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Na sociedade chilena parece haver um sentimento oculto de culpa, de vergonha, que subjaz no inconsciente coletivo diante da magnitude e do horror dos crimes e saques da ditadura (Foto: Ana Lucia Jimenez Hine)

Eleições no Chile: direita vai às primárias com 3 adoradores de Pinochet

Os principais nomes da direita para as eleições presidenciais deste ano expressam, sem rodeios, apresso pela ditadura chilena; a história mostra, porém, que o país se recusa a eleger candidatos com esse perfil

Fernando Ayala
Estratégia.la
Santiago

Tradução:

Ana Corbisier

São tempos difíceis para a direita, prisioneira de um passado do qual não consegue se libertar e que ressurge diante das próximas eleições presidenciais de novembro deste ano. Seus três principais candidatos atuais, conhecidos como a “divisão alemã” por seus antepassados germânicos — Evelyn Matthei, José Antonio Kast e Johannes Kaiser — têm em comum o apego irrestrito e incondicional à ditadura militar de Augusto Pinochet.

Embora um deles, Matthei, tenha suavizado levemente sua posição sobre as violações de direitos humanos cometidas pelas forças armadas, todos justificam a ruptura da constituição em 1973 ao derrubar o governo legítimo do presidente Salvador Allende, traindo o juramento de respeito à carta magna e ao presidente da república.

Nenhum deles menciona os assassinatos, no Chile e no exterior, do ex-comandante-chefe do Exército, general Carlos Prats, e de sua esposa, em Buenos Aires; do ex-chanceler Orlando Letelier e de sua assistente estadunidense, em Washington; ou o enriquecimento ilícito e os milhões de dólares roubados por Pinochet e escondidos sob nomes falsos em diversos bancos dos Estados Unidos.

Terá o passado tormentoso dos 17 anos da ditadura de Pinochet impacto nas próximas eleições presidenciais de 16 de novembro? Não sabemos, mas em todas as eleições, de 1989 até a última, em 2021, nenhum dos candidatos que apoiaram a ditadura venceu: nem Hernán Büchi, nem Arturo Alessandri, nem Joaquín Lavín, nem vários outros — tampouco os que tentam pela segunda vez, como Evelyn Matthei e José Antonio Kast.

Muito dependerá da campanha eleitoral que começará nas próximas semanas e dos debates dos quais deverão participar. O certo é que grande parte dos eleitores atuais ainda não havia nascido no ano do golpe de Estado, em 1973.

Na sociedade chilena parece haver um sentimento oculto de culpa, de vergonha, que subjaz no inconsciente coletivo diante da magnitude e do horror dos crimes e saques, assim como do que viveram — e ainda vivem — milhares de famílias que desconhecem o paradeiro de seus entes queridos, detidos e desaparecidos.

Os relatos que continuam vindo à tona sobre os atos de barbárie, maldade e crueldade — com famílias inteiras assassinadas, mulheres abusadas e torturadas ou lançadas ao mar — somam-se às mortes ocorridas em centros de tortura das forças armadas e constituem uma mancha para o Exército e para as páginas da história do Chile que ainda não foram completamente escritas.

Em 2010, pela primeira vez em 52 anos, a direita venceu uma eleição presidencial com Sebastián Piñera. O último presidente de direita havia sido eleito em 1958, Jorge Alessandri.

Diferentemente dos candidatos da “divisão alemã” de hoje, Piñera foi um declarado opositor da ditadura de Pinochet. Votou contra quando o ditador tentou se perpetuar no poder e ainda denunciou grande parte da direita, chamando-a de “cúmplice passiva” da ditadura, por nada ter feito para impedir as violações de direitos humanos. O presidente eleito por duas vezes buscou ainda erguer uma nova direita, livre de culpas, distanciando-se do conservadorismo moral que, até poucos anos atrás, se opunha ao reconhecimento dos filhos nascidos fora do casamento, à autonomia econômica da mulher, ao divórcio, ao aborto em três casos previstos em lei e ao casamento igualitário.

Parcialmente, o ex-presidente conseguiu criar um embrião de direita liberal que busca deixar para trás a chamada “direita das cavernas”, como o recentemente falecido prêmio Nobel Mario Vargas Llosa definiu as forças conservadoras chilenas. No entanto, hoje todos seguem ali, juntos, esperando alcançar a presidência com um deles, com agendas regressivas no plano cultural, moral e dos direitos sociais, mobilizando recursos econômicos na campanha e, sobretudo, evitando falar do passado — da ditadura que apoiaram com entusiasmo.

Os nomes da esquerda

No outro lado, na centro-esquerda, serão realizadas em 29 de junho eleições primárias para escolher um único candidato desse campo. Também há debate em parte dessa esquerda quando se toca no tema da Nicarágua, da Venezuela ou do sistema político cubano, por sua ausência de democracia e falta de liberdade. A candidata do Partido Comunista, Jeannette Jara, afirmou que Cuba tem um “sistema democrático diferente”, o que foi aprofundado pelo secretário-geral, esclarecendo que o regime cubano era uma “democracia avançada” — definições majoritariamente rejeitadas pelas outras candidaturas.

Outro dos candidatos de esquerda em disputa, Gonzalo Winter, o “quarto alemão”, herdeiro do presidente Boric, de 38 anos, também fez declarações contraditórias sobre temas sensíveis, como o voto obrigatório, graus de autonomia para o povo mapuche ou críticas ao avanço de medidas do governo — posicionamentos que são compartilhados principalmente por setores jovens que o apoiam. Apresenta-se também Jaime Mulet, um candidato com um discurso regionalista de um pequeno partido em busca de espaço político.

Hoje, é a candidata que representa o “socialismo democrático”, Carolina Tohá, que continua crescendo e recebendo apoios de outras coletividades. Lidera nas pesquisas entre os candidatos da centro-esquerda e parece consolidar sua vitória pelo conhecimento e solidez de suas colocações, pela serenidade e segurança com que enfrenta as críticas e pela firmeza para lidar com os grandes desafios que terá caso seja eleita para a presidência.

A verdadeira corrida começará na noite de 29 de junho, quando forem conhecidos os resultados das eleições primárias e se saberá quem, da centro-esquerda, deverá enfrentar nas eleições de novembro os representantes dessa direita pinochetista, que não conseguiu chegar a um acordo para escolher um único candidato nas primárias. Provavelmente, diante do temor de uma vitória de Carolina Tohá, caso seja escolhida candidata da centro-esquerda, algum dos candidatos de direita — ou talvez dois — se retirará, de modo a tentar impedir um novo triunfo do progressismo.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Fernando Ayala Embaixador, economista da Universidade de Zagreb, Croácia, e mestre em Ciência Política pela Universidade Católica do Chile. Ex-subdiretor de Assuntos Estratégicos da Universidade do Chile e ex-subsecretário de Defesa.

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