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Em discurso na Convenção Democrata, Sanders denuncia apoio do Governo Biden a Israel

Bernie Sanders foi o primeiro orador e fazer a crítica no evento e também defendeu que os EUA retomem a proposta de aumentar impostos aos multimilionários
Jim Cason, David Brooks
La Jornada
Chicago

Tradução:

Beatriz Cannabrava

No segundo dia de sua convenção nacional em Chicago, nos EUA, o Partido Democrata continuou oferecendo um elenco de oradores que buscaram convocar o maior número possível de eleitores, através da retórica elegante do ex-presidente Barack Obama e do discurso anticapitalista do senador socialista democrático Bernie Sanders.

Em uma noite que incluiu vários oradores, desde o líder do Senado Chuck Schumer até o primeiro segundo cavalheiro da história do país, que espera ser o primeiro-cavalheiro Doug Emhoff (esposo da candidata presidencial Kamala Harris), um dos que mais recebeu aplausos foi Sanders, que nunca cedeu em sua mensagem, que reiterou aqui: “necessitamos uma economia que funcione para todos, não só para a classe dos multimilionários”.

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Falando tanto aos 20 milhões que se calcula estarem assistindo à convenção pela televisão, quanto aos militantes na arena, Sanders elogiou as conquistas do governo de Joe Biden e proclamou: estamos fazendo o trabalho de base para eleger Kamala Harris e Tim Walz. Mas, mostrando seu talento político, lhes deixou uma tarefa.

Sanders, o primeiro a denunciar

Recordou que 60% da população do país continua vivendo “quinzena a quinzena”. Insistiu na agenda progressista inacabada de aumentar impostos para os ricos, ampliar o acesso à saúde para os idosos, elevar o salário mínimo e reformar o sistema eleitoral para que os bilionários “não possam comprar as eleições”.

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Sanders concluiu seu discurso criticando o apoio americano à ofensiva de Israel em Gaza; foi o primeiro orador a fazê-lo. “Temos que pôr fim a esta guerra horrível em Gaza, devolver os reféns e exigir um cessar-fogo imediato”, declarou sob aplausos.

Barack e Michelle Obama

Mas o foco da noite não foram os oligarcas e a injustiça econômica, mas o espetáculo elaborado para a aristocracia democrata: Barack Obama e sua esposa – sempre entre as figuras mais populares do país –, Michelle, cujo best-seller vendeu mais de 14 milhões de cópias, superando o de seu marido. As palavras de “esperança” e de amor ressoaram — sem muito conteúdo, mas que entusiasmaram o público.

Barack Obama coroou a noite, apresentado por sua esposa, e de novo, com sua graça e refinado talento político, tomou nas mãos a convenção. “Esta será uma disputa muito acirrada em um país dividido”, declarou. “As pessoas que decidirão esta eleição são aquelas que perguntam: quem está lutando por mim, pelo meu futuro, pelos meus filhos?”.

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O ex-presidente criticou os fracassos do governo de Donald Trump e sua conduta desde que deixou a Casa Branca, mas talvez o que provocou o maior aplauso – e risos – foi quando apontou que o republicano “tem essa rara obsessão com o tamanho das audiências”, enquanto com as mãos fez um gesto de algo pequeno que todos entenderam.

“Nossa tarefa é convencer as pessoas de que a democracia realmente pode cumprir. Para isso, não podemos depender apenas dos modos do passado, mas devemos traçar um novo caminho adiante”, disse, indicando que se requerem novas políticas sobre acesso à moradia, saúde e educação. “Nessa nova economia, precisamos de um presidente que realmente se importe com os milhões de pessoas que fazem o trabalho essencial para cuidar de nossos doentes, os que limpam nossas ruas… Kamala será essa pessoa.”

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Reiterou alguns dos temas centrais de seu próprio governo, focando na “liberdade” tanto dentro quanto fora do país. “Nenhuma nação, nenhuma sociedade jamais tentou construir uma democracia tão grande e diversa quanto a nossa, uma que inclui pessoas que ao longo de décadas chegaram de todos os cantos do planeta. Quando defendemos nossos valores, o mundo fica um pouco mais iluminado. Quando não o fazemos, o mundo fica um pouco mais escuro. Não devemos ser o policial do mundo… mas os Estados Unidos devem ser uma força do bem”. Mas não fez nenhuma referência ao apoio americano à guerra de Israel contra Gaza, nem a outras políticas bélicas.

No entanto, para esta convenção, a tarefa fundamental é promover o voto. “Se batermos nas portas, fizermos chamadas, se falarmos com nossos vizinhos, elegeremos Kamala Harris como a próxima presidenta dos Estados Unidos”, sublinhou. “Também construiremos um país mais justo e igualitário. Ao trabalho”, concluiu.

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A transformação nas tendências da contenda desde que Biden abandonou a disputa para ser substituído por Harris está gerando mais energia entre as fileiras do partido, e aqui se celebra que nas pesquisas os democratas estão empatados ou até mesmo ganhando em alguns estados-chave e a nível nacional. Mas vários dos oradores – incluindo a candidata – continuam alertando sobre quão acirrada está a competição pela Casa Branca e pelas duas câmaras do Congresso.

De fato, Harris decidiu fazer uma turnê de campanha em Wisconsin, um dos estados-chave que podem determinar a eleição presidencial, em vez de continuar aqui e ouvir seu esposo. A mensagem é que só restam 11 semanas antes da eleição na qual se enfrenta o que todos aqui consideram não apenas um opositor, mas um inimigo da democracia.

Jesse Jackson, presente

O reverendo Jesse Jackson apareceu no pódio na primeira noite da Convenção Nacional Democrata, uma figura que transformou o partido tanto por dentro, como pré-candidato presidencial, quanto por fora, como líder popular social e fundador da Coalizão Arco-Íris com seu lema: “mantenha vida a fé”.

Suas sonoras palavras e sua impressionante agilidade física foram roubadas pelo Parkinson, mas ele é uma das poucas figuras que merecem o elogio de “lenda viva”, e como declarou o reverendo Al Sharpton em um ato de tributo à sua trajetória realizado em paralelo à convenção: “cada vez que um afro-americano fala de democracia, Jesse está falando; cada vez que nós marchamos, Jesse está caminhando”.

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Jackson, apontaram Sharpton e vários veteranos legisladores, entre eles Barbara Lee – famosa por ser a única na câmara baixa a votar contra a guerra contra o Iraque –, como sua colega Maxine Waters, e o deputado Ro Khanna – neto de um dos assessores de Mahatma Gandhi –, entre outros, no ato realizado na antiga sede da Coalizão Arco-Íris, foi quem mudou as regras do Partido Democrata junto com suas campanhas eleitorais em 1984 e 1988, o precedente que possibilitou a chegada de Barack Obama à presidência e que torna possível a candidatura presidencial hoje de Kamala Harris como a primeira mulher negra filha de imigrantes indianos e jamaicanos.

Jackson se atreveu a sacudir o partido de fora, ao tecer e promover coalizões entre brancos, negros, latinos e asiáticos, que, continuando o legado de seu mentor, Martin Luther King, colocou no centro de seu movimento o tema da justiça econômica. “Jackson se comprometeu com trabalhadores brancos, negros e marrons… com os direitos trabalhistas, e sempre acompanhou as lutas do movimento sindical”, lembrou o ex-presidente do sindicato nacional de trabalhadores de comunicação CWA Larry Cohen.

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Mas também sacudiu o partido ao insistir na demanda contra as guerras. “A guerra corrói a democracia”, afirmava Jackson, lembrou a diretora da revista The Nation, Katrina vanden Heuvel. Jackson, acrescentou, combinou “a luta contra a opressão racial em casa e contra as políticas imperiais no exterior… É um homem de paz e um cidadão do mundo”.

O primeiro a defender os direitos dos palestinos nos EUA

Jackson, recordaram vários, se dedicou à luta antinuclear, contra o apartheid na África do Sul, pelo fim das guerras “sujas” apoiadas pelos Estados Unidos na América Central, assim como pelo reconhecimento da Palestina e pela paz no Oriente Médio — de fato, foi o primeiro pré-candidato presidencial a abordar o tema dos direitos dos palestinos.

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James Zogby, o palestino-americano líder do Instituto Árabe Americano, apontou que, enquanto várias coalizões progressistas nos Estados Unidos se recusavam a incluir os palestinos, Jackson sempre apoiou sua luta. Na Convenção Nacional Democrata de 1984, Zogby, cujos pais chegaram a este país sem documentos, foi selecionado para nomear formalmente Jackson como candidato presidencial. “O filho de um imigrante indocumentado nomeou o bisneto de escravos para ser candidato presidencial”, lembrou Zogby no tributo.

Como muitos apontaram, Jackson também foi um dos primeiros líderes nacionais que lutaram pelo comércio justo e contra as políticas neoliberais, e a favor do que chamava de “a economia coletiva”.

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A deputada federal afro-americana Maxine Waters comentou: “se me levanto e grito: em resistência, é porque Jesse me ensinou como fazê-lo”. Todos recordaram como Jackson acompanhava greves e outras lutas sociais multirraciais, tanto aqui quanto a nível internacional, sempre buscando tecer alianças e insistir na continuação das lutas de seus antecessores.

Ele está presente em quase todas as disputas das correntes progressistas dentro do Partido Democrata, reconheceu Bernie Sanders. “A contribuição de Jesse para a história moderna não é só que nos uniu, mas nos uniu em torno de uma agenda progressista”, disse.

Aliás, há quase 40 anos, foi publicada uma entrevista com Jackson no primeiro número do La Jornada.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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