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Paulo Feldmann: Juros altos e BC independente estão destruindo a indústria no Brasil

“O presidente do BC [Roberto Campos Neto] é um banqueiro típico. A única coisa que ele sabe fazer é administrar banco. E ganhar dinheiro, claro”, diz o economista
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

O Brasil é uma grande nação. Mas a troca da guarda de um governo nazifascista deixa sequelas que só serão saneadas em dois anos — quando o governo democrático nomear um presidente do Banco Central (BC), que seja capaz de regular o capital de acordo com o interesse da nação. Não de bancos nacionais e internacionais.

“Essa taxa de juros mata. A indústria do Brasil foi destruída por conta dessa taxa de juro. Vocês vão continuar com isso?”, questionou Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia e virtual maior economista do mundo.

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Duelos de opinião sobre a taxa de juros no Brasil, atualmente em 13,75% ao ano e a condição liberal do Banco Central ganham espaço na mídia hegemônica. Mas os verdadeiros beneficiários desse cassino oficial de ricos e nobres — assim como os motivos pelos quais um banco oficial contraria interesses nacionais e da população para a defesa intransigente de bancos privados — seguem nebulosos. Afinal, o Banco Central é do Brasil ou pertence ao conglomerado de bancos nativos e internacionais que exploram tal serviço em Pindorama?

Economistas de esquerda e direita concordam que o BC é uma agência regulatória dos serviços bancários. Independente ou integrado ao Governo Federal, a instituição, supõe-se, deveria trabalhar a favor da sociedade e do Estado. Tal suposição é uma meta cada vez mais distante. Ainda mais depois da independência proclamada e usufruída pelo organismo.

Não há democracia social em Estado sequestrado por agiotas financeiros

Para entender essa trama, a Diálogos do Sul entrevistou Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), que integrou a equipe de transição do governo Lula no final de 2022.para tentar entender essa trama. Ele é taxativo: “O BC trabalha a favor dos bancos. Está lá para defender o direito dos bancos”.

“O presidente do BC [Roberto Campos Neto] é um banqueiro típico. A única coisa que ele sabe fazer é administrar banco. E ganhar dinheiro, claro. O cara saiu do Santander e foi direto para o BC, o que deveria ser proibido. Como é que ele vai baixar taxa de juro? Vai perder o emprego dele? Quando terminar seu mandato, ele vai querer voltar para lá. Pela lei brasileira ele pode. Agora, daqui a dois anos, Lula já pode trocá-lo. Aí as coisas podem começar a melhorar”, avalia Feldman.

“O presidente do BC [Roberto Campos Neto] é um banqueiro típico. A única coisa que ele sabe fazer é administrar banco. E ganhar dinheiro, claro”, diz o economista

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Paulo Feldmann: “Chega a ser ridículo, um país tão subdesenvolvido, com taxa de juros tão alta. Nos EUA a taxa é baixa, em torno de 1%

Na trilha dessa constatação, segue uma sequência de desastres, capazes de travar o desenvolvimento nacional e a ocupação da força de trabalho. Com a discrição de um experiente ladrão de casacas, a mídia noticia a destruição da indústria nacional como contingência da concorrência do “livre mercado”. 

A taxa estratosférica de juros destruiu a indústria do Brasil. Dados divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam que no começo do século, 70% do comércio da organização era de bens manufaturados. Já levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industria (IEDI) revelam que a participação brasileira nesse mercado foi de 0,47% em 2021

Mas por que a participação brasileira está tão baixa? É tudo devido aos juros? Não é bem assim, garante Feldmann. “Tem outro problema sério: O Brasil é aberto às importações”, revela o docente. Pior: aqui não existe sequer o conceito de empresa brasileira: “FHC [ex-presidente Fernando Henrique Cardoso] acabou com isso. E os governos posteriores mantiveram. Hoje, a IBM é considerada empresa brasileira, assim como a GM”, completa.

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Bê-á-bá do BC

Essa história cabulosa segue como o Palácio Bandeirantes, sede do governo de São Paulo, cada vez pior. Pouca gente se dá conta, afinal, é uma questão técnica: quem aproveita a taxa atual de 13,75%? “Seres superiores” compram títulos, investem e ganham muito. De forma rápida, claro. Mas quem paga por isso? O governo. Quanto o governo vai pagar esse ano? “R$ 800 bilhões”, responde Feldmann. Ano passado, foram R$ 700 bilhões. Tais recursos significam uma fábula para o governo. “Mas são ótimos para os bancos, que não quebram”, diz, amargo.

Em sua avaliação, o BC brasileiro é uma “aberração total”. Ele se vale da Teoria Econômica para explicar o papel do BC na política econômica do país. Ela se divide em três áreas: “Política Fiscal, o que o governo arrecada e aquilo que gasta. Política Monetária, que é a taxa inflação e a de juros. E a Política Cambial, o valor da moeda com outros países. As três são totalmente integradas. Se você mexe em uma, afeta a outra”, adverte.

Sendo assim, as três compõem a política econômica do governo. A pergunta crucial: “como você pode tirar duas das três partes desse todo e passar para o BC?”. Pois é o que está sendo feito desde que passaram a política monetária e a política cambial para a instituição.

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Hoje, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, só pode mexer na política fiscal. “As outras pernas — monetária e cambial —, que são importantíssimas, estão com o BC”. O governo brasileiro está alijado do processo, sustenta ele, que não entende como o governo de qualquer país possa fazer política econômica se não tiver as três pernas. Isso é o bê-á-bá da lição. Qualquer economista sabe de cor.


Viciados em juros altos

Mas afinal, quem está usufruindo desse juro interestelar? Segundo o entrevistado, como sempre, uma pequena parcela da população brasileira. Pessoas que têm mais dinheiro para aplicar. Não seriam muitos, cerca de 10%, no máximo (talvez nem chegue a tanto), mas aceitemos tal índice. “Esse contingente forma uns 10 milhões de pessoas. São empresários também, altos executivos, gente que tem dinheiro para aplicar justamente por usufruir dessa taxa incrível de 13,75%. Ele não remuneraria seu capital sob outra forma de jeito nenhum”.

Feldmann admite ter amigos que vivem disso. Principalmente no mercado de renda fixa, onde é ofertada tão generosa taxa de juros: “São títulos de governo, bancos, que usam essa taxa 7% acima da inflação. Então, quem tem algum dinheiro para aplicar investe nisso e ganha bastante. Esse pessoal é dono de grandes empresas brasileiras. São os grandes banqueiros, pessoal que aplica em renda fixa, são poderosos”.

Não nos interessa! Juros altos são bons para só 10% da população brasileira

O economista segue com o raciocínio: “você vê o setor de mídia — donos de grandes jornais, de televisões, eles têm muito recurso para aplicar. Ora, para eles não é bom que a taxa caia. Por aí você começa a entender por que a mídia não dá espaço para quem defende a queda da taxa de juro. Você não consegue publicar artigo defendendo isso sem ser ridicularizado, chamado de dinossauro e por aí afora. Há uma campanha — vem de muitos anos — feita pela mídia nesse sentido”.


Imprensa de uma nota só

O professor alerta que “chega a ser ridículo, um país tão subdesenvolvido, com taxa de juros tão alta. Nos EUA a taxa é baixa, em torno de 1%. Em síntese: é pouca gente, mas muito poderosa, que lucra. Por isso a taxa é mantida desse jeito. Pior é que não há um debate aberto efetivamente. A mídia tradicional acha uma aberração reduzir juros, pois ela vai perder, vai doer no bolso. Esse é o pano de fundo da discussão”.

Amaro Augusto Dornelles | Jornalista e colaborador da Revista Diálogos do Sul.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Amaro Augusto Dornelles

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