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CARTAS ABERTAS DE DALTON ROSADO E CELSO LUNGARETTI À ADVOGADA GERAL DA UNIÃO.
a defesa da União, obviamente, não significa o patrocínio judicial de injustiças e, muito menos, a protelação do cumprimento de sentenças judiciais por meio de intermináveis recursos em causas cujo mérito esteja sobejamente apurado. Assim, qualquer argumento protelatório numa causa humanitária como a que abaixo nos referimos, mais não é do que a corroboração do cometimento de uma injustiça praticada pelo Estado ao tempo do regime de exceção. O Estado de Direito não deve ser consentâneo com o Estado de exceção.
Sem mais, reitero meus protestos de respeito e consideração.
Cordialmente,
em 1970, aos 19 anos de idade, tive meus direitos humanos e civis duramente atingidos pelo arbítrio que se estabelecera no País: quase morri sob torturas; meu tímpano foi estourado, o que me causou perda de audição e labirintose pelo resto da vida; e fui coagido, em circunstâncias extremas, a uma exposição negativa que me tornou alvo de estigmatização pelas décadas seguintes, colocando-me em grande desvantagem na carreira profissional e afetando meu convívio social.
Já lá se vão 47 anos que ocorreram os fatos geradores de tais lesões aos meus direitos; e, mesmo assim, continuo à espera de receber integralmente a reparação que o Estado brasileiro me concedeu, por meio de portaria do ministro da Justiça, em outubro de 2005.
Isto porque as normas da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça estabeleciam que, quando houvesse indenização retroativa a ser paga, a União deveria fazê-lo no prazo de 60 dias.
Após esperar em vão durante 15 meses, entrei com mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (0022638-94.2007.3.00.
Não obstante, a União primeiramente o ignorou de forma olímpica, depois impôs aos credores um pagamento em parcelas mensais (que deveriam ser zeradas até o último dia de 2014) altamente desvantajoso e até humilhante, pois não se tratava de uma esmola pela qual devêssemos mostrar humilde gratidão, mas sim da penitência de um Estado que se prostrou durante duas décadas a tiranos, deixando-nos entregues a carniceiros e permitindo que nossas vidas fossem feitas em frangalhos.
A grande maioria dos anistiados (muitos milhares), temendo retaliações, condescendeu. Sobraram umas poucas dezenas que insistiram em ver respeitado seu pleno direito. Eu mantive o mandado de segurança que já estava tramitando e acabei sendo mesmo extremamente retaliado: meu processo se tornaria uma história sem fim, como consequência da conduta da AGU (além, é claro, da lerdeza característica da Justiça brasileira).
Finalmente, por meio de recurso extraordinário, a AGU conseguiu que o desfecho do meu processo individual no STJ, iniciado em fevereiro/2007, fosse colocado na dependência da decisão de um processo coletivo cujos autores eram outros (2007/99245) e que tramitava paralelamente no Supremo Tribunal Federal desde junho de 2006. Isto somente serviu para alongar minha agonia, pois a decisão do STF, no final do último mês de novembro, seria também unânime… e incisiva, conforme se constata na ata:
Mas, devo enfatizar a extrema desigualdade de forças entre um cidadão que luta (como reconheceu o STF) por seu direito líquido e certo e a equipe de eminentes juristas que, a serviço da União, utilizou todo seu arsenal jurídico para protelar o desfecho mais do que óbvio; o despropósito em haver sido dada continuidade à batalha legal mesmo depois de os anistiados que concordaram com o parcelamento terem seus débitos zerados, o que caracteriza a imposição de tratamento desigual a iguais; e o próprio fato de que, em todos os procedimentos jurídicos, não tem sido levada em conta a prioridade que a Lei concede aos idosos (deveríamos ser poupados do estresse causado por duração tão excessiva de um processo, com risco até de morrermos antes de vê-lo finalizado)
Em nome do espírito de Justiça que deve também nortear a atuação da AGU e levando em conta que os encaminhamentos relatados ocorreram antes de sua ascensão a Advogada Geral, faço-lhe um apelo: tome as providências ao seu alcance para abreviar o meu sofrimento. que já durou muito mais do que deveria.
Nosso maior patrimônio, que perdura após nossa passagem pela vida, é a imagem e o exemplo que legamos aos pósteros. Tenho a esperança de que, entre omitir-se face à injustiça ou acudir um injustiçado, a Sra. tomará a decisão correta.
Respeitosamente,