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ToggleEm 24 de maio, Noboa assumiu formalmente a chefia do Executivo para um período de quatro anos, após ter estado no cargo por 18 meses para completar o mandato de seu predecessor, Guillermo Lasso, que antecipou sua saída com a morte cruzada em 2023.
O governante foi reeleito até 2029, depois que o Conselho Nacional Eleitoral o declarou vencedor das eleições de 13 de abril, quando enfrentou Luisa González, da Revolução Cidadã (RC), que não reconheceu os resultados e denunciou a existência de uma “fraude institucional”.
O novo Equador
A posse ocorre em um país que, apenas uma década atrás, conseguiu formular coletivamente uma das constituições mais avançadas do mundo, que estabelecia o “bem viver” como horizonte civilizatório. No entanto, esse projeto, de vocação transformadora e humanista, hoje parece distante.
É o que afirma Irene León, da Rede de Intelectuais e Artistas em Defesa da Humanidade – Capítulo Equador, que, em declarações à Prensa Latina, opina que o novo mandato de Noboa começa em um contexto de retrocesso profundo.
Segundo León, as condições atuais do país são resultado direto de decisões tomadas pelo próprio presidente em seu mandato anterior, de apenas 18 meses.
O que agora se apresenta como um “novo Equador” não passa de um cenário de “caos induzido”, no qual se consolidou uma economia de guerra, se institucionalizou a violência e se reinstauraram estruturas sociais ancoradas em valores sexistas, excludentes e semifeudais.
A comunicadora e socióloga adverte para uma regressão em múltiplos aspectos: o abandono de políticas redistributivas, o enfraquecimento do aparato estatal e a concentração extrema da riqueza.
“Voltar a ser uma fazenda bananeira não é novidade no Equador”, afirma León, lamentando que o país tenha abandonado o caminho rumo a uma transformação produtiva e econômica que um dia esteve em vista.
Neste segundo mandato, León estima que se aprofundará o processo de destruição do Estado sob uma lógica anarcocapitalista, que elimina o setor público e transfere ao setor privado a gestão de serviços essenciais.
Essa transformação do Estado, afirma, contradiz não apenas os valores humanistas consagrados na Constituição de Montecristi, de 2008, como também a própria ideia de bem comum.
Entre as preocupações da analista neste início de nova etapa está a perseguição política aos opositores.
Ela denuncia que, nos últimos tempos, tem se intensificado a judicialização da política e a criminalização do progressismo, o que se traduziu em sentenças arbitrárias, exílios forçados e assassinatos com conotações políticas.
Segurança: mais militarização
As autoridades equatorianas reconheceram recentemente que o Equador é o país mais violento da região latino-americana.
Dados oficiais indicam que, nos primeiros quatro meses de 2025, o número de homicídios ultrapassou os três mil e, nesse ritmo, o ano poderá terminar como o mais violento da história nacional — até mais do que 2023, quando houve oito mil mortes violentas.
A declaração de conflito armado interno, feita por Noboa em janeiro de 2024 como forma de enfrentar o crime organizado e conter a delinquência, é, para León, o legado mais preocupante de seus primeiros 18 meses no poder.
“Sob essa medida, foram aplicadas ações de exceção permanentes, se aprofundou a militarização do país e se violaram princípios fundamentais do direito internacional”, comenta.
Ela aponta que o assalto à embaixada do México em Quito, onde se refugiava o ex-vice-presidente Jorge Glas, foi o símbolo mais visível dessa mudança de paradigma.
Nesse contexto, León também alerta para o novo pacote legislativo do governo, que busca ampliar as atribuições do Executivo sob a justificativa da luta contra o crime organizado.
Em sua leitura, a proposta de lei para supostamente acabar com as economias criminosas consiste em reformas que apontam para o esvaziamento de conteúdo da Constituição e a instalação de um estado de exceção permanente que favorece setores empresariais vinculados à economia de guerra.
“Mais militarização, mais negócios para uma oligarquia exportadora e menos garantias para o povo”, resume.
Em vez de promover emprego, educação e serviços básicos, diz León, o modelo de Noboa orienta-se para o aprofundamento do conflito armado como motor econômico.
A entrevistada adverte ainda que o Equador já foi incorporado pelos Estados Unidos às suas estratégias vinculadas ao Pacífico e à região andina.
Sobre o alinhamento de Quito com Washington, insistiu que ele responde mais a interesses geopolíticos externos do que a um projeto de desenvolvimento soberano.
Preocupação com o futuro imediato
Em termos econômicos, o Equador enfrenta um déficit estatal que no ano passado chegou a mais de três bilhões de dólares, com a pressão adicional de pagamentos mais elevados da dívida externa em 2026.
Em sua primeira fase, Noboa conseguiu um programa de crédito de quatro bilhões de dólares com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e, para pagá-lo, deverá aumentar a arrecadação tributária e reduzir aspectos polêmicos e impopulares.
Em relação ao emprego, os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INEC) indicam que mais da metade dos trabalhadores equatorianos atuam no setor informal.
Embora em suas campanhas Noboa tenha prometido melhorar essa situação, sobretudo para os mais jovens, até o momento não conseguiu fazer a diferença, e é possível que nos próximos meses impulsione alguma reforma trabalhista, como a contratação por hora, rejeitada em uma consulta popular.
Os equatorianos denunciam constantemente, nas redes sociais e também por meio de pequenas manifestações e plantões, a falta de insumos nos centros de saúde. Inclusive, meios de comunicação locais afirmam que cerca de mil pacientes renais morreram no último ano por falta de diálise.
A crise energética que provocou apagões de até 14 horas diárias durante três meses em 2024 ainda não foi superada, embora a administração assegure que os cortes não voltarão.
Mesmo com essas calamidades, Noboa conseguiu manter a confiança de parte do eleitorado — alguns reticentes quanto ao retorno da Revolução Cidadã ao poder e que acreditam que, nos próximos quatro anos, o governante, herdeiro de uma das maiores fortunas do Equador, conseguirá conter a insegurança e fazer a economia crescer. No entanto, a analista Irene León vê com preocupação o futuro imediato.
Longe de encaminhar o país para uma saída democrática, plural e sustentável, o novo mandato de Noboa, em sua opinião, promete consolidar um regime autoritário, marcado pela repressão interna, a entrega do país ao capital estrangeiro e o abandono de todo horizonte de transformação.
“Esta nova fase para o povo será de mais caos induzido, mais militarização, mais crise multifacetada e poucas perspectivas de uma reorientação socioeconômica”, afirmou León.