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Eleições no Paraguai: "País vive mafiocracia", aponta o candidato a senador Ricardo Canese

Ainda segundo o postulante pela Frente Guasú, atual política governa de certa forma mais benigna que uma ditadura, mas que na realidade é uma plutocracia
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A apenas alguns dias das eleições gerais de 30 de abril no Paraguai, o Fórum de Comunicação para a Integração de NossAmérica (FCINA) dialogou com Ricardo Canese, parlamentar do Mercosul e candidato a Senador pela Frente Guasú.

Ricardo Canese é parlamentar do Mercosul e candidato a Senador pela Frente Guasú nas eleições do Paraguai. Prolífico escritor, realizou diversas pesquisas sobre energia e sociedade.

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Devido às eleições gerais do Paraguai que se realizarão em 30 de abril, nesta entrevista coletiva, Canese repassa vários dos pontos centrais e estratégicos que enfrenta tanto a força de que faz parte, como o país e a região. 

A entrevista colaborativa que segue foi organizada pelo Fórum de Comunicação para a Integração de Nossa América (FCINA), uma articulação de meios de comunicação, redes informativas e movimentos sociais da região comprometidos com a democratização da comunicação e o avanço da integração dos povos da América Latina e do Caribe.

Ruben Ayala Vera: Em seus diversos trabalhos, encontra-se de maneira muito presente, a noção de soberania hidrelétrica ou energética. Fundamentalmente referindo-se às relações que o Paraguai tem com o Brasil em Itaipu.

Poderia explicar-nos brevemente: O que chama de soberania energética? Qual é a situação atual e por que são tão importantes para o Paraguai as negociações que podem ocorrer em 2023? E de que maneira se vinculam estas questões com os resultados das eleições de 30 de abril?
Ricardo Canese: Bem, falamos de soberania energética desde que foi assinado o Acordo de Itaipu em 1973. Mas particularmente, durante a campanha que levou Fernando Lugo à presidência da república insistimos na imperiosa necessidade de que o Paraguai recupere sua soberania hidrelétrica. Justamente, o acordo Lugo-Lula é um reconhecimento do Brasil, neste momento presidido por Lula, de que efetivamente o Paraguai é um país soberano.

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Claro, nós sabemos que somos um país soberano mas sobre estes tratados, o de Itaipu e em menor medida o de Yacyretá, as práticas dos governos conservadores do Partido Colorado negaram essa soberania de nosso país. Em um tema tão importante como a energia elétrica que é nosso principal item de exportação, junto com a soja.

Então o acordo Lugo-Lula, como documento oficial dos dois países, reconhece que nosso país pode exportar para o mercado brasileiro de forma livre a energia que não consumimos de forma imediata e desde 2023 a terceiros países. Este ano foi indicado porque era o momento da revisão do Anexo 6 e porque as dívidas de Itaipu estariam completamente pagas – o que era uma das condições que os governos conservadores do Brasil estabeleceram para o livre exercício de nossa soberania.

Soberania é poder dispor do que é próprio. A energia de Itaipu e de Yacyretá pertence ao Paraguai, porque assim dizem ambos os tratados. No entanto, os governos conservadores  interpretaram que o Paraguai deve enviar energia ao Brasil nas condições do tratado sem discussão e fora dos critérios do mercado. Ou seja, tudo o que nós compramos, compramos a preço de mercado, mas não estamos remetendo com estes custos nossa energia hidrelétrica excedente. Este é um ponto que indubitavelmente é crucial neste ano de 2023, estando Lula no Brasil e se tivéssemos um presidente minimamente democrático e que queira tanto a soberania quanto a integração. O documento Lugo-Lula de 2009, é preciso ser lido atentamente, não só trata da defesa da soberanía, como também da integração. Com a integração ganhamos todos.

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Agora com a privatização dos sistemas elétricos do Brasil e da Argentina ganham as grandes empresas. Então muitas vezes se queimam hidrocarburos ao mesmo tiempo que se tira energia hidrelétrica. Por Itaipu se verteu energia por um valor de US$ 500 milhões por ano, nos últimos 20 anos, porque isso beneficiava os interesses privados do Brasil e da Argentina, que são os que manejam o sistema elétrico de nossa região.

Então consideramos que, com o presidente Lula no Brasil, vai ser muito simples. E com um governante democrático e que responda aos interesses da população no Paraguai teria que pedir a aplicação do Acordo Lugo-Lula. Não é preciso ser nenhum especialista, nenhum técnico. Basta aplicar o que já está pactado em 2009 para que o Paraguai possa somar-se a este processo de integração ao mesmo tempo em que exerce a soberania sobre seu principal recurso. Nós pedimos que nos paguem exatamente o que estão pagando no Brasil e na Argentina.

Ainda segundo o postulante pela Frente Guasú, atual política governa de certa forma mais benigna que uma ditadura, mas que na realidade é uma plutocracia

Reprodução/Facebook
Ricardo Canese: "Quem governa o Paraguai é o crime organizado. Esta é nossa triste situação"

Jimena Montoya: Sobre um panorama mais geral, dado o cenário político eleitoral, em que vem trabalhando a Frente Guasú e que questões urgentes pensam que deveria atender um governo popular?
Ricardo Canese: tema da soberania é um dos temas que está em nossa agenda porque é uma alavanca O de desenvolvimento importante. Em termos políticos propomos: a necessidade de chegar a uma verdadeira democracia, um estado de direito. Digamos claramente: hoje o Paraguai não tem democracia. Há liberdades públicas, isso é certo, mas não temos propriamente um estado de direito. Existe uma autocracia, que governa de certa forma mais benigna que uma ditadura, mas que na realidade é uma plutocracia. Uma mafiocracia podemos dizer. Veja que o Partido Colorado tem estado governando durante mais de 75 anos, mais de três quartos de século. Com todos os defeitos que tinha o PRI do México e nenhuma de suas virtudes. Porque o PRI tinha algumas virtudes que não tem nosso ultraconservador, anticomunista Partido Colorado, que auspiciou uma das ditaduras mais sangrentas e retrógradas da América Latina, como foi a de Alfredo Stroessner. Partido que hoje está nas mãos de um bando de narcotraficantes e lavadores de dinheiro do crime organizado. Há dirigentes do próprio Partido Colorado que denunciam isso: quem governa o Paraguai é o crime organizado. Esta é nossa triste situação.

Neste sentido, o objetivo da Frente Guasú é que se instaure um estado de direito. Não como agora que a procuradoria, o Poder Judiciário, o Legislativo e, claro, grande parte dos meios de comunicação estão em mãos das máfias. Além disso, queremos que esse estado de direito conforme uma democracia representativa e participativa, como diz nossa Constituição. Onde a população tenha um papel trascendental na decisão dos temas de nosso país. Onde alcancemos o respeito pelos direitos humanos, que continuam sendo atingidos gravemente com maior ênfase entre camponeses, indígenas, sem teto. Há violações extremamente graves que já constatamos no observatório de direitos humanos do Parlasul. Inclusive os parlamentares das nações vizinhas puderam constatar isso.

Quanto ao social, é fundamental que as comunidades indígenas tenham sua terra garantida. Que sejam recuperadas as terras ilegalmente obtidas, as terras roubadas do estado, implementando uma reforma agrária para que a terra seja de quem nela trabalha e não que seja dos ladrões da terra, dos latifundiários com suas políticas extrativistas. Uma reforma agrária que nos permita produzir alimentos para o ser humano.

Temos que avançar em direitos sociais, empregos dignos, respeito aos sindicatos, aos contratos coletivos de trabalho. Cartes, por exemplo, não permite a ação sindical, de fato no momento de organizar um sindicato, os trabalhadores são demitidos, antes inclusive que possa estar constituido legalmente, porque o Ministério do Trabalho é o braço longo da patronal, não dos trabalhadores. Ou seja, devemos avançar no direito de cobrir necessidades básicas: moradia, seguridade social que está tremendamente precária etc.

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No campo econômico temos que avançar em um processo de industrialização e geração de emprego digno. O Paraguai tem condições de avançar porque estamos no Mercosul e isso é um processo de integração muito interessante.

Gerardo Gamarra: Enfatizando a matriz social do projeto que a Frente Guasú está propondo, quais avaliam que são os setores mais dinâmicos da sociedade hoje? e, de outro lado, no mundo do trabalho quais são as propostas urgentes em termos programáticos?
Ricardo Canese: O movimento social mais forte é o setor camponês-indígena. Temos um escasso desenvolvimento do setor de trabalhadores em relação de dependência devido à escassa industrialização e além disso existe uma alta taxa de informalidade em todos os setores. Além de todas as travas à organização dos trabalhadores. Isso faz com que os movimentos sociais mais dinâmicos estejam na órbita dos setores camponeses. Também porque a população camponesa representa um terço do total do país. Os trabalhadores formais ainda são uma porcentagem relativamente pequena, e a maioria dos setores urbanos estão na informalidade.

Isto não quer dizer que não se deva agir. Pelo contrário, a agenda imediata reclama garantias e liberdades para que os trabalhadores possam organizar-se, em contraposição a como vem ocorrendo até agora. De alguma maneira o Paraguai em geral teve um subdesenvolvimento das forças produtivas e por um lado isso explica em parte a debilidade do movimento operário.

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Nesse sentido, na Frente Guasú propugnamos por um lado a industrialização e o desenvolvimento de emprego formal, ao mesmo tempo que queremos medidas de respeito aos direitos trabalhistas. Devemos tomar medidas em todos os âmbitos, desde a reforma agrária, os direitos para as comunidades indígenas que representam 3% da população. Este conjunto de setores sociais é muito significativo se a ele somamos o setor informal. É enorme a quantidade de gente que busca o sustento vendendo na rua, como cuentapropistas com pequenos postos na rua ou armazéns. E é um setor muito castigado com o avanço das grandes cadeias de mercados que restringem os espaços de desenvolvimento de pequenos emprendimentos.

Temos que dar soluções integrais a todas estas problemáticas. Para poder agregar valor na geração de empregos dignos, ao mesmo tempo que o movimento de trabalhadores possa se articular para agir como um mecanismo que exija melhores condições de vida para toda a sociedade.

Vanesa Rodriguez Silvestre: Sabemos que em seu papel como parlamentar do Mercosul organizou uma audiência pública sobre os despejos forçados de comunidades camponesas e indígenas no Paraguai. De que maneira considera que os espaços institucionais e de criação de políticas podem contribuir na implementação dos direitos camponeses e indígenas?
A problemática dos despejos é particularmente grave e afeta as comunidades camponesas, indígenas e sem teto. Isto é, afeta tanto as populações rurais como urbanas. O que agravou esta situação foi a lei Zavala-Riera que criminaliza as pessoas sem terra ou sem teto. Imaginem o grau de negação de direitos que adotou o congresso paraguaio dominado em grande parte por latifundiários. Pessoas que se apropriaram de terras públicas como o próprio Zavala que está denunciado por apropriar-se de terras do Estado. E assim como ele muitos outros. O informe de Verdade e Justiça estabelece que desde a ditadura houve apropriações de 8 milhões de hectares em mãos dos grandes latifundiários. Eles não são perseguidos, de fato são protegidos. Mas as comunidades indígenas são desalojadas, mesmo estando ao amparo constitucional que versa sobre a inembargabilidade das terras ancestrais. Então na Constituição e nos estatutos, as comunidades estão protegidas, mas na realidade são perseguidas e criminalizadas. Especificamente a lei ordena um allanamiento, mas sempre acaba em despejos que deixam as comunidades na intempérie; há  mesmo registros de mortes infantis nestes processos violentos.

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As procuradorias não são mais que escritórios jurídicos para proteger os latifundiários sem respeitar os direitos ancestrais e imprescritíveis que as comunidades têm sobre suas terras. Atuando como instrumento de repressão e obviando o direito à terra de forma totalmente impune.

Paula Giménez: Dada a hegemonia histórica que tem o Partido Colorado, a força de sangue e fogo, o grau de enquistamento nos poderes instituições e nos poderes de fato, que projeções fazem na Frente Guasú com relação à governabilidade caso Efraín Alegre triunfe nas eleições?
Ricardo Canese: Indubitavelmente não vai ser fácil, mesmo para um eventual governo de Efraín Alegre que seria de centro e não propriamente progressista. Mas que como Frente apoiamos porque consideramos que é preciso ir um pouco à esquerda porque agora estamos a extrema direita, e isso não vai ser fácil.

Mas também creio que a sociedade já está um tanto farta destas políticas excludentes de uma oligarquia mafiosa que se apropriou de um partido tradicional que claro, o Partido Colorado é conservador em suas origens, mas tem setores progressistas e expoentes democráticos que são os que estão apoiando a Concertación liderada por Efraín Alegre.

Em seu momento o governo de Fernando Lugo sofreu 24 tentativas de golpe, antes do golpe parlamentar que efetivamente o derrubou. Passamos aquele período evitando golpes de Estado. Nenhuma dessas tentativas vieram das forças militares, todas foram manobras da oligarquia local e dos meios de comunicação e, claro, o golpe final veio dos EUA, e seu executor principal, Horacio Cartes que até hoje é o poder de fato, real.

O paradoxo é que agora foram os próprios EUA que acusaram Cartes de corrupção, algo que sabemos há 40 anos aqui no Paraguai, não nos conta nada novo a Embaixada americana. Foi o corrupto utilizado para dar o golpe, mas agora já se tornou um corrupto imprestável, que foi um pouco o que aconteceu com Bolsonaro no Brasil.

Efraín Alegre não é um perigo para o capitalismo e o empresariado, vem de uma tradição liberal com a premissa de consolidar o Estado de direito. Um governo de Alegre pode contar com o apoio dos EUA, de setores do capital e com o apoio de setores populares que buscam um aprofundamento das garantias democráticas. Então em princípio poderia ter mais estabilidade que Lugo, porque embora tenhamos tido o apoio do Partido Liberal Radical Autêntico, era um governo de centro-esquerda progressista que sofreu conspirações desde o primeiro dia. Era um governo mais progressista do que o desenvolvimento das forças produtivas poderia permitir naquele momento. Tivemos um grande líder como Fernando Lugo, mas não temos a força que tem a esquerda do Brasil. Inclusive agora Lula não pode governar sozinho e buscou o apoio de outros setores. Nosso caso é mais agudo nesse sentido.

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O país necessita de um governo estável, e se triunfarmos em 30 de abril poderemos ter um governo que inicie um processo de democratização para depois avançar em reformas sociais fundamentais.

Ruben Ayala Vera: Atualmente no Paraguai decidiu-se que já não serão eleitos os parlamentares do Parlasul e sim que serão selecionados de forma automática pelo próprio parlamento. E com respeito ao Mercosul, qual é a situação? Quais são suas debilidades e que futuro tem, tanto em nível interno como internacional? Por otro lado, que futuro vê para a participação de setores sociais no Mercosul?
Ricardo Canese: É preciso dizer que o Mercosul não foi eliminado, mas foi posto em um lugar não prioritário. Enquanto com os governos progressistas a integração estava na agenda como um ponto prioritário, com os governos conservadores que vieram depois – Bolsonaro, Macri, Lacalle Pou, Cartes, Abdo Benitez – reduziu-se o papel de participação no Mercosul, assim como em todos os organismos de integração. Essa foi a linha dos governos conservadores. Agora temos condições para que ocorra um processo inverso. Se bem, o triunfo de Lula é importante, também se vencermos em 30 de abril vamos somar-nos a governos democráticos que acreditam na integração. Creio que com o governo da Concertación vamos apostar nisso. Nós como Frente Guasu vamos estar insistindo nesse ponto e pelo que conheço de Efraín Alegre, considero que ele fará a mesma aposta.

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A integração não tem que ser exclusiva da esquerda e dos movimentos sociais. E digo como autocrítica, para os objetivos que temos que traçar para nós. Temos que pensar uma integração que inclua todos: convencer o empresariado da região que a integração interessa a todos. Desde um empresario até um indígena, um trabalhador e um camponês. Creio que temos que ganhar a direita democrática nesse processo de integração porque o mundo está se desenvolvendo em um sentido muito claro. As regiões que estão integradas têm um papel mais protagônico.

Costumo dar o exemplo dos EUA. Não são 51 estados, cada um com sua cabeça, porque estão integrados. Assim  também a China reúne muitas nações. Sua força está em ser uma nação integrada. Por isso é tão importante a questião de Taiwán, que é uma província rebelde. Para a China a unidade é uma questião de Estado. E para nós na América Latina deveria ser assim, deveríamos avançar na integração e teria que ser algo que não se discuta: nem na direita, nem na esquerda.

Muitas vezes se confunde como ‘agenda da esquerda’ e deveria ser a agenda da América Latina. O empresariado, os setores democráticos têm que compreender que separados vamos ser o quintal do quintal. Para ter trascendência temos que estar integrados e aí vamos poder falar com os EUA, com a Europa, com a China, com os grandes blocos. Creio que esta discussão tem que ser levada aos movimentos sociais – aos quais é preciso voltar a dar protagonismo. A tarefa pendente dos movimentos é gerar um enfoque de integração.

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O capital nacional vai se desenvolver muito melhor em uma América Latina integrada de 600 milhões em vez de 6 milhões. Um exemplo muito contundente é que em 1950 a América Latina tinha mais patentes que a China e eran apenas 3% do total. Hoje a China supera os EUA.

E isto se deve a que é uma nação integrada; as principais universidades do mundo estão na China. Isso é o Século XXI. Nós temos que ingressar no Século XXI. Muitas vezes no Parlasul propus que as universidades públicas do Mercosul se unissem – a UNAM no México, a UBA em Buenos Aires, a USP no Brasil -. Por que não se fazem pesquisas conjuntas? Uma integração real, entrando na ciência e nla técnica. Mas estamos balcanizados no pior sentido da palavra. Mesmo tendo chances de ser uma potência mundial, retrocedemos. A China superou todas as expectativas e nós nos atrasamos. Temos que integrar todas as forças, não só sociais, também produtivas da América Latina e ter uma perspectiva de integração de todo o continente e não ideologizar algo que tem que ser de todos.

Jimena Montoya: Quando revemos o panorama político do Paraguai vemos os flagelos que são comuns na região a respeito de como são atacados os projetos populares ou progressistas quando conseguem chegar ao governo. O que se pode fazer a partir dos mecanismos de integração existentes ou por inventar para abordar estas dimensões?
Ricardo Canese: Nós temos instrumentos que constituimos na primeira onda progressista, como UNASUL e CELAC. Claro que existe o Mercosul e lembro que falamos disso com companheiros do Brasil e da Argentina. E o Mercosul é o processo de integração mais avançado. Existe a possibilidade de ingresar a Bolívia; que volte a Venezuela. Por sua vez, o Mercosul tem que evoluir para a UNASUL. Temos que chegar a uma integração da América do Sul, e depois temos que avançar para outra integração que tem que ser a CELAC, que integra 33 países da América Latina e do Caribe. Todos temos que estar ali.

A integração é múltipla, não somente econômica e social, também é política. Temos o Parlasul, o Parlandino, e podemos ter um Parlamento da América do Sul. Os parlamentos dão a dimensão política e tem que ser um projeto de toda a sociedade e do continente. Claro que há setores que querem a nossa destruição. Temos que isolar esses setores que abertamente jogam a favor dos EUA.

Há uns dias veio Pepe Mujica. Ele dizia que a esquerda tem que ser o mais ampla possível. Nós temos que ter a capacidade de integrar todos os setores. Creio que temos uma grande oportunidade nesta nova onda progressista. Que indubitavelmente é mais moderada, mas temos possibilidade de aprender com nossos erros do passado. Talvez tenha se perdido radicalidade, mas pode-se ganhar em amplitude. E esse ganho pode ser até mais revolucionário. Se soubermos integrar todas as nossas sociedades, o proceso da América Latina já não poderá parar. Apesar das diferenças históricas com o setor empresarial temos que sentar-nos na mesma mesa.

Lula nesse sentido é um exemplo. Ele vem do setor trabalhador, sindical, e seu vice-presidente vem do setor empresarial. Na medida em que tenhamos esta frente a favor da integração com todas as forças políticas, sociais e econômicas de nosso país, a integração será mais sólida. Creio que estão dadas as condições e é o grande desafio que temos hoje que, pela primeira vez, em quase todo o continente há governos progressistas.

Gerardo Gamarra: Com esta ênfase e na perspectiva nos mecanismos de integração, que potencialidades e problemáticas vê em projetos como o corredor bioceânico?
Ricardo Canese: Há vários projetos de corredores bioceânicos na América do Sul. Analisamos isto no Parlasul e enquanto houve a UNASUL levou um seguimento muito importante de todos esses projetos. E estes corredores bioceânicos são transversais. Por exemplo, na hidrovia Paraná-Paraguai – que é de norte a sul – há projetos para conectá-la com o Amazonas, e isso seria uma integração fluvial factível. Limitando-nos aos projetos entre o Oceano Atlântico e o Pacífico, há projetos rodoviários e ferroviários. Em princípio sou mais favorável aos corredores ferroviários. São muito mais eficientes, muito mais baratos eembora exijam um investimento um pouco maior. Mas seu efeito multiplicador é muito maior.

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Há corredores ferroviários que funcionam mal. Há um corredor que vem do Paraguai até o Brasil e segue por Resistência na Argentina até Antofagasta no Chile. Há outro um pouco mais ao norte que sai de Santos (BR), passa pela Bolívia e sai no Peru.

Mas além de discutir qual é mais interessante, creio que é importante desenvolver todos. Porque a capacidade de transporte destas conexões também é geográfica. Um corredor muito ao norte não beneficia quem está ao sul e vice-versa. Então é preciso pensar em vários corredores ferroviários que estejam conectados com o transporte fluvial e esse sim vai ser um sistema de transporte muito eficiente. Tanto em baixo consumo de energia como a baixo custo.

Agora no Paraguai fez-se a via interoceânica que, sobretudo, beneficia o Estado do Mato Grosso do Sul no Brasil. Está pensado para que a extração de soja que se produz neste estado chegue de forma mais eficiente ao Chile. No fundo é isso. E há críticas socioambientais bastante severas porque atravessa áreas indígenas. Os goviernos conservadores não cuidam destes aspectos então gerou muitas críticas. Além disso, um projeto rodoviário tem um impacto muito mais limitado. Resolve um problema imediato: baixa os custos. Mas não há uma mudança de sistema. Nós o que temos que pensar na América do Sul, se falamos de infraestrutura, é em um sistema muito mais eficiente de interconexão interna onde o transporte fluvial e ferroviário sejam fundamentais. Não só falando de cargas, mas também de passageiros.

Notem que na China e na Europa, o transporte ferroviário tem um grande auge. Aqui na América Latina quase não temos embora tenhamos as condições. Há ferrovias entre Assunção e Buenos Aires, perfeitamente pode haver entre Assunção e São Paulo. No Brasil entre Rio de Janeiro e São Paulo faz tempo que há um projeto de interconexão ferroviária, mas há interesses criados e mantem-se o transporte rodoviário ou aéreo que são muito mais eficientes. Consomem mais energia e tampouco são mais convenientes para a população.

Todo este asunto tem que ser muito bem pensado. Para nosso desenvolvimento e o das forças produtivas, sair para os Oceanos Pacífico e Atlântico de forma econômica é fundamental. Nesta nova Rota da Seda, a América Latina poderia integrar-se mas temos que pensar em sistemas de transporte de grande envergadura.

Paula Giménez: Queria recuperar a questão da participação social e perguntar-lhe Como pensa que se constróem estes mecanismos a partir das forças populares? Que lugar, que papel exercem, que importância têm e como pode-se construir uma agenda para que a partir das forças populares chegue-se a uma integração regional possível?
Ricardo Canese: Temos que poder abranger toda a sociedade e ter um parlamento que represente a população. O Parlasul tenta ser isso. Nós somos representantes da população no Mercosul. Mas que capacidade de decisão temos até agora? Zero. Podemos dar recomendações, fazer declarações, mas o problema são as competências. O Parlasul tem zero competências, então a população existe só como uma caixa de ressonância.

Quero insistir em que um elemento fundamental de participação das organizações cidadãs, sociais, populares é um Parlamento representativo, que tenha capacidade para decidir algo e que interpele. Porque aí é onde os cidadãos se expressam.

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Nossa Constituição diz que temos uma democracia representativa e participativa. Mas para que a participação possa fluir é importante que haja uma boa representação e que esse representante possa decidir.

Algo preocupante é que o Protocolo do Parlasul, que vem de 2007,  afirma que o Parlasul pode tomar decisões. Mas nunca nos remetiram nenhum projeto. Então, também temos que dizer aos governos progressistas que minimizaram o papel do Parlasul. Por isso a participação popular não pode tomar decisões. Para que isto tenha real inserção e possa lançar raízes temos que dar poder ao congresso para que as organizações sociais possam tomar decisões. Temos que poder convocar plebiscitos, senão será apenas um ‘muro de lamentações’ mais do que uma caixa de ressonância.

Temos que buscar a participação protagônica da população, que contemple: os empresários, os setores médios, e os trabalhadores do campo e da cidade. Hoje a população não decide nada e isso tem que mudar. Há até chancelarias que se opõem a que o Parlasul tome decisões, o Itamaraty, por exemplo. Não querem deixar que um parlamento decida sobre questões que vão afetar de alguma maneira os países. Desses temores temos que levantar-nos porque tudo em mãos do presidente da República não é participativo.

Da entrevista participaram Gerardo Gammara (ALAI), Jimena Montoya (CLAE), Rubén Ayala Vera (Voces Paraguai), Vanessa Rodríguez Silvestre (CONAMUCA-CLOC-Via Campesina), Paula Giménez (NODAL) e Javier Tolcachier (Pressenza).

FCINA – Foro de Comunicación para la Integración de NuestrAmérica
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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