“Para aqueles que não sabem que o mundo está em chamas, não tenho nada que dizer”.
Bertolt Brecht
Às vezes, o que resgata este país são os gritos ante o silêncio oficial. Diante da cumplicidade da cúpula estadunidense com os crimes de guerra de Israel, não cessaram as grutas de denúncia nas ruas das principais cidades deste país, como nos corredores do poder na capital, exigindo um cessar-fogo imediato e consignas de “não em nosso nome”.
E dentro dessa onda de protestos, o mais comovedor são as marchas e ações encabeçadas por judeus e muçulmanos, sobretudo jovens, que recusam as justificações oficiais da guerra e desarmam essa enganadora manobra dos sionistas, desqualificando toda crítica contra Israel como um ato antissemita. De fato, uma das principais consignas dos jovens judeus e seus aliados é empregar o lema de “nunca mais” que se usa em referência ao Holocausto contra os judeus, mas estendê-lo para esclarecer que “isso significa nunca mais para todos”.
A direita estadunidense de repente está acusando os que condenam Israel como antissemitas, e não porque eles mesmos não sejam racistas – o são – mas sim para empregar contra forças progressistas. Ainda mais, atrás dessa direita está o maior e mais poderoso lobby sionista do país, os evangélicos cristãos fundamentalistas com enorme influência política, que se aliou – por ora – com o lobby sionista judeu.
Mas para esses sionistas dentro e fora do governo, como para Israel, o mais perigoso aqui é a condenação de judeus estadunidenses da barbaridade de Israel em Gaza que, abraçados com colegas árabe-estadunidenses, estão rompendo esse monopólio sionista que controlava em grande medida o debate político em torno ao Oriente Médio neste país.
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Foto: Fatih Aktas/Anadolu Agency
Jovens tem demonstrado cada vez mais insatisfação e desânimo com Biden em razão da política de apoio a Israel
Esse coro dissidente lhe está custando politicamente à cúpula política, e sobretudo ao governo de Biden, algo que nunca havia sucedido antes sobre o tema de Israel. Pesquisas estão registrando que os jovens especificam em particular sua oposição à política para Israel e Palestina ao manifestar um crescente desânimo com Biden; nem falar do voto árabe-estadunidense. Alguns políticos tiveram que buscar como justificar seu apoio a Israel, algo que antes não era necessário, enquanto vários estão se atrevendo, como poucas vezes antes, a criticar ao seu próprio presidente e a Israel.
“A escala do sofrimento em Gaza é inimaginável. Este cataclismo humanitário está sendo causado pelo bombardeio indiscriminado realizado com bombas e dinheiro estadunidense”, declarou o senador Bernie Sanders no fim de semana ao introduzir uma resolução que busca que Estados Unidos “reconheça sua cumplicidade”. Em uma carta a Biden, escreveu que “a destruição em Gaza é agora equivalente à de Dresden, onde dois anos de bombardeios durante a Segunda Guerra Mundial fizeram que o nome dessa cidade fosse sinônimo de destruição total”, e conclui que a ação militar do governo de Netanyahu “é imoral, viola a lei internacional e Estados Unidos deve pôr fim a nossa cumplicidade nestas ações”. Que este político progressista – e judeu – que estava titubeando até agora em apoiar um cessar-fogo imediato se veja obrigado a declarar tudo isto, manifesta o rechaço dessa política por um crescente gama de forças sociais, incluindo judeus progressistas.
Outras vozes dentro do governo estão se expressando cada vez mais. Talvez o ato mais notável tenha sido uma vigília nas grades da Casa Branca na semana passada realizada por ninguém menos que funcionários da presidência com faixas que diziam “presidente Biden; teu pessoal demanda um cessar-fogo”. Ninguém recorda algo igual.
E agora outros setores que antes não participavam no debate da política estadunidense no Oriente Médio estão se pronunciando, incluindo indígenas estadunidenses que estão vinculando a colonização da Palestina por meio do genocídio à experiência dos indígenas nos Estados.
E agora algumas organizações de imigrantes também: a Frente Indígena de Organizações Binacionais na Califórnia, apontando a “irmandade entre as comunidades indígenas e o povo palestino” em torno a experiências compartilhadas de deslocamento e despojo, se proclamaram a favor de imediato cessar-fogo, o fim do apoio estadunidense a Israel e denunciaram a ocupação ilegal da Palestina.
Esses gritos de indignação e solidariedade são parte da canção estadunidense.
David Brooks | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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