A Diáspora Palestina volta a se apresentar diante dos nossos olhos – não mais pela tela da televisão*, mas na realidade concreta, com sangue e dor diária, vivida por nosso povo na Faixa de Gaza desde o início da brutal agressão israelense, em 7 de outubro de 2023. Trata-se de uma guerra de extermínio em massa que iguala – ou até supera –, em seus episódios, as cenas mais duras da série dramática, ao impor aos habitantes de Gaza todas as formas de punição coletiva: bombardeios, assassinatos, fome e deslocamento forçado sistemático, sem compaixão ou qualquer freio humanitário.
Segundo organizações internacionais como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, essa agressão constitui grave violação do direito internacional humanitário, caracterizando crimes de guerra – incluindo bombardeios indiscriminados contra áreas habitadas e ataques a instalações civis, hospitais e centros de abrigo.
A série televisiva A Diáspora Palestina, que documentou a Nakba de 1948 e a amargura do refúgio e da dispersão, expressa, em sua estrutura dramática, as origens da catástrofe palestina. A realidade em Gaza, porém, reproduz esses relatos em capítulos ainda mais amargos e brutais, com cenas que dispensam a lente de um diretor ou o texto de um roteirista. É a história de um povo arrancado de sua terra pela segunda, talvez terceira vez, sepultado sob os escombros de sua casa ou perseguido de cidade em cidade, dentro de um território sitiado, exaurido pela fome, pelas epidemias e pela insegurança total.
Relatórios do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) indicam que mais de 1,5 milhão de palestinos foram deslocados internamente desde o início da agressão, vivendo em condições humanitárias catastróficas, marcadas por extrema escassez de alimentos, água e atendimento médico.
Na série, acompanhamos a jornada do deslocamento de uma aldeia palestina para um campo de refugiados, a perda da pátria e da identidade. Em Gaza, porém, testemunhamos o deslocamento de uma casa para uma tenda, e desta para o céu aberto — com insistência em resistir, apesar de tudo. O povo palestino, que transformou a Nakba em símbolo de identidade, está agora convertendo a guerra de extermínio em Gaza em muralha de resistência, escrevendo com seu sangue uma epopeia de sobrevivência e dignidade.
Umm Fadi, deslocada do bairro de Shuja‘iyya para o campo de al-Shati, no oeste da cidade de Gaza, relata: “Saímos de casa às pressas depois que bombardearam a casa ao lado. Não levamos nada além das crianças… Dormimos três noites no chão, sob uma oliveira. Depois fomos para uma tenda sem o mínimo necessário para viver. Mas ainda estamos vivos — e isso já é um milagre por si só.”
O menino Jude, de 12 anos, originário de Jabaliya, que perdeu o pai e a irmã em um bombardeio à escola onde estavam, diz em voz baixa: “Não sei por que nos bombardearam… A gente estava brincando, e de repente tudo ficou preto… Eu não quero sair de Gaza. Quero trazer meu pai de volta.”
Esses testemunhos, e centenas de outros, são registrados todos os dias na memória viva da nação, desmentindo a narrativa israelense e provando que um povo com tamanha determinação não pode ser quebrado nem apagado do mapa. Dados da UNRWA mostram que os abrigos e campos de refugiados já não comportam a multidão de deslocados, obrigando famílias a passar as noites nas ruas ou entre escombros, sem água nem eletricidade.
O que se passa em Gaza não é apenas uma agressão militar: é uma tentativa de arrancar o ser humano palestino de sua história e de sua geografia, de destruir sua sociedade e esmagar seu espírito de resistência. É a continuação do mesmo projeto sionista retratado pela série A Diáspora Palestina, num contexto dramático – e que hoje vivenciamos sem retoques, com a câmera voltada diretamente para a realidade.
Nesse contexto, relatórios da Comissão Internacional Independente de Investigação da ONU apontam que as políticas israelenses na Cisjordânia e em Gaza revelam um padrão sistemático de deslocamento forçado e limpeza étnica, em violação flagrante às Convenções de Genebra.
A ironia é que o inimigo é o mesmo, e embora os métodos tenham evoluído, conservam a mesma mentalidade criminosa, que vê na existência palestina uma ameaça a ser eliminada. O que a ocupação não compreendeu – da Nakba até hoje – é que a diáspora não é o fim da história, mas o início da consciência e da identidade. Gaza, mesmo degolada diante dos olhos do mundo, ressurgirá sob os escombros – como os refugiados que retornaram aos seus campos levando as chaves das casas, a memória e a esperança do retorno.
É a mesma história, com rostos diferentes, em outro tempo. Mas o protagonista não mudou: é o povo palestino – com sua firmeza, seu sangue e sua memória que não morre.
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* Nota do editor: “A Diáspora Palestina” (Al-Taghrība al-Filasṭīniyya) é uma série dramática síria de 2004, dirigida por Hatem Ali e escrita por Walid Saif. Considerada uma das obras mais significativas sobre a causa palestina, a série retrata a vida de uma família rural palestina entre as décadas de 1930 e 1960, abordando eventos cruciais como o Mandato Britânico, a Revolta Árabe de 1936-1939, a Nakba de 1948 e a Naksa (Guerra dos 6 Dias) de 1967.
A série está disponível no YouTube:
Edição de texto: Alexandre Rocha