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Voz do povo ou voz de Trump? Republicanos têm lealdade questionada ao aceitarem derrota

Atual mandatário tem falado diretamente com funcionários e legisladores estaduais republicanos para pressioná-los a resistir
David Brooks
Prensa Latina
Nova York

Tradução:

A tentativa sem precedentes na história dos Estados Unidos de Donald Trump de subverter o resultado da eleição nacional, uma ingerência presidencial assombrosa no processo democrático, continua alimentando o debate nacional sobre se o que se está testemunhando é um tipo de golpe de Estado ou uma manobra enganosa para consolidar seu poder nacional uma vez fora da Casa Branca. 

Trump tem falado diretamente com funcionários e legisladores estaduais republicanos para pressioná-los a resistir em certifica os resultados em seu respectivos estados (a maioria dos quais o farão entre agora e o fim de semana ou até contemplar algo tem extremo como anular o resultado oficial em vários estados onde ganhou o democrata Joe Biden e assim ignorar a vontade popular e instalar eleitores que votarão por Trump no Colégio Eleitoral quando este entre em sessão em 14 de dezembro. 

Ao mesmo tempo, sua campanha continua com a batalha litigioso da eleição do passado dia 3 na qual apresentou, até a presente data, 33 demandas legais em vários estados, 31 das quais foram descartados pelos juízes por falta de evidência. No sábado (21), um juiz federal na Pensilvânia descartou uma demanda legal da campanha de Trump para anular cédulas no último fracasso nestes esforços. 

A estratégia não é necessariamente ganhar essas demandas, mas sim descarrilhar o processo de contagem e certificação de voto, fase atual do processo eleitoral que culminará na maioria dos estados chaves neste fim de semana (todos devem ser concluídos até 8 de dezembro). 

A próxima data chave é 14 de dezembro quando entra em sessão o Colégio Eleitoral e culmina em 6 de janeiro quando o voto do Colégio Eleitoral é contabilizado pelo Congresso Federal. Espera-se que Trump poderia buscar a forma de entorpecer o manipular cada um desses processos. A única coisa que supostamente não está sujeita a mudança, sob a Constituição, é que às 12 horas do dia 20 de janeiro, conclui o período do atual presidente e seu vice-presidente. 

Os republicanos, cuja cúpula tem se mantido fiel ao presidente até agora, se encontram desde a eleição na disjuntiva entre respeitar a supostamente sagrada vontade de povo expressa nas urnas ou comprazer o líder de seu partido.  

Trump tem mostrado durante mais de quatro anos que está disposta a atacar todo republicano que não se subordine ou mostre suficiente lealdade, incluindo despedir uma crescente lista de integrantes de seu próprio gabinete e outros altos funcionários. Na semana passada despediu por tuíte Chris Krebs, encargado da agência de segurança cibernética do Departamento de Segurança Interna por declarar que o processo eleitoral havia sido “seguro” e que as queixas de fraude careciam de substância, ou seja, contradizendo o chefe. 

Atual mandatário tem falado diretamente com funcionários e legisladores estaduais republicanos para pressioná-los a resistir

White House
A tentativa de Donald Trump de subverter o resultado da eleição nacional é uma ingerência presidencial assombrosa no processo democrático.

Mas a cada dia aparecem mais gretas no dique republicano. Embora a liderança se mantenha leal por ora, vários legisladores federais – os senadores Mitt Romney, Marco Rubio e Pat Toomey e a influente deputada Liz Cheney, junto com cada vez mais legisladores estaduais se atreveram a expressar o óbvio – que o presidente foi derrotado por Biden. 

Dois ex-integrantes do governo de Trump, John Bolton e HR McMaster, criticaram este domingo ao seu ex-chefe dizendo que estava prejudicando seu país ao se recusar a reconhecer os resultados. E um firma aliado do presidente, Chris Christie, ex-governador republicano, comentou que já era hora de que o presidente reconhecesse sua derrota e que a equipe legal encarregada de reverter a eleição é “uma vergonha nacional”. 

E ainda mais, alguns dos funcionários estatais republicanos encarregados do processo eleitoral têm mostrado maior valentia e integridade que suas contrapartes federais ao proceder a contabilizar e certificar o voto apesar de que muitos não só foram pressionados diretamente pelo presidente e seus representantes, mas inclusive receberam ameaças de morte em estados como Georgia, Arizona, Nevada, Michigan, Pensilvânia.  

Georgia, sob a mão do secretário de estado republicano Brad Raffensperger, certificou seu voto outorgando o triunfo a Biden. Em Michigan, os líderes republicanos do congresso estadual se recusaram a submeter-se às ordens do presidente e indicaram que respeitarão os resultados uma vez certificados. Alguns esperam que quando Pensilvânia e Michigan certifiquem seus resultados eleitorais a partir desta segunda-feira, isso vai pôr fim a qualquer expectativa de Trump para reverter a eleição em tribunais, embora ainda possa apelar. 

Quase todos descartam que Trump consiga reverter os resultados da eleição, mas críticos dizem que está fazendo um enorme dano ao que supostamente é o fundamento de uma democracia – o processo eleitoral – ao criar cada vez mais desconfiança entre o público. Pesquisas registram que a esmagadora maioria de eleitores pró Trump acreditam que houve uma grande fraude apesar de não ter sido apresentada evidência e que juízes, especialistas e até vários republicanos têm repetidamente reprovado a afirmação. 

Alguns dizem que o efeito do assalto antidemocrático de Trump é fomentar uma desestabilização política prologada do país, na qual se qualificaria como “ilegítimo” o próximo governo e todas as suas decisões. 

Por um lado, estas manobras continuaram alimentando o debate sobre se isto é uma intentona de golpe de Estado, ou o que seria um “autogolpe”, já que seria interromper o processo democrático com uma manobra extralegal para tomar o poder estando no poder. Não há dia em que isso não seja comentado em todos os principais meios e foros do país desde antes da eleição quando Trump advertiu que não necessariamente reconheceria os resultados nem garantiria uma transição pacífica do poder. 

Outros argumentam que isto é uma manobra de Trump para consolidar seu domínio sobre o Partido Republicano daqui em diante, sobretudo usando o poder dos quase 74 milhões de votos – milhões a mais que em 2016 – que ganhou este ano, já que segundo fontes próximas ao presidente têm comentado que sabe que seu esforço para reverter a eleição não vai prosperar e que já está se preparando para anunciar que será candidato presidencial em 2024. 

Porém críticos dizem que diante da ausência de provas, a falta de um repúdio às manobras de Trump por parte da cúpula republicana para defender o processo democrático é um delito ainda mais grave. Robert Reich, intelectual e ex-secretário de Trabalho, afirmou que “sua covardia é uma das maiores traições da confiança pública na história da nossa república”.

No domingo, o governador republicano de Maryland, Larry Hogan, disse que estava “envergonhado” diante da falta de seus partidários se expressarem contra as manobras de Trump e lamentou em entrevista à CNN que antes os Estados Unidos supervisionavam eleições em outros países, mas que agora “começamos a ver-nos como um república bananeira”. 

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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