Pesquisar
Pesquisar
Jovens carregam lista com os nomes e as idades de 17.400 crianças palestinas assassinadas por Israel com a ajudo dos EUA (Foto: Palestinian Youth Movement / X)

Estudantes dos EUA desafiam Trump e bradam “Palestina livre” em universidades dos EUA

Em cerimônias de graduação por todo o país, estudantes se expressam em discursos, entoam palavras de ordem ou erguem bandeiras palestinas: “Nenhum de nós é livre até que a Palestina seja livre”

David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Washington

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Na Universidade da Califórnia, na Universidade de Chicago, em Columbia, no Oberlin College e na Universidade da Cidade de Nova York, entre muitas outras ao redor do país, o grito de “Palestina livre” e bandeiras palestinas interromperam as festividades formais de graduação, desafiando ameaças contra essas expressões por parte de administradores e até do presidente dos Estados Unidos.

Na Universidade de Columbia — cuja administração cedeu às exigências de Donald Trump de submeter seu centro de estudos do Oriente Médio à supervisão do governo, permitiu que autoridades migratórias sequestrassem dois estudantes de pós-graduação por se expressarem contra a guerra de Israel em Gaza, convidou a polícia da cidade para reprimir protestos contra o genocídio de palestinos e, como outras universidades, impôs extensas medidas de segurança e ameaçou estudantes com expulsão caso organizem protestos não autorizados — as vozes de um número significativo de formandos interromperam o grande festejo de graduação.

A presidenta (equivalente a reitora), Claire Shipman, não conseguiu oferecer seu discurso sem ser interrompida por coros de protesto contra a repressão às manifestações anti-guerra nessa prestigiosa instituição acadêmica, com centenas de estudantes entoando palavras de ordem em solidariedade aos palestinos. Veja a seguir:

Em cerimônias de graduação por todo o país, estudantes expressaram-se em discursos, entoaram palavras de ordem ou ergueram bandeiras palestinas ao passarem para receber seus diplomas.

No Brooklyn College e em outras instituições, agentes de segurança tentaram retirar faixas e bandeiras dos estudantes que subiam ao palco para receber seus diplomas. Oradores estudantis que, por mérito acadêmico ou por escolha, foram selecionados para oferecer a mensagem de sua geração aos colegas, se recusaram a obedecer às ordens de não mencionar os protestos em apoio à Palestina.

Uma dessas oradoras, Cecilia Culver, da Universidade George Washington, na capital do país — em uma cerimônia realizada próxima à Casa Branca — declarou em seu discurso que ela e seus colegas não poderiam permanecer em silêncio “enquanto observamos um genocídio sendo cometido contra os palestinos”. Acrescentou: “Não posso celebrar minha própria graduação com o coração tranquilo, sabendo quantos estudantes na Palestina foram forçados a interromper seus estudos, expulsos de seus lares e mortos apenas por permanecerem no país de seus ancestrais”.

Ela denunciou ainda que sua mensalidade é usada para financiar esse genocídio, já que os dirigentes de sua universidade continuam investindo em empresas ligadas “ao Estado de apartheid de Israel… e reprimiram qualquer um que denuncie o sangue em suas mãos”. Por isso, concluiu: “apelo à geração de 2025 para que não doe a esta universidade até que ela retire seus investimentos nessa nação genocida”. E encerrou dizendo: “nenhum de nós é livre até que a Palestina seja livre”.

Outro estudante da Universidade de Nova York também usou seu discurso para denunciar que “o genocídio em curso é apoiado política e militarmente pelos Estados Unidos, pago com nossos impostos e transmitido ao vivo para nossos celulares… Condeno a cumplicidade nesse genocídio”. Seu diploma foi retido enquanto se avaliam possíveis medidas disciplinares contra ele. O filho do presidente Trump estuda nessa mesma universidade.

Em outras instituições, os estudantes mudaram de tática após a repressão de vários acampamentos: agora realizam greves de fome. Há relatos dessas greves na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, na Universidade da Cidade de Nova York, na Universidade de Yale (onde uma greve de 10 dias foi concluída) e na Universidade de Stanford. Na Universidade de Oregon, um participante declarou: “Estamos testemunhando os palestinos sendo submetidos a uma fome em massa em Gaza, e estamos tomando toda ação possível para deter esse crime contra nossa humanidade compartilhada”, reportou o Democracy Now.

Também houve tentativas de restabelecer alguns acampamentos nas universidades Johns Hopkins, Dartmouth e Yale, entre outras, as quais foram reprimidas por forças de segurança das instituições em conjunto com as polícias locais.

Embora as ameaças de expulsão, prisão e outras ações disciplinares tenham enfraquecido e intimidado o movimento estudantil, não conseguiram sufocar as expressões de resistência e denúncia.

Em março, o presidente Donald Trump advertiu que cortaria fundos das universidades que permitissem protestos “ilegais”, ameaçou “expulsar” estudantes estadunidenses de suas universidades e deportar estudantes estrangeiros que participassem de manifestações. Nunca especificou o que seria considerado “ilegal”, e críticos reiteraram que essa atitude representa um atentado contra a liberdade de expressão garantida pela Constituição a todos no país.

Algumas dessas medidas já foram implementadas. A Casa Branca ordenou a retirada de centenas de milhões — e, no caso de Harvard, bilhões — de dólares em fundos federais, sob o argumento de que as instituições não fizeram o suficiente para modificar seus currículos e conter os protestos, os quais são classificados como “antissemitas”, apesar da ampla participação de estudantes e professores judeus que denunciam o governo de Israel.

A Universidade de Washington suspendeu 21 estudantes que participaram de um protesto em solidariedade aos palestinos há algumas semanas, algo que se repetiu em várias partes do país. Autoridades migratórias prenderam estudantes em Nova York e Boston e buscam deportá-los, enquanto o secretário de Estado, Marco Rubio, reafirmou que continuará revogando vistos de estudantes universitários estrangeiros que participarem de atos contrários à política externa dos Estados Unidos.

Nesta semana, o governo de Trump anunciou a suspensão de todas as entrevistas para novos vistos estudantis em suas embaixadas e consulados ao redor do mundo. Essa suspensão do processo, segundo o Politico, serve para avaliar a implementação de um programa que permita investigar a atividade dos candidatos nas redes sociais.

México e CIA espionaram Cuba e URSS

Em 1958, o presidente Adolfo López Mateos propôs uma colaboração entre seu governo e a CIA para espionar as embaixadas de Cuba e da URSS na Cidade do México, e sucessivos governos mexicanos continuaram com essa missão até pelo menos 1994, segundo documentos secretos da CIA recém-desclassificados nos Estados Unidos.

“A participação ativa do México nos programas de vigilância é uma das revelações mais destacadas que vieram a público graças aos documentos recém-desclassificados da CIA”, escreve a analista Claire Dorfman, do National Security Archive — organização independente que investiga relações internacionais — ao avaliar algumas das 80 mil páginas de documentos secretos divulgados este ano por ordem do presidente Donald Trump. O mandatário determinou a desclassificação de todo documento relacionado ao magnicídio de John F. Kennedy.

Tal como reportou o jornal La Jornada e a Diálogos do Sul Global este ano, os documentos — que incluem o monitoramento de Lee Harvey Oswald, acusado do assassinato, durante sua estada no México — geraram questionamentos sobre o papel do governo mexicano na espionagem estadunidense contra Cuba e a URSS, apesar da posição pública do México de neutralidade e das relações diplomáticas normais com esses dois países. Vale destacar que esses documentos oferecem apenas a versão estadunidense sobre o que o México estaria fazendo.

J.F. Kennedy | Pt. 1: documentos secretos indicam possível envolvimento da CIA

Os arquivos revelam que a CIA também realizava operações de inteligência unilaterais no México durante esse mesmo período. A espionagem foi caracterizada pela CIA como “um dos programas de coleta técnica mais extensos e caros já realizados pela agência”, relata Dorfman na análise dos documentos feita pelo Archive. Mas é o uso de intercepções de comunicação, vigilância fotográfica e agentes duplos para espionar as atividades das embaixadas de Cuba e da União Soviética no México que ocupa grande parte desses documentos, já que foi por meio dessas ações que se monitoraram as comunicações e os movimentos de Oswald na Cidade do México, poucas semanas antes do assassinato do presidente dos Estados Unidos.

As operações de inteligência conjuntas com o México “resultaram de uma aproximação feita seis anos antes pelo presidente López Mateos”, escreve um oficial da CIA em 1964, em um dos documentos. O último documento desse arquivo confirma que esse tipo de operação conjunta entre o governo mexicano e a CIA continuou até 1994. “A sede central [da CIA], a estação [da CIA no México] continua conduzindo operações de TelTap [interceptação telefônica] com o elo mexicano contra as embaixadas russa e cubana”, consta no arquivo, que, porém, alerta que o que se obtém contra os cubanos é limitado. Apesar de essa ser a última data mencionada na coleção dos documentos desclassificados, isso não significa necessariamente que a operação foi encerrada em 1994 — apenas indica que essa foi a última confirmação oficial registrada nos documentos secretos.

Vigiar esquerdistas

Como também havia informado previamente o La Jornada e a Diálogos do Sul Global, esses documentos revelam que a operação conjunta da CIA com o governo mexicano — segundo a agência — focava-se em espionar atividades de esquerdistas mexicanos, incluindo o ex-presidente Lázaro Cárdenas e o muralista David Alfaro Siqueiros, além de alguns refugiados estrangeiros como o ex-presidente guatemalteco Juan José Arévalo (pai do atual presidente daquele país), outros latino-americanos e estadunidenses no México. Uma instrução específica era infiltrar agrupamentos de jovens e recrutar estudantes em escolas-chave espalhadas pelo país.

J.F. Kennedy | Pt. 2: enquanto acompanhava assassino, CIA espionou Cuba e URSS

Outros documentos se referem a uma operação da CIA no México para recrutar de forma encoberta — ou seja, sem o conhecimento dos “recrutados” — escritores e intelectuais que, sob os auspícios de um serviço de imprensa de esquerda, elaboravam artigos que seriam distribuídos a diversos países latino-americanos, por meio dos quais a agência podia rastrear as opiniões regionais sobre o comunismo. Um documento que avalia essa operação, denominada LIANCHOR, entre dezembro de 1967 e maio de 1968, revela uma lista de alguns dos participantes involuntários — ou seja, que não estavam cientes — incluindo nomes notáveis como Ricardo Garibay, Manuel Carballido, Alicia Reyes, Francisco Zendejas, entre outros. A revista mexicana Diálogos também foi infiltrada pela CIA por meio de um agente clandestino que era um dos diretores e repassava informações sobre intelectuais “de esquerda” do México à agência.

A missão da CIA enfatizava o enfrentamento de “atividades ultranacionalistas e antiestadunidenses” no México. Também se buscava obter informações sobre as “intenções e atividades secretas do governo mexicano” nas relações internacionais, especialmente por meio da manutenção de contatos da CIA dentro do gabinete da presidência do México e da chancelaria, escreve Dorfman ao resumir os documentos.

Alguns ex-analistas e ex-funcionários de inteligência dos Estados Unidos, previamente entrevistados pelo La Jornada sobre os documentos desclassificados, advertiram que se deve proceder com cautela ao avaliar a veracidade de relatórios redigidos por agências cujo trabalho inclui o engano e a mentira como parte de suas missões.

Para ver alguns dos documentos e a análise do Archive, clique aqui.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

LEIA tAMBÉM

Indústria da guerra, Israel e violência de Estado os elos entre Gaza e a Favela do Moinho
Israel, indústria da guerra e violência de Estado: os elos entre Gaza e a Favela do Moinho
Rose Martins Imperialismo dos EUA é o grande problema do mundo
Rose Martins: Imperialismo dos EUA é o grande problema do mundo
Entre a dramaturgia e a realidade a dor e luta em Gaza na série de TV Diáspora Palestina
Entre dramaturgia e realidade: a fração da dor em Gaza retratada na série "Diáspora Palestina"
Glencore multinacional mineradora explora África do Sul para abastecer genocídio em Gaza
Glencore: multinacional mineradora explora África do Sul para abastecer genocídio em Gaza