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Para Lula, a viabilidade econômica de muitos projetos com a China depende de uma melhor coordenação entre os países latino-americanos (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Evolução da parceria China-América Latina oferece futuro além do imperialismo

Com acordos firmados em áreas como tecnologia e energia, a recente reunião entre a China e a Celac reflete o fortalecimento de uma relação baseada na cooperação e no benefício mútuo

Isaura Diez Millán
Prensa Latina
Pequim

Tradução:

Ana Corbisier

Desde uma nova linha de crédito até a adesão da Colômbia à Iniciativa Cinturão e Rota (a Nova Rota da Seda), o recente fórum ministerial China-Celac demonstrou o compromisso com a cooperação Sul-Sul em um contexto internacional desafiador.

Em entrevista à Prensa Latina, o professor Pan Deng, da Universidade de Ciências Políticas e Direito da China, afirmou que a relação entre Pequim e a região latino-americana e caribenha experimentou um crescimento acelerado, e o que começou como um intercâmbio baseado em matérias-primas evoluiu para uma cooperação mais ampla e integrada.

“A China se consolidou como um dos principais parceiros comerciais de vários países latino-americanos, especialmente na América do Sul, embora as exportações da região ainda estejam centradas em produtos básicos como soja, cobre e petróleo”, acrescentou.

Segundo dados oficiais, o volume comercial entre ambas as partes superou, pela primeira vez no ano passado, os 500 bilhões de dólares.

Além disso, os investimentos chineses avançaram de setores tradicionais como mineração e infraestrutura para novas áreas estratégicas: tecnologias digitais, energias renováveis e projetos de alto valor agregado.

“Para aproveitar ao máximo essa cooperação, a América Latina deve adotar uma abordagem estratégica. Não se trata apenas de exportar matérias-primas ou de receber financiamento, mas de utilizar esses vínculos para transformar estruturalmente suas economias”, opinou Pan.

De acordo com o especialista, entre os setores prioritários que a região deve atender estão o déficit crônico em transporte, energia e conectividade digital, áreas em que a China possui experiência, tecnologia e recursos financeiros.

Ele também defendeu a diversificação produtiva e o valor agregado como forma de reduzir a dependência das exportações de produtos básicos.

O professor destacou a importância de que a região priorize o desenvolvimento da tecnologia e da inovação, campos nos quais poderia se beneficiar da China por meio de transferência tecnológica, formação acadêmica e parcerias em pesquisa.

Sobre esse ponto, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, enfatizou que a viabilidade econômica de muitos projetos depende de uma melhor coordenação entre os países latino-americanos.

O mandatário foi um dos participantes da 4ª Reunião Ministerial do Fórum China-Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), realizada em 13 de maio, e na ocasião defendeu uma agenda de desenvolvimento comum entre as duas regiões.

Lula explicou que aproximadamente 500 empresas chinesas estão ativas em diversos países latino-americanos e que os recursos provenientes de instituições financeiras do gigante asiático superam inclusive os créditos oferecidos pelo Banco Mundial.

No entanto, enfatizou a importância de articular políticas comuns e facilitar a livre circulação de bens e serviços na América Latina e no Caribe para aproveitar melhor iniciativas como a Cinturão e Rota, que promovem o desenvolvimento de rodovias, ferrovias e redes digitais.

Cinturão e Rota, pressões dos Estados Unidos

Uma das notícias que resultaram do intercâmbio ministerial Pequim-ALC foi a adesão da Colômbia à Iniciativa Cinturão e Rota, assinatura presenciada ali pelos presidentes da China, Xi Jinping, e da Colômbia, Gustavo Petro.

Bogotá se une a esse megaprojeto de infraestrutura, comércio e investimentos no ano em que ambos os países celebram o 45º aniversário de suas relações diplomáticas e em meio a um contexto internacional complexo, marcado pelo crescente protecionismo.

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De fato, o acordo entre os dois países ocorre em meio às pressões dos Estados Unidos sobre países da América Latina e do Caribe para que restrinjam seu comércio com o gigante asiático, e em um momento em que o Panamá anunciou sua retirada da ICR.

No âmbito do fórum ministerial, o presidente colombiano defendeu o aprofundamento dos vínculos e do entendimento mútuo com Pequim como parte de um diálogo entre civilizações.

Por sua vez, Xi afirmou que a China e as nações da região “implementaram mais de 200 projetos de construção de infraestrutura no âmbito da cooperação de alta qualidade da Iniciativa Cinturão e Rota, criando milhões de empregos”.

Cuba: relação baseada no direito internacional e no benefício recíproco

Em entrevista exclusiva à Prensa Latina, o chanceler de Cuba, Bruno Rodríguez, destacou a importância de Pequim como parceiro comercial e de investimentos para a região, já que essa aproximação ocorre de maneira distinta à do imperialismo estadunidense.

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“Trata-se de uma relação baseada no direito internacional, na complementariedade, no benefício recíproco, no desenvolvimento sustentável, com absoluta consideração e respeito pela nossa cultura, nossa independência”, acrescentou.

Na opinião de Rodríguez, a América Latina e o Caribe precisam diversificar suas relações internacionais e se integrar melhor ao Sul Global, enquanto o gigante asiático se consolida como um grande país e um ator internacional relevante.

“Em um momento em que, nos Estados Unidos, tenta-se reviver a Doutrina Monroe ou o Destino Manifesto, nossa região encontra na China um parceiro claro”, afirmou.

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O chanceler também destacou os resultados do Fórum China-Celac, que nasceu naturalmente em Havana, por Cuba ser um país líder na promoção dos vínculos com Pequim.

A Chancelaria chinesa afirmou que não joga jogos geopolíticos na América Latina e que sua cooperação se baseia no respeito mútuo e no benefício comum.

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Os analistas entrevistados afirmam que Washington deixou a região com “veias abertas”, em referência ao livro de Eduardo Galeano, e criticam o legado histórico das políticas estadunidenses na região, associadas ao intervencionismo e à desigualdade.

“No entanto, a realidade atual é complexa. Os Estados Unidos continuam sendo um parceiro importante para muitos países latino-americanos em aspectos econômicos, diplomáticos e culturais. O comércio bilateral, a presença migratória e as redes de cooperação são sólidas”, enfatizou o professor Pan Deng.

Segundo esse especialista em relações internacionais, a América Latina não quer ser vista como um tabuleiro de disputa entre grandes potências; por isso, muitos governos buscam manter relações pragmáticas tanto com Washington quanto com Pequim, sem depender excessivamente de nenhum dos dois.

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Também em entrevista à Prensa Latina, o acadêmico Xu Shicheng disse que a cooperação entre ambas as partes prevalecerá, apesar das ações dos Estados Unidos para enfraquecê-la, porque os vínculos bilaterais se baseiam no respeito mútuo e nos benefícios compartilhados.

Sobre as tensões comerciais entre Pequim e Washington, opinou que a guerra tarifária iniciada por Donald Trump impulsionará a diversificação das exportações chinesas para outros destinos, inclusive os países da ALC.

Plano conjunto para três anos

Durante o Fórum Ministerial China-Celac, Xi Jinping anunciou cinco programas voltados a ampliar a cooperação com a América Latina e o Caribe em infraestrutura, agricultura, energia e mineração, assim como em setores emergentes como energias limpas e inteligência artificial. O país executará ainda programas tecnológicos, incentivará suas empresas a investirem mais na América Latina e no Caribe e colocará à disposição uma linha de crédito de 66 bilhões de yuanes (mais de nove bilhões de dólares) para projetos na região.

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Serão concedidas 3.500 bolsas de estudo governamentais para capacitação técnica, 500 bolsas para professores de língua chinesa, 300 vagas para especialistas em redução da pobreza e mil cotas no programa “Ponte Chinesa” para visitas culturais.

Segundo o presidente, o gigante asiático financiará 300 projetos “pequenos, mas belos”, de alto impacto social.

Xi defendeu um caminho de desenvolvimento próprio, de acordo com as particularidades da região, rejeitou as interferências externas e destacou que práticas intimidatórias só servem para isolar os próprios praticantes.

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O embaixador do Uruguai na China, Fernando Lugris, disse à Prensa Latina que Pequim se tornou um ator fundamental em termos de financiamento e investimentos, o que gerou desenvolvimento e prosperidade nos países da região.

Ele ressaltou a importância de construir pontes de aproximação e diálogo com atores como a China, a União Europeia e outros, para apoiar o multilateralismo e preservar o sistema de comércio internacional baseado em regras — um apelo também defendido pela 4ª Reunião Ministerial do Fórum.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Isaura Diez Millán Correspondente-chefe da Prensa Latina na China.

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