Conteúdo da página
ToggleUma das maiores interrogações sobre o futuro governo de Alberto Fernández, presidente eleito na Argentina pela peronista Frente de Todos, está em como ele vai tratar a dívida contraída pelo governo do atual mandatário e candidato derrotado à reeleição, Mauricio Macri, com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O país que Fernández receberá de Macri possui uma dívida de US$ 283 bilhões, que representa 58% do Produto Interno Bruto do País (PIB). Com a economia global em recessão e a Argentina imersa em uma severa crise econômica, um dos principais questionamentos é como conseguir fazer o país crescer e, ao mesmo tempo, pagar tal empréstimo.
Há um consenso social na Argentina de que a dívida é impagável. Para tratar de como o novo presidente deverá conduzir a política externa argentina, a ComunicaSul/ Diálogos do Sul conversou com o sociólogo e politólogo argentino, considerado um dos maiores intelectuais latino-americanos Atílio Boron. Para ele, é inquestionável que ambas as partes precisam chegar a um acordo. E “não há dúvidas de que o fundo vai perder”.
Wikipédia
Atílio Boron
Confira a primeira parte da entrevista aqui ou assista:
O professor da Universidade de Buenos Aires (UBA) pondera que a negociação será “dura, difícil e que ambas as partes vão ter que ceder” e compara a situação com a realidade de qualquer banco em que um gerente não pode emprestar 70% do capital da instituição a uma só pessoa sob o risco de ser demitido.
A Argentina recebeu 1001% de sua cota dentro do organismo e, em 13 meses, embolsou 47% de todos os recursos da carteira do fundo.
A explicação para tal “loucura” por parte do fundo passa pela geopolítica continental. Atílio explica que foi o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quem fez a gestão do empréstimo para “consolidar um eixo Sul entre Brasil e Argentina contra a Venezuela”.
A política imposta pelo FMI à Argentina fracassou. Em seu país, garante o intelectual, a situação é diferente da que vem sendo observada no Chile porque “a resistência social é muito forte”. Aqui projetos neoliberais como as reformas do sistema previdenciário trabalhista “fracassaram”, aponta, sinalizando a falta de apoio popular às medidas ortodoxas.
Venezuela
O país caribenho não teve papel central no debate eleitoral argentino, tal como ocorreu no Brasil em 2018, quando virou um bordão dizer que “o Brasil não vai virar a Venezuela”. Talvez isso se explique pelo fato de Fernández ter demarcado muito explicitamente uma posição contra o ingerência na política dos países vizinhos em contraposição à postura de Macri.
No último debate presidencial, realizado em 13 de outubro, Fernández afirmou que os venezuelanos devem resolver seus problemas: “não quero intervir na Venezuela”, e alertou que Macri estaria “preparando uma ruptura de relações para poder intervir” no país caribenho. “Espero que nenhum soldado argentino termine em terra venezuelana”, disse, em frase muito repercutida no país.
Sobre o tema, Borón aponta que Fernández vai manter uma relação de respeito ao governo Maduro tal como os presidentes mexicano, Manuel López Obrador, e uruguaio, Tabaré Vázquez, sem apoiar “qualquer processo golpista ou intervencionista por parte dos Estados Unidos”, ao contrário, apoiando “a busca de uma solução pacífica quanto ao conflito político.
Grupo de Lima
Ainda sobre a contraposição com a política externa de Macri, em várias ocasiões, Fernández declarou desconforto com a existência do chamado Grupo de Lima, composto por Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia.
Para o sociólogo argentino, é impensável que a Argentina siga permanecendo neste fórum, que está “totalmente desprestigiado”. E agrega: no Peru, Martín Vizcarra é o sobrevivente de um grupo de seis ex-presidentes que ou morreram, ou estão presos, ou foragidos; no Chile, Piñera é um “cadáver político”; na Colômbia há um governo totalmente desprestigiado, com oito milhões de pessoas deslocadas e uma razão de “três Marielles Franco assassinadas por semana” e, acrescenta-se a estes, Juan Orlando Hernández, de Honduras, que “é outro delinquente, comprovadamente vinculado ao narcotráfico”. É um grupo sem futuro, define.
Mercosul
Por outro lado, o futuro do Mercosul (Mercado Comum do Sul, formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Venezuela — suspensa — e Uruguai) também é uma incógnita. Isso porque Jair Bolsonaro, que comanda o governo de ocupação brasileiro, declarou que, caso a esquerda vencesse, ele chamaria Paraguai e Uruguai para estudar a suspensão da Argentina do bloco, tal como ocorreu com a nação guarani em 2012, após o golpe parlamentar contra o então presidente Fernando Lugo.
A Argentina é o maior sócio comercial do Brasil na região — fica atrás apenas de China e Estados Unidos em termos globais. Questionado sobre o tema, Borón foi enfático: “Bolsonaro fala demais! Não entende o Brasil e menos ainda a problemática internacional. Se expulsar a Argentina, o que vai sobrar? Brasil, Paraguai e Uruguai”.
“Bolsonaro não tem envergadura para traçar um plano dessa envergadura”. Ainda sobre o tema, diante do impacto da crise econômica vivenciada no Brasil, ele aponta que a melhor saída não seria atacar o Mercosul.
Na verdade, o sociólogo aponta a necessidade de ampliação do bloco, por considerar que ele deveria ser ainda mais amplo, incorporando Peru, Bolívia e Peru.
*Vanessa Martina Silva é editora da Diálogos do Sul e integra o Coletivo de Comunicação Colaborativa ComunicaSul, que está cobrindo as eleições na Bolívia, Argentina e Uruguai com o apoio das seguintes entidades: Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Hora do Povo; Diálogos do Sul; SaibaMais; 6 três comunicação; Jaya Dharma Audiovisual; Fundação Perseu; Abramo; Fundação Mauricio Grabois; CTB; CUT; Adurn-Sindicato; Apeoesp; Contee; CNTE; Sinasefe-Natal; Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região; Sindsep-SP e Sinpro MG.
Veja também