uma luta de libertação nacional.

Paulo Cannabrava Filho é jornalista latino-americano e editor da Diálogos do Sul.


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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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