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ToggleOs partidos políticos de oposição em El Salvador, tanto de direita como de esquerda, enfrentam um escabroso caminho para as eleições de 2027 para deputados e prefeitos.
Assim se percebe um país onde o partido no governo, Novas Ideias (NI), consolida posições com um presidente, Nayib Bukele, que goza de grande popularidade entre a população, segundo pesquisas.
Apesar de alguns o rotularem de manipulador, de governar com “muito circo e muitas luzes”, 56,1% da população manifestou ter muita confiança em seu desempenho.
Esse número foi refletido pela última consulta, em dezembro de 2024, do Instituto Universitário de Opinião Pública (Iudop), da Universidade Centro-americana José Simeón Cañas (UCA), que, além disso, constatou que Bukele recebe uma aprovação de seu desempenho de 8,3 em uma escala de 10.
Esses números representam um desafio para os partidos de oposição, o direitista Aliança Republicana Nacionalista (Arena), e a formação de esquerda Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), ambos com sérias contradições internas em suas estruturas.
O Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), liderado pela magistrada presidente Roxana Soriano, indicada pelo NI, já iniciou o planejamento das eleições municipais e legislativas de 2027.
Se não houver mudanças nas leis, nesses pleitos os salvadorenhos deverão eleger 44 conselhos municipais e 60 deputados da Assembleia Legislativa, atualmente dominada com maioria absoluta de 54 cadeiras pelo partido no governo.
Percurso difícil
Desde o órgão responsável pelas eleições, já se vislumbra que os partidos enfrentarão um caminho difícil para tirar o poder do NI, embora críticos apontem que os representantes da agremiação ciano, cor que os identifica, não devem confiar na popularidade de Bukele.
Até agora, o mandatário parece intocável, mas seu entorno é alvo de críticas, tanto prefeitos quanto deputados, e, embora seja um processo difícil, não é impossível que os legisladores sejam vítimas de votos de protesto ao aprovar leis como a da Mineração Metálica, que é rejeitada por amplos setores da sociedade.
O cenário foi descrito pela pesquisa da UCA, que mostrou que os partidos Arena, FMLN e Vamos, que compõem a oposição política, continuam com baixos níveis de preferência entre os cidadãos. Na pesquisa, os areneros, o partido tricolor, alcançaram 1,9% de preferência, o FMLN, 1,5%, e o Vamos, 0,2%. O primeiro e o último têm representação na atual legislatura (2024-2027).
O FMLN não tem representação no legislativo após sua derrota eleitoral nas eleições de 4 de fevereiro de 2024, quando, apesar de ter ficado em segundo lugar em número de votos, não elegeu deputados nem prefeitos, razão pela qual agora enfrenta dificuldades para recompor suas estruturas e reconquistar o apoio do povo, que um dia a viu como alternativa à Arena.
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O NI se consolida como o partido de maior preferência política, com 32%, em um momento em que a pesquisa revelou um campo a ser trabalhado: 61,5% dos entrevistados afirmaram que nenhuma organização política é de sua preferência.
Nesse cenário, vale mencionar um dado interessante abordado na amostragem da UCA: a população percebe algum nível de corrupção – pouca, alguma ou muita – em todas as instituições do país. 42,7% da população atribui a corrupção aos partidos políticos, mais do que os 28% atribuídos à Assembleia Legislativa e os 23,9% às prefeituras.
Cenário complicado
“O cenário se torna complicado para o FMLN, que é o partido mais comprometido, já que perdeu um capital político sem precedentes, de modo que não tem mais representação alguma nos órgãos decisórios”, afirmou o analista político e professor Mauricio Rodríguez, em declarações citadas pelo jornal El Salvador. “Eles estão condenados ao desaparecimento”, disse. Enquanto isso, acrescentou, do lado da Arena, que mantém uma representação de apenas dois deputados no legislativo, a situação não é muito diferente.
Sobre essa situação, Juan Contreras, especialista em temas eleitorais, opinou que uma reengenharia também não é viável para os dois partidos tradicionais, já que o tempo e suas ações geraram resultados irreversíveis, estando destinados ao desaparecimento. “O que estamos vendo são suas últimas eleições; se não for em 2027, desaparecerão em 2029. Isso considerando que podem surgir novas forças políticas. Mas estamos dizendo que a Arena e o FMLN terão entre três e oito anos para desaparecer”, afirmou Contreras.
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Por outro lado, o analista Francisco Góchez opinou que a Arena nasceu como um projeto para proteger os interesses de grupos oligárquicos, que finalmente perderam o poder político na eleição presidencial de 2009. “O melhor que a Arena pode fazer é entender que seu ciclo já passou, realizar uma assembleia nacional extraordinária e, com dois terços dos votos dos presentes, dissolver o partido”, destacou.
Entre os problemas da agremiação tricolor, destacam-se contradições sobre os recursos recebidos, cerca de 72 milhões de dólares, que colocam em conflito a deputada Marcela Villatoro e o presidente do Conselho Executivo Nacional (Coena), Carlos García Saade.
Pendências do processo eleitoral
A questão permanece após a organização Ação Cidadã indicar que os partidos políticos receberam 160 milhões em financiamento público e privado durante as últimas duas décadas, dos quais apenas a Arena obteve pelo menos 72,6 milhões, mais da metade do total. A polêmica se intensificou depois que Villatoro exigiu a realização da auditoria anunciada por García Saade, não apenas nos “Coenas anteriores”, mas também no “atual Coena”.
No dia 7 de janeiro, García Saade anunciou uma auditoria dos recursos recebidos pelo partido, afirmando que foram detectadas “dívidas fictícias” em Coenas anteriores. Essas e outras contradições mostram os sérios problemas que a direita enfrenta, como falta de transparência, a formação de grupos paralelos e a ameaça de expulsar do partido aqueles que criticam a gestão de seus atuais líderes.
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Em comentários nos corredores e nas ruas, muitos salvadorenhos evitam mencionar Bukele, mas criticam deputados e prefeitos do partido azul, o que poderia transformar El Salvador em um pântano que, com o tempo, engole agremiações cujo desempenho não tem o apoio do povo. Nesse cenário, é importante lembrar que no início de fevereiro de 2024, ao proclamar sua vitória nas eleições, Bukele disse que a oposição “foi pulverizada”.
“Seria a primeira vez que existe um sistema de partido único em uma democracia”, disse o mandatário na ocasião, acrescentando que ele controla o parlamento, a justiça e o restante do aparato estatal. No entanto, é preciso considerar a pesquisa da UCA, que mostrou que 61,5% dos entrevistados afirmaram que nenhum partido político é de sua preferência, o que significa que, se há desencanto com o presidente “cool”, como Bukele é chamado, outras agremiações ainda têm opções válidas.