Os resultados das eleições de domingo (28) na Espanha foram muito importantes. Estavam em jogo dois elementos muito perigosos. De uma parte, a emergência de uma força de extrema-direita, Vox, que elaborou um discurso bolsonariano, irracional e repleto de falsidades que excitava um voto reativo emocional na base da exaltação dos símbolos nacionais e da unidade da Espanha frente às pretensões de soberania catalãs e do pensamento reacionário mais pronunciado, pelo qual prometia a “eliminação da ditadura dos partidos” e sua substituição por uma “soberania nacional do povo”, atacando ainda seus dois inimigos principais: a ideologia de gênero e a imigração.
Esta extrema-direita, assessorada por Steve Bannon, que foi assessor de Trump, foi promovida a extremos impensáveis por todos os meios de comunicação, que dedicaram a ela continuamente amplos espaços para difundir seu ideário e, ao longo da campanha, demonstrou forte capacidade convocatória em seus comícios. De outra parte, esse discurso agressivo da extrema-direita conseguiu atrair pra si as duas formações de direita, centrado principalmente em atacar o nacionalismo independentista catalão, exigindo a derrogação permanente da autonomia política desta Comunidade Autônoma e querendo confinar o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e a UP (Unidas Podemos, coalizão de esquerda) em um espaço de irrelevância política como forças “não constitucionais”, acusando-as de ter pactuado com “golpistas” e “terroristas”. Este apelo à unidade nacional em uma linha de recentralização do Estado que confrontava com a estrutura territorial do mesmo prevista na Constituição, permitia colocar em segundo plano um programa econômico claramente neoliberal de baixa de impostos e privatizações, compartilhado tanto pelo PP (Partido Popular) como pelos Cidadãos como pelo Vox.
Foto: PSOE/Divulgação
Pedro Sanchez (PSOE) celebra com partidários, na noite de domingo, resultado da eleição
A direita se apresentava assim como uma frente tripartite que estava em condições de produzir uma importante mobilização de voto em todos os setores da população. Frente a isso, o PSOE e a UP, com uma presença pública muito ativa dos sindicatos e dos movimentos culturais, impulsionaram a necessidade de uma alta participação cidadã na eleição para bloquear essa ofensiva direitista. O PSOE tinha ao seu favor o fato de ter conseguido fazer, com o apoio da UP, um programa de reformas sociais relativamente modesto, no qual a principal medida foi o aumento do salário mínimo para 900 euros, embora outras iniciativas fundamentais, promovidas pelos sindicatos e acordadas com o governo, não tenham se efetivado.
A UP partia de pesquisas enormemente desfavoráveis, provocadas fundamentalmente por disputas internas e divisões nas confluências políticas que tinham impulsionado uma aceitação eleitoral em 2015 e 2016 desconhecida para as forças de esquerda do PSOE, além de não ter conseguido muitas de suas reivindicações sociais ante o descumprimento pelo governo de uma boa parte do que tinha sido acordado. Assim, a direita e as pesquisas de opinião prognosticavam que, mesmo que o PSOE obtivesse a primeira posição, a queda da UP impediria que pudesse reeditar o acordo com esta formação e a direita poderia obter maioria para formar o novo governo.
Os resultados, porém, não confirmaram essa tese. A participação foi muito alta em comparação com as eleições anteriores – cerca de 76% – e se produziu uma concentração de votos no PSOE como forma de rechaço à proposta das três forças de direita. Obteve quase 7,5 milhões de votos (28,7%), contra 4,3 milhões do PP (16,7%) e 4,1 milhões de Cidadãos (15,9%). Unidas Podemos perdeu as extraordinárias posições de 2015, mas não caiu como a direita esperava, obtendo 3,75 milhões de votos (14,3%). A extrema-direita, com pouco mais de 2,5 milhões de votos, chegou a 10,3%. Em função do sistema eleitoral de base provincial vigente na Espanha, a soma de deputados obtida pelo PSOE (123) e UP (42) é superior à obtida pelas três forças de direita: PP (66, o maior descalabro de sua história, pois tinha 137 nas eleições de 2016), Cidadãos (57, o que o converte em um partido em concorrência direta com o PP, pelo campo da direita) e a extrema-direita de Vox (24 cadeiras), o que dá um total de 147 deputados frente aos 165 do bloco de esquerda. Uma derrota que também se manifesta no Senado, que tem um sistema de composição majoritário.
O mais importante é apontar que as forças de esquerda não se limitam às duas formações principais. As formações políticas da esquerda soberanista obtiveram um resultado espetacular na Catalunha e no País Basco. O EH Bildu (coalizão basca) duplicou sua representação parlamentar e, na Catalunha, ERC, a esquerda republicana da Catalunha, superou seu parceiro e até então hegemônico Junts per Catalunya, do ex-presidente Puigdemont, exilado na Bélgica, convertendo-se na força decisiva do catalanismo soberanista com 15 deputados no Congresso de Madri. A estratégia de estigmatização adotada pelas forças de direita contra as autonomias políticas da Catalunha e País Basco torna impossível que estas forças possam se alinhar contra a previsível coalizão de esquerda. Somando todas as cadeiras e os votos, o giro à esquerda nestas eleições é evidente e a derrota da direita, histórica.
Agora, é preciso verificar a possibilidade de um governo progressista das esquerdas. A UP é chave para conseguir, como parceiro do PSOE, esta possibilidade, unindo outros partidos de centro esquerda e nacionalistas. No dia 1° de maio, os sindicatos que desfilarão pelas ruas da Espanha exigirão este modelo de governo que permita abrir um espaço de reformas que revertam a degradação de direitos implementada desde 2010 até 2016 principalmente. Será uma boa notícia para o país, mas também uma advertência para a Europa. O modelo português poderia encontrar uma confirmação no caso da Espanha, além do que a derrota da extrema-direita permite mostrar que sua ascensão não é impossível de ser bloqueada.
(*) Doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid; Professor Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidad de Castilla La Mancha – Madrid; Diretor do Departamento de Ciência Jurídica da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real; Diretor do Centro Europeu e Latino-americano para o Diálogo Social (CELDS).
Tradução: Marco Weissheimer