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Movimento feminista cresce nas ruas e número de candidatas bate recorde histórico nos EUA

O movimento Marcha das Mulheres contribui no sentido de romper com o debate hegemônico e histórico de um feminismo liberal e branco nos Estados Unidos
Renata Peixoto de Oliveira
OPEU
São Paulo (SP)

Tradução:

Em 17 de outubro de 2020, mais de 430 marchas das mulheres foram realizadas em todo território dos Estados Unidos, levando mais de 100.000 manifestantes às ruas. O epicentro da marcha continua sendo Washington, D.C., onde as ativistas se reuniram próximo à Casa Branca e seguiram até as proximidades do Capitólio.

O movimento “Women’s March” se formou em 2017, no rastro da posse do republicano, bilionário, autointitulado outsider da política e de direita Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Na ocasião, a marcha realizada em 21 de janeiro se tornou um marco histórico, reunindo, em um único dia, mais de um milhão de pessoas em Washington, D.C. A partir de então, esta marcha vem acontecendo anualmente e demonstrando como, tanto nos EUA como em outros países, o movimento feminista e de mulheres, vem assumindo um papel protagonista.

Essa ação surge como uma resposta ao avanço de governos conservadores e de mudanças societais que sinalizam tempos de maior intolerância, de adesão às fake news e à desinformação, de crescimento de movimentos protofascistas e de destruição acelerada do meio ambiente. O movimento também tem um objetivo político bem definido: o de incentivar mulheres na vida pública e o de votar e eleger mais mulheres. E isto já surtiu efeito, pois o número de candidaturas femininas nos EUA bateu um recorde histórico, justamente no centenário da conquista do voto feminino.

A mudança começou em 2018, com o aumento de candidaturas e de eleitas e, neste ano decisivo de eleições presidenciais, apresenta, mais uma vez, um aumento recorde de candidaturas por parte das democratas, como contraponto ao trumpismo, contando também com mais candidaturas de republicanas que querem reconquistar o voto feminino. Neste pêndulo, o Partido Democrata continua saindo na frente para angariar o voto feminino, seja pela agenda em seus pontos contrastantes com republicano Trump, bem como pela escolha da senadora negra Kamala Harris para ser  a candidata a vice-presidente junto a Joe Biden.

O movimento Marcha das Mulheres contribui com esta agenda política no sentido de romper com o debate hegemônico e histórico de um feminismo liberal e branco nos Estados Unidos, dando vazão a um debate assentado na interseccionalidade. Pauta-se por alguns princípios, conhecidos como “Unity Principles”. Estes valores caminham no sentido da inclusão e da equidade, de acordo com aspectos étnico-raciais; a questão migrante; as diferenças de origem e de nacionalidade, assim como de orientação sexual e identidade de gênero diversas; crenças e religiões; e a questão da acessibilidade e da inclusão de mulheres com deficiência. Estes princípios mais gerais se desdobram em elementos que ganham visibilidade na agenda do movimento e que balizam seu ativismo: fim da violência; direitos reprodutivos; direitos LGBTQIA; direito das trabalhadoras; direitos civis; direito imigrante e justiça ambiental.

O movimento Marcha das Mulheres contribui no sentido de romper com o debate hegemônico e histórico de um feminismo liberal e branco nos Estados Unidos

Foto: Tasos Katopodis
Vestidas de aias, ativistas protestam na Marcha das Mulheres, na Freedom Plaza, Washington, D.C., 17 out. 2020

Pandemia e movimento feminista

Em 2020, o movimento teve de se reinventar e investir ainda mais no ativismo cibernético (cyberactivism) com a realização de webinários e de campanhas virtuais. Duas questões passaram a protagonizar a agenda do movimento: por um lado, a questão racial e, além disso, mas, também de forma associada, o advento da pandemia da covid-19.

No que diz respeito à pandemia, o movimento incorporou o debate acerca das profissões que estão na linha de frente, que se referem à dimensão dos cuidados (naturalizada enquanto feminina), principalmente, enfermeiras e educadoras. Além disso, debruçou-se sobre a situação das mulheres diante dos impactos da pandemia, no sentido de apontar como as vulnerabilidades se tornaram mais visíveis para mulheres negras, imigrantes, para as trabalhadoras no mercado informal, para mães solo ou para a comunidade LGBTQIA. 

O movimento também realiza campanhas sobre o uso da máscara e dá suporte para comunidades, nas quais as mulheres precisam de apoio para confeccioná-las. No tocante às questões raciais, o movimento Marcha das Mulheres adere, fortemente, à agenda do movimento Vidas Negras Importam (Black Lives Matter), principalmente, depois de toda repercussão global do assassinato de George Floyd por policiais nos Estados Unidos.

Como desdobramento, a Marcha das Mulheres passou também a apoiar a campanha “Defund the Police”, literalmente, retire o financiamento da polícia. Nos Estados Unidos, há mais verbas para a polícia do que para a assistência social.  De acordo com os defensores do movimento, esta campanha é uma reação evidente à violência policial contra a comunidade afro-americana, herança escravocrata e de um sistema que há até poucas décadas era marcado pela segregação racial.

A caminhada

Neste ano, o movimento organizou duas marchas: uma em janeiro, e outra, em outubro de 2020. Basicamente, as marchas acontecem na capital, Washington, D.C., onde o movimento congrega ativistas e simpatizantes na Freedom Plaza. Simultaneamente, marchas similares são realizadas em outras importantes cidades, principalmente na costa leste, tendo também ganhado adeptos em outros países e invadido o mundo virtual.

A marcha de janeiro foi bastante influenciada pelo movimento feminista chileno que, da onda de lenços lilás de 2018, passando pelo estallido social de outubro de 2019, deu visibilidade à luta antipatriarcado, principalmente no que diz respeito à cultura do estupro e à violência callejera, adotando como hino a música do coletivo La Tesis, “um violador em seu caminho”.

A segunda passeata, que antecedeu em poucas semanas a eleição presidencial, ocorreu ainda sob a forte convulsão social que se seguiu às marchas pela luta antirracista, contra a supremacia branca e a violência policial. Também foi associada à necessidade de se posicionar na arena política contra a reeleição de Donald Trump em novembro, em um cenário marcado pela crise econômica e por uma malfadada atuação do governo federal contra a pandemia do coronavírus e de uma liderança marcada pelo negacionismo, pela irresponsabilidade e pelo anticientificismo do primeiro mandatário da nação que chegou a participar de um debate presidencial, supostamente já infectado pela covid-19.

A manifestação de 17 de outubro também foi marcada pela comoção e  por homenagens à juíza da Suprema Corte Ruth Bader Ginsburg, falecida em setembro deste ano. Ginsburg se tornou um ícone para o movimento feminista e para setores progressistas e teve atuação proeminente nestes anos de governo Trump como um contraponto fundamental ao conservadorismo. Sua provável substituta, a juíza Amy Coney Barrett, é considerada uma ultraconservadora. Sua indicação, por parte de Trump, para ser nomeada antes das eleições de 3 de novembro gerou forte reação das manifestantes na marcha de 17 de outubro.

No monte Rushmore, o memorial nacional presta referência aos Pais Fundadores da democracia estadunidense, mas é nas ruas que mulheres comuns e diversas lutam para conter os efeitos da crise democrática naquele país.

 

Renata Peixoto de Oliveira é doutora em ciência política pela UFMG e docente da UNILA, pesquisadora do INCT-INEU e membra do Comitê Executivo pela Equidade de Gênero e Diversidade (CEEGED) da UNILA.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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