Diz-se que a verdade é a primeira vítima de uma guerra, e esta semana se confirmou uma vez mais, como se fosse necessário. Mas ainda pior é que parece que hoje em dia quando se revela a verdade não há grande consequência para os mentirosos que, neste caso, levaram a dezenas de milhares de mortes.
Na extraordinária pesquisa do Washington Post intitulada “Em guerra contra a verdade” – que foi comparada com a publicação dos Papéis do Pentágono em 1971 – documenta-se que todos os presidentes e generais, e outros encarregados da guerra mais longa na história dos Estados Unidos enganaram o público durante 18 anos e mais.
Desde 2001, um total de mais de 775 mil soldados estadunidenses foram enviados para ao Afeganistão. Morreram 2.300 deles e 20.589 foram feridos em ação, com mais de 100 mil afegãos mortos (ninguém sabe o número preciso). Cerca de 13 mil soldados permanecem no país até hoje. Essa guerra custou, até a presente data, provavelmente, muito mais de um trilhão de dólares.
Os dois mil documentos obtidos pelo Post incluem entrevistas confidenciais realizadas pelo Escritório do Inspetor Geral especial do escritório da Reconstrução do Afeganistão (SIGAR) com mais de 400 atores chaves (a grande maioria sem revelar seus nomes) em guiar essa guerra; desde comandantes e generais a altos funcionários, assessores e diplomatas deixam claro que desde o começo essa intervenção foi um desastre disfarçado como êxito para o público nos Estados Unidos.
Um dos entrevistados, o general Douglas Lute que foi um coordenador da Casa Branca para a guerra sob os governos de Bush e Obama, comentou em 2015 que “carecíamos de um entendimento fundamental do Afeganistão – não sabíamos o que estávamos fazendo”.
Este projeto oficial dedicado a avaliar as “lições” da guerra para o governo estadunidense detalham o fracasso da doutrina da contra inteligência dos Estados Unidos aplicada no Afeganistão, as decisões arrogantes e ignorantes tomadas por políticos e militares que não entendiam em que país estavam, e a decisão constante de encobrir as derrotas e fracassos, manipulando estatísticas e informes públicos.
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Cerca de 13 mil soldados permanecem no país até hoje.
O ex-comandante das forças dos EUA e da OTAN, Dan McNeill, afirma em sua entrevista que mesmo no início da guerra em 2002, ele não podia encontrar alguém no governo que pudesse definir que marcaria uma vitória para essa guerra. Outros, como um integrantes do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, não encontrava resposta ao porque se lançou a guerra contra o Talibã em primeiro lugar, “já que foi a Al-Qaeda que atacou os Estados Unidos”.
Vale sublinhar que estes encarregados da guerra trabalharam sob governos republicanos e democratas – desde George W. Bush a Barack Obama e agora Trump.
O próprio chefe do SIGAR, John Sopko, comentou ao Post que as entrevistas nestes documentos sugerem que “se mentiu constantemente ao povo estadunidense” sobre esta guerra.
Mas ao fim da semana e quatro dias durante os quais o Post publicou sua extensa reportagem, os que enganaram este povo parece estar seguros que ninguém fará com que prestem contas. Diferentemente do terremoto político quando foram divulgados os Papéis do Pentágono e que nutriram um vital movimento contra a guerra na Vietnã, agora não se registrou nenhum tremor.
Alguns dizem que talvez seja pela distrações do impeachment ou que as guerras são percebidas como algo muito remoto. Ou talvez seja porque a mentira já é algo normal e aparentemente aceitável na vida política enquanto os veteranos militares quebrados pela experiência ficam sozinhos com a pergunta: “para que foi tudo isto?”.
A verdade é só outro dano colateral a mais das guerras.
*David Brooks é correspondente de La Jornada em Nova York
**La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
***Tradução: Beatriz Cannabrava
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