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Guerras recentes, sobretudo em torno do Iraque, do Afeganistão e da região, assim como as que foram contra os países “comunistas”, foram apresentadas como “cruzadas sagradas” (Imagem: Inteligência Artificial)

“Em nome de Deus”: para os EUA, levar guerra e desgraça para o mundo é sempre um ato divino

Não há registro de uma única guerra dos EUA — a maior e mais letal potência militar das últimas décadas — que não tenha sido abençoada por seu Deus

David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Na noite de sábado (21), ao falar sobre a missão de bombardeio a alvos dentro do Irã, o comandante-chefe dos EUA, Donald Trump, assim concluiu seu breve anúncio à nação: “E só quero agradecer a todos e, em particular, a Deus. Só quero dizer: te amamos, Deus, e amamos nossos grandes militares… Deus abençoe o Oriente Médio. Deus abençoe Israel e Deus abençoe a América”.

Não há registro de uma única guerra estadunidense que não tenha sido abençoada por seu Deus. Aparentemente, todas as guerras dos Estados Unidos são divinas. E, obviamente, é um Deus cristão (o mandatário continua vendendo sua Bíblia cristã por 59,99 dólares). Todos os comandantes invocaram a Deus em suas guerras e obrigam todos a lhe prestar tributo em cada ocasião bélica oficial.

O melhor historiador deste fenômeno é Bob Dylan, em sua canção With God on Our Side (versão dos Neville Brothers a seguir), que conta como, em cada guerra desse país, afirmaram:“Deus estava do nosso lado”. Em um verso, ele diz que chegou a guerra do Vietnã:

Alguém pode me dizer
para o que estávamos lutando?
Tantos jovens morreram
Tantas mães choraram
Agora eu pergunto
Deus estava do nosso lado?

E, ao concluir, comenta, já exausto:

Se Deus está do nosso lado
Ele deterá a próxima guerra.

Essas guerras recentes, sobretudo em torno do Iraque, do Afeganistão e da região, assim como as que foram contra o velho inimigo — os países “comunistas” — também são apresentadas como “cruzadas sagradas”. Vale recordar que o secretário de Defesa, Pete Hegseth, tem uma enorme tatuagem em seu torso com a Cruz de Jerusalém, símbolo das Cruzadas, e também outra em seu braço que diz Deus Vult, um lema das Cruzadas. Em seu livro American Crusade (Cruzada Americana), publicado em 2020, Hegseth apresenta o mundo islâmico como inimigo histórico dos Estados Unidos e propõe uma “cruzada americana” contra esse mundo, assim como contra os inimigos de Israel — incluindo inimigos internos nos Estados Unidos, no capítulo intitulado “Façam as Cruzadas Grandes de Novo” (Make the Crusade Great Again).

O comandante-chefe não provém do cristianismo nacionalista, mas sabe bem que essa é uma de suas bases eleitorais chave. Também sabe que o maior grupo de lobby sionista nos Estados Unidos não é judeu, mas cristão: o Christians United for Israel, um agrupamento evangélico de direita que afirma ter 10 milhões de membros e cuja liderança se reuniu com Benjamin Netanyahu em suas visitas a Washington — esses e outros se identificam como “cristãos sionistas”. Acontece que acreditam que Jesus regressará à Terra em Israel.

E enquanto as guerras são proclamadas sagradas sob o Deus cristão, o governador do Texas, Greg Abbott, acaba de promulgar uma lei que obriga que os Dez Mandamentos sejam colocados em cada sala de aula de todas as escolas públicas do estado. Resta saber se Abbott explicou que, com esta e outras guerras, o país violou sistematicamente dois ou três desses mandamentos — por exemplo, o “não matarás”.

Mas a sinceridade não tem muito valor na política, todos sabem disso. Os Dez Mandamentos, a Bíblia de Trump e a solicitação de que Deus abençoe as guerras não escondem, no fim das contas, que este país continua sendo a maior e mais letal potência militar das últimas décadas.

“Os Estados Unidos são o país mais ilegal e mais perigoso do mundo, por várias razões”, repete Jeffrey Sachs, professor da Universidade de Columbia e analista internacional, nos últimos anos.

Mas talvez seja necessário voltar ao mestre Dylan nesta conjuntura:

Venham, mestres da guerra…
Vocês lançaram o pior dos medos
que jamais foi lançado
O medo de trazer crianças a este mundo…
Mas se há uma coisa que eu sei…
É que nem mesmo Jesus
Perdoaria o que vocês fazem.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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