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Não te queixe se te violam, se te assediam, se te matam. A culpa é sempre tua…
Carolina Vásquez Araya*
Quando um líder da Igreja Católica adjudica às mulheres a culpa pela violência exercida contra ela lança uma poderosa mensagem à sociedade. O que disse o cardeal Juan Sandoval Iñiguez ao afirmar durante uma entrevista no Canal 44 do México que os feminicídios perpetrados nesse país se devem à “imprudência das mulheres” é um perigoso aval favorável àqueles que cometem essa classe de crime. Este comentário poderia assemelhar-se ao manejo noticioso de certos meios de comunicação que insistem em qualificar os feminicídios como crime passional.
O cardeal deveria conhecer a patológica anormalidade da situação de violência contra a mulher mexicana e de qualquer outra latitude. O prelado tem a obrigação de refletir a partir de uma perspectiva humana e espiritual, se é que sua mentalidade patriarcal o permite, com o objetivo de compreender que esse afã por converter a mulher na única responsável da violência a que se enfrenta não é natural nem aceitável nas relações entre pessoas de sexos diferentes.
Quando o representante de uma instituição tão poderosa e influente em nossos países como a Igreja Católica se permite emitir opinião sobre algo tão complexo e trágico como a violência criminosa contra meninas, adolescentes e mulheres compromete de fato a legitimidade de sua investidura. O cardeal Sandoval Iñiguez emite uma sentença de culpabilidade contra todo um setor majoritário da sociedade ao misturar conceitos atávicos e consignas moralistas, com o que termina por justificar os perpetradores como se seu comportamento fosse parte de uma masculinidade normal e permitida na sociedade e, de passagem, culpando as suas vítimas sublinhando assim os parâmetros sociais de discriminação.
O papel das instituições religiosas deveria passar por uma revisão e atualização urgentes para colocar-se a par de outras instâncias enfocadas na promoção da igualdade, no respeito pelos direitos humanos da população mais afetada pela violência, pela injustiça e pela pobreza. Deixar de pregar das alturas de suas privilegiadas posição para descer à terra e colocar-se ao lado de seus seguidores. Compreender, por fim, quais são motivos profundos da violência de gênero e contribuir para erradicá-los, porque entre seus fiéis também há homens convencidos de seu direito de exercer a violência em casa contra sua família, há violadores, pederastas, criminosos sexuais e assassinos.
Como líderes espirituais, deveriam ser os primeiros a exigir a implementação de programas completos e bem elaborados para estender a todos os setores da sociedade a educação sexual desde a infância, garantir à população feminina o acesso a uma educação de qualidade e romper os paradigmas de exclusão e discriminação de gênero que costumam marcar as relações nos âmbitos familiar, de trabalho e social. Desde os seus púlpitos, uma mensagem de solidariedade, empatia e justiça sem vieses sexistas representaria uma guinada de grande impacto para nossas sociedades tocadas pela tragédia feminina.
Para as mulheres, a condenação implícita no comentário do cardeal é uma carga muito pesada sobre seus ombros. É tão injusta como irresponsável, sobretudo quando esse prelado exerce sua missão em um dos países com os maiores índices de feminicídio do mundo. Um país, além disso, onde a maioria da população é profundamente crente e necessita um guia fortemente comprometido com os direitos humanos.
O papel dos líderes espirituais é colocar-se ao lado de seus fiéis, não contra eles.
*Colaboradora de Diálogos do Sul– da Cidade da Guatemala