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Toggle“As sanções buscam gerar um sofrimento ou, para ser claros, dor, que seja suficientemente agoniante para que o alvo das sanções mude sua conduta.”
Esta frase é extraída do livro El arte de las sanciones. Una perspectiva desde el terreno, do estadunidense Richard Nephew, e expressa de maneira concreta em que consiste a estratégia coercitiva implementada pelos Estados Unidos e convertida, segundo o mesmo texto, no “instrumento predileto da política externa” desse país.
Trata-se de provocar dor. E a realidade é que essa dor acaba sendo sofrida por uma população inteira, e não pelas elites ou membros do governo que se pretende derrubar. Este é o caso da Venezuela, que acaba de completar 10 anos desde o início do cerco por parte do país mais poderoso do planeta.
A vice-presidenta venezuelana, Delcy Rodríguez, explicou em uma recente conferência que as sanções unilaterais estabelecidas por Washington contra a economia venezuelana geraram perdas de receitas da ordem de 232 bilhões de dólares e destruíram um Produto Interno Bruto (PIB) de 642 bilhões de dólares. São 1.039 sanções específicas que afetam diretamente a indústria venezuelana de hidrocarbonetos e geram um brutal impacto no restante da economia.
Sanções afetam setor petrolífero e colapsam receitas do Estado
Para compreender o que acontece na Venezuela, como vive sua gente e o impacto da agressão estadunidense, é necessário destacar que o país caribenho historicamente teve uma economia cujo centro dinamizador é a indústria petrolífera, que aportava 97% das divisas que ingressavam ao país.
William Castillo, vice-ministro de Políticas Antibloqueio, em entrevista ao jornal La Jornada, explicou que entre 2015 e 2020 a produção petrolífera caiu quase 90%, “e isso significou que a Pdvsa deixou de ganhar 232 bilhões de dólares”. É claro que tal queda teve um impacto duríssimo nas receitas nacionais, que se reduziram nesse período em quase 99%. “A Venezuela passou de receber 40 bilhões de dólares em receitas em divisas em 2014 para 743 milhões em 2020”, pontuou.
E isso explica em grande parte a queda da economia, a fuga de divisas e empresas, a migração. Há uma medida que engloba tudo: o PIB se reduziu a um quinto do seu valor em 2015.
Corte no orçamento compromete saúde, transporte e alimentação
Como isso impacta a vida cotidiana? A resposta, diz Castillo, é simples: o golpe nas receitas do Estado se transferiu rapidamente para a sociedade. Por quê? Porque a Venezuela investe, em média, entre 77% e 80% de suas receitas em programas sociais: saúde e educação públicas, assistência social às comunidades mais vulneráveis, à terceira idade, programas para crianças e adolescentes. “Um país que dedica quase 80% do seu orçamento anual a isso e que tem seu orçamento reduzido em mais de 90%, obviamente terá um impacto muito grande em todos os serviços públicos e sociais.”
A crise da Pdvsa gerada pelas sanções impactou o transporte, particularmente aquele que depende de gasolina, que é a maioria. “O bloqueio à Pdvsa nos impedia trazer os componentes para refinar e produzir gasolina na Venezuela, e isso se traduziu numa crise de mobilidade”, explicou.
Da mesma forma, a impossibilidade de pagar no exterior por equipamentos de turbinas para o sistema elétrico ou de água provocou uma queda muito forte na qualidade e abrangência dos serviços públicos.
O congelamento de recursos no sistema financeiro internacional, que chegou a 30 bilhões de dólares segundo o Observatório Venezuelano Antibloqueio, provocou escassez de marcapassos, assim como de medicamentos de alto custo para tratar pacientes com câncer, HIV e diabetes.
“Houve bloqueio à importação de vacinas antes e durante a pandemia, o que impactou os índices de saúde”, afirmou. A Venezuela voltou recentemente a ser um país livre de sarampo, depois que o bloqueio a fez perder essa condição porque não era possível importar as vacinas.
Explicou com dados o caso particular da alimentação: o bloqueio e o ataque ao orçamento público reduziram a disponibilidade de alimentos e o déficit nutricional disparou para 35%. “Hoje já estamos novamente em 4% e vamos continuar reduzindo, mas aumentou de menos de 3% no final do governo de Chávez em 2012 para 35% nos anos mais duros do bloqueio: 2017, 2018 e 2019.”
Castillo citou o trabalho dos economistas estadunidenses Jeffrey Sachs e Mark Weisbrot, de 2019, que qualificam o sistema de sanções contra a Venezuela como um “castigo coletivo” e calculam que o bloqueio teria sido responsável por cerca de 40 mil mortes até aquele ano.
“Toda essa crise dirigida contra o Estado tinha como alvo final a população, ou seja, buscando uma mudança de regime, buscando derrubar Nicolás Maduro, e infligiu feridas muito graves ao corpo social, à população da Venezuela.”
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