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Protesto por direitos trans e contra Trump em Washington em outubro de 2018 (Foto: Ted Eytan / Flickr)

Embora minoria, população trans vira grande alvo da cruzada reacionária de Trump

Cerca de 2% da população dos EUA, a comunidade trans já havia sofrido com medidas de Trump entre 2017 e 2021, mas agora enfrenta o recrudescimento de políticas de exclusão tanto a nível estadual quanto federal
Deva Mar Escobedo
El Salto
Madri

Tradução:

Ana Corbisier

“A partir de hoje, a política oficial do Governo dos Estados Unidos será que só existem dois gêneros, masculino e feminino”. Assim falou Donald Trump, presidente dos EUA, no banho de massas que foi sua inauguração presidencial em 20 de janeiro na arena Capital One, em Washington. Durante o ato e posteriormente no Salão Oval, o mandatário assinou uma bateria de ordens executivas contra várias comunidades de minorias, entre elas o coletivo trans. As pessoas trans estão na mira de Trump e já sofreram suas políticas durante o mandato 2017-2021, mas também enfrentam uma enorme onda reacionária que desde 2020 piorou suas condições de vida mediante legislação estatal.

Em uma das ordens assinadas, Trump eliminou o terceiro ítem na documentação para o gênero não binário que estava presente em alguns Estados e obrigou que pessoas trans que estejam em lugares segmentados como prisões ou refúgios compartilhem espaço com pessoas de seu gênero indicado ao nascer. Também estabeleceu que nenhum centro médico possa usar orçamento federal para tratamentos afirmativos de gênero, como terapia hormonal ou cirurgias de reafirmação de gênero.

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Trump eliminou o terceiro item de gênero, expulsou as pessoas trans de espaços segmentados por sua identidade de gênero e proibiu o uso do orçamento federal para transições médicas

Apesar das pessoas trans serem um coletivo relativamente pequeno — as pessoas trans nos Estados Unidos somam 1,3 milhão de pessoas adultas e 300 mil entre 13 e 17 anos, segundo o Williams Institute—, o esforço legislativo contra elas por parte da administração Trump foi e será, promete o mandatário, considerável.

As pessoas trans não tiveram nenhum respiro durante o tempo em que Trump não era o inquilino da Casa Branca. O ex-presidente Joe Biden assinou alguns decretos impedindo a discriminação contra as pessoas dissidentes de gênero — já derrubados por Trump —, mas a onda reacionária veio dos Estados. Atualmente, existem 196 projetos de lei em tramitação em diferentes Estados que aspiram a reduzir os direitos LGBTIAQ+, segundo a ONG ACLU.

As pessoas trans, na mira de Trump

Em 2016, o Estado da Carolina do Norte aprovou uma lei para obrigar as pessoas trans a utilizar os banheiros de seu gênero designado ao nascer. “Há muitos problemas [com a nova lei]. Deixe como está. Houve pouquíssimas queixas da forma como está. As pessoas vão, usam o banheiro que consideram apropriado, houve pouquíssimos problemas”. Esta foi a opinião de Trump sobre a lei estatal quando lhe perguntaram sobre em abril de 2016, mas sua posição em temas trans mudou radicalmente desde então, de acordo com a onda antigênero da extrema-direita internacional.

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De acordo com a onda antigênero internacional, Trump estabelece que há dois gêneros imutáveis determinados pelas gônadas e elimina os planos de Diversidade, Equidade e Inclusão

Uma das ordens executivas que assinou no dia de sua inauguração estabelece que só existem dois gêneros, que estes são imutáveis e que são determinados ao nascer se a pessoa nasce com ovários ou espermatozoides. O decreto não faz referência ao que ocorrerá com as pessoas intersexo, cujo sexo não possa ser identificado tão facilmente mediante esta categorização.

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Além disso, a mesma ordem determina falar de sexo e não de gênero em documentos oficiais e estabelece que, em prisões federais e refúgios para pessoas sem moradia ou sobreviventes de violência sexual que estejam em alas segmentadas, as pessoas trans se agrupem com as pessoas de seu gênero designado. O texto também acrescenta que o orçamento federal não poderá pagar “serviços de transição” como tratamento hormonal ou cirurgias de reafirmação de gênero. Em campanha, o magnata foi mais longe e disse que retiraria toda a dotação federal de qualquer centro médico que ofereça estes serviços independentemente de os dólares da União irem para estes tratamentos ou para outros.

Em uma segunda ordem executiva, o presidente eliminou os planos DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) que utilizam recursos federais. Ainda que estes programas sejam utilizados, por exemplo, para fomentar o entendimento entre culturas nos centros de trabalho ou garantir ambientes estudantis mais diversos nas universidades, seus críticos afirmam que são antiestadunidenses. “DEI, ao discriminar por motivos de raça, sexo e muitos outros fatores, não só é imoral, como também ilegal”, chegou a dizer o multimilionário membro do gabinete de Trump, Elon Musk.

O magnata prometeu mão dura contra o tratamento hormonal, chegando a propor que seja proibido para todas as idades

Mais além dos fatos, Trump prometeu pôr fim à “agenda woke” nas escolas e excluir meninas trans do esporte escolar e universitário. Afirmou em várias ocasiões e não só em campanha que teria mão dura com as terapias hormonais. Ainda que na maior parte das vezes se referia ao acesso a estes serviços por parte de adolescentes, em outras comentou que proibirá o uso de hormônios para todas as idades.

Trump atacou o coletivo trans em seu mandato passado

O melhor indicador da conduta futura é a conduta passada, e em seu mandato anterior Trump não se constrangeu na hora de atacar as pessoas trans. O primeiro presidente acusado criminalmente da história dos EUA enfraqueceu a proteção a trabalhadores e estudantes trans, além de cortar o acesso à terapia hormonal e a cirurgias de reafirmação de gênero. Algumas de suas medidas foram revertidas pela administração Biden, mas voltam a entrar em vigor com o retorno de Trump ao poder.

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Aquele que foi presidente de 2017 a 2021 proibiu o ingresso das pessoas trans no exército por considerá-las doentes mentais e eliminou as proteções federais contra a discriminação. Dado o sistema descentralizado dos Estados Unidos, esta medida ficou limitada à Seguridade Social, Medicare — um precário seguro médico que o governo oferece para pessoas vulneráveis —, programas de moradia ou acesso ao emprego público federal.

Em seu mandato anterior, Trump cortou o acesso à terapia hormonal e a cirurgias de reafirmação de gênero, além de eliminar proteções contra a discriminação e publicar um guia estereotipado sobre como identificar uma mulher trans

A ponto de terminar seu mandato, Trump derrubou em 2020 um decreto de Obama que impedia a discriminação de pessoas trans nos refúgios para pessoas sem lar. A fim de detectar e expulsar as mulheres trans dos refúgios segmentados femininos, a administração Trump emitiu um guia cheio de estereótipos misóginos sobre como identificar estas pessoas por seu aspecto físico.

As ameaças aos direitos trans também chegam dos Estados

Desde 2020, a maioria dos textos legislativos que atentam contra os direitos das pessoas trans foram aprovados nos Estados. Esta é uma realidade que passou desapercebida na Espanha por estar mais distante dos focos, postos em sua maioria em Nova York e Washington, mas que afetou a comunidade trans estadunidense. Uma pesquisa calcula que 8% da população trans dos Estados Unidos mudou-se para fora de sua comunidade ou Estado para fugir da legislação anti-LGTBIAQ+, e cerca de 43% assegura pensar em fazer o mesmo.

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O bastião da destruição dos direitos trans é Ron DeSantis, o governador republicano da Flórida. O Estado ensolarado introduziu em seu corpo legal nos últimos anos medidas como a proibição de espetáculos drag — revogada pelo Tribunal Supremo — ou a retirada da custódia a progenitores que busquem tratamento afirmativo de gênero para seus filhos. Chase Strangio, advogado especializado em direitos civis que está litigando no Tribunal Superior para eliminar esta última medida, afirmou que estas normas constituem um “projeto genocida”. Segundo o jurista, a proibição de acesso a tratamentos de saúde e a possibilidade de que o Estado sequestre crianças ou adolescentes trans encaixam-se na definição de genocídio das Nações Unidas.

Há 196 projetos de lei anti-LGTBIAQ+ em tramitação em 35 Estados. Na Flórida proibiram os espetáculos drag e anunciaram que retirariam a custódia a progenitores que oferecessem a seus adolescentes tratamento hormonal. Um advogado qualifica a medida como “projeto genocida”

Atualmente, há 196 projetos de lei ante LGTBIAQ+ em diferentes fases de tramitação em 35 Estados diferentes, segundo a ONG American Civil Liberties Union (ACLU). O Texas está à frente deste ranking da vergonha com 34 possíveis futuras leis em tramitação. As iniciativas mais comuns são as relativas ao âmbito educativo: proibir a prática de esporte conforme a identidade de gênero da pessoa trans, censurar curriculum ou obrigar docentes a avisar a família caso um estudante diga ser trans na escola ou instituto.

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Depois da esfera educativa, as propostas mais frequentes são as que buscam atacar os direitos civis, como o estabelecimento da objeção de consciência religiosa ou a definição de sexo como realidade imutável e determinada pelas gônadas. Depois destas, encontram-se as restrições ao acesso à saúde, barreiras para obter documentação de acordo com a identidade ou limitações à liberdade de expressão.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Deva Mar Escobedo

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