“Como chegamos até aqui”? Essa é a pergunta presente direta ou indiretamente nos jornais, nos programas informativos, nos debates televisivos. Essa é a resposta que se busca nas conversas em bares, nas ruas e na sociedade argentina em geral.
Como um país com tradição na defesa dos direitos humanos, que puniu militares que cometeram crimes na ditadura militar e que tem um amplo trabalho de recuperação da memória e da verdade histórica pode ter como seu principal candidato à presidência um fascista, que nega, inclusive, a quantidade de vítimas da ditadura argentina?
É o que buscamos compreender em conversa com o ativista argentino, ganhador do Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel. Para ele, esse cenário ocorre agora porque “os fascistas que causaram todo esse estrago não desapareceram, apenas estavam escondidos e agora voltaram à superfície”.
O “estrago” a que se refere Esquivel foi provocado pela ditadura argentina, que deixou mais de 30 mil desaparecidos, sequestrou cerca de 500 bebês, desindustrializou o país e avançou rumo à neoliberalização do Estado.
Quanto à pergunta central desses dias, Esquivel considera que a Argentina tem essa conjuntura devido à “falta de políticas claras no campo da memória, que apesar de existirem, não dão conta de deter propostas que hoje estão muito nebulosas”.
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Outro fenômeno observado nessas eleições e sobre o qual muitos analistas têm se debruçado é que setores pobres da sociedade têm embarcado no canto da sereia da campanha de Javier Milei. “Justamente as vítimas das políticas ultraliberais que ele defende”, avalia.
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Foto: ComunicaSul
Políticos “se concentraram muito em políticas de conjuntura e não de médio e longo prazo”, afirma Adolfo Pérez Esquivel
Aos 91 anos de idade, Nobel da Paz lembra ter alertado, em uma de suas conferências, para que essas pessoas “não votem em seus algozes, porque votar em algozes é jogar fora os avanços e conquistas sociais do povo, como a educação pública, a saúde pública, os centros de pesquisa científica e muitos outros, que muita gente não leva em consideração, como a política de direitos humanos”.
Esquivel concedeu entrevista aos jornalistas Felipe Bianchi e Vanessa Martina-Silva neste sábado (21/10), em Buenos Aires, após participar de evento dedicado a discutir os rumos da democracia e da cidadania na Argentina e na América Latina.
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Os debates ocorreram em um local bastante simbólico: a Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), atual Espaço de Memória e Direitos Humanos, onde foram assassinadas, torturadas, estupradas, roubadas e sequestradas milhares de pessoas, mulheres e homens, adultos e crianças.
Para ele, a juventude tem de estar no centro do debate: “muitas gerações atuais, as novas gerações, não viveram a época da ditadura, então não têm essa memória”. Dessa forma, “é preciso fazer um trabalho de memória para não cair no vazio”.
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Nesse sentido, destaca que os políticos “se concentraram muito em políticas de conjuntura e não de médio e longo prazo”, que são estruturais para sabermos para onde estamos indo.
Os cidadãos e cidadãs não têm claro qual a direção a ser tomada, “para onde se está indo”. Para elucidar a questão, recorda de um ditado que diz: “se você não sabe para onde está indo, volte para saber de onde veio”.
Para ler mais conteúdos sobre a disputa eleitoral no país, confira nossa editoria especial: Eleições na Argentina.
Felipe Bianchi e Vanessa Martina-Silva | Direto de Buenos Aires (Argentina)
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