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Ao pedir paralisação da contagem, Trump coloca em xeque democracia dos EUA

Trump deixou claro que não pensa ceder à vontade do povo expressada nos votos, mas que buscará a intervenção de máxima corte
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Todos esperam a contagem final em quatro estados que determinarão quem ganhará a Casa Branca, mas o que mais assombra é um presidente que exige “parem a contagem”. E repete falsamente que o país é vítima de um fraude massiva – mas com a qual só ele está em perigo de perder.

Trump declarou em entrevista coletiva que “não podemos tolerar que nos roubem a eleição… não podemos permitir que isso ocorra… não permitiremos essa desgraça ao país”. Advertiu que haverá cada vez mais litígios e que estas disputas legais poderiam chegar até a Suprema Corte. 

Deixou claro que não pensa ceder à vontade do povo expressada nos votos, mas que buscará a intervenção de máxima corte nacional onde ele acaba de consolidar sua maioria conservadora, e está disposto a descarrilar o processo com acusações que não têm sustentação. 

Usando a Casa Branca como sede de sua campanha – o edifício não lhe pertence e supostamente não deve ser utilizado para atos partidários (hoje uma agência governamental autônoma anunciou o início de uma investigação sobre o uso da Casa Branca como centro de operações da campanha) – Trump acusou que a integridade da eleição foi prejudicada pela “corrupção” democrata.  

Acusou falsamente de fraude em todos os lugares onde crê que não lhe favorecem as tendências. “Se contarmos o voto legal, eu ganho… se forem contados os votos ilegais, se vê que estão tentando roubar a eleição”. 

O magnata acusou os democratas, os “grandes meios, os grandes da tecnologia e os grandes doadores” de interferir na eleição. “Estão tentando roubar uma eleição, manipular uma eleição”, e recordou que já havia advertido que isto sucederia, sobretudo ao contar-se os votos pelo correio. 

Proclamou que ganhou na Pennsylvania e na Georgia onde os votos continuam sendo contados e onde nem as autoridades estaduais nem os meios ofereceram projeções. Se perder em um deles muito provavelmente será derrotado na eleição nacional.

Trump deixou claro que não pensa ceder à vontade do povo expressada nos votos, mas que buscará a intervenção de máxima corte

Casa Branca
Sem provas, Trump declarou em entrevista coletiva que “não podemos tolerar que nos roubem a eleição".

Sua mensagem estava tão repleta de falsidades que vários dos canais de televisão interromperam sua transmissão ao vivo, explicando que não podiam transmitir tanta informação incorreta ou enganosa. De fato, durante os últimos dias, o Twitter e o Facebook tiveram que censurar ou pelo menos etiquetar como falsas várias das mensagens do presidente e seus aliados. 

Até alguns republicanos condenaram as declarações de Trump. “Não há defesa dos comentários do presidente nesta noite minando nossa democracia”, afirmou o governador republicano Larry Hogan. Tom Ridge, ex-secretário de Segurança Interna do presidente George W. Bush afirmou que “foi uma falta de respeito a todos os estadunidenses que …votara, seguramente em meio de uma pandemia que custou 235 mil vidas… Absolutamente vergonhoso. Mas tão previsível”. 

Por ora a estratégia de litígio de Trump não está dando frutos com as primeiras tentativas frustradas por juízes. Alguns analistas sugerem que o objetivo das demandas interpostas pela campanha de Trump não é ganhá-las, mas sim provocar dúvidas sobre a integridade do processo eleitoral e, segundo um, “semear o caos”. 

Pelo lado democrata, a consigna de Joe Biden e seus aliados é simples: que seja contado cada voto. Biden tem repetido que são os votos, e não o presidente, os que decidem uma eleição. Recomendou paciência e assegurou que o processo está funcionando.  

O senador Bernie Sanders, entre outros, tem repetido que “esta eleição não se acaba quando Trump diz que se acaba… Esta é uma democracia. Trump goste ou não, contamos cada voto”.

A contagem

Georgia e Arizona podem mudar o curso desta eleição, mas as margens continuam sumamente ajustadas esta noite. 

Pennsylvania, onde se esperam resultados na sexta-feira, se Biden ganhar, isso lhe daria a coroa nacional, e poderia ser sujeito a múltiplas demandas legais mais por parte de republicanos com o objetivo de colocá-lo no limbo.

Nevada, que por ora se inclina por Biden, é outro estado chave, mas que estã contando os votos com lentidão e não se espera um resultado rápido. 

Por ora, se Biden ganhar no Arizona e em Nevada, também seria triunfador. Georgia em combinação com qualquer dos outros três, igualmente. Biden necessita só 17 votos eleitorais a mais.    

Trump necessita mais  56 votos eleitorais a mais, e portanto necessita uma combinação de Pennsylvania, Georgia, Carolina do Norte e um dos dois do sudoeste. 

O segundo distrito legislativo de Nebraska -um dos poucos estados não se outorgam todos seus votos eleitorais ao ganhador do maioria do voto estatal – foi obtido por Biden, com um voto eleitoral. Existe a possibilidade, com margem tão pequena no Colégio Eleitoral, que esse voto singular pode decidir a contenta nacional.  

Mas com a estratégia de litígio de Trump, a disputa eleitoral nacional poderia estender-se por semanas. 

Buscando explicações

Ainda antes de concluir e coroar o vencedor, analistas, pesquisadores, estrategistas e ativistas políticos já estão tratando de começar a entender o que aconteceu nessa eleição. Talvez a maior surpresa é que as esperanças dos democratas de motivar e elevar a participação foi conseguida de maneira espetacular, com o que se calcula que será a taxa de participação em mais de um século, mas com o que não contaram é que essa onde não foi só de votos pelo democrata, que está chegando a quase 74 milhões, mas que também participaram milhões mais em apoio a Trump e aos republicanos – Trump está se aproximando a 70 milhões de votos, 7 milhões a mais que em 2016. 

Por outro lado, alguns estão examinando o que aconteceu com o voto de diversos setores, entre eles o latino. Esse voto poderia ser determinante para os democratas na eleição nacional se Biden ganhar Arizona e/ou Nevada. Mas o sonho de uma surpreendente vitória democrata no Texas em parte pelo voto latino se esfumou, e mais ainda se registrou um incremento dramático de apoio para Trump, sobretudo de homens latinos de origem mexicana em alguns condados fronteiriços. 

Finalmente, uma vez mais aparecem as perguntas e as piadas sobre o sistema eleitoral estadunidense, a existência do aberrante Colégio Eleitoral, a ausência de um sistema de contagem um pouco mais preciso e moderno, e como é que ainda não convencem a quase todos a participar nas eleições – embora talvez uma explicação seja ter à frente um presidente que está minando a confiança em tudo isso e cujo grito durante a eleição é “parem a contagem”.  [https://www.jornada.com.mx/2020/11/05/edito].

Enquanto isso, Wall Street registrou um auge pelo segundo dia ao prognosticar um governo “dividido entre os dois partidos com democratas na Casa Branca e republicanos mantendo o controle do Senado, com o que se limita a possibilidade de que se promovam propostas para elevar impostos sobre os ricos e a imposição de novas normas e regulamentações sobre empresas. Ainda mais, alguns dariam a boas-vindas ao manejo menos errático da presidência. 

Mas, por enquanto, tudo está em espera. “Se sua escolha durar mais de 48 horas, procure atendimento médico”, aconselhou o comediante e apresentador de televisão Jimmy Kimmel.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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