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ToggleCarolina Baeza nasceu em 1976 no hospital José Joaquín Aguirre, em Santiago do Chile, e disseram à sua mãe que ela havia morrido no parto; na realidade, foi mais uma vítima do roubo de crianças perpetrado durante a ditadura.
47 anos depois, pôde reencontrar seus pais biológicos e seus quatro irmãos, não por obra de um milagre, mas graças ao trabalho realizado pela Fundação Filhos e Mães do Silêncio (HMS), dedicada a apoiar as famílias afetadas por esse flagelo no Chile.
Segundo dados publicados no país, estima-se que mais de 20 mil menores chilenos foram adotados de maneira irregular, permanecendo no território nacional ou enviados ao exterior — sobretudo à Europa — durante o regime de Augusto Pinochet (1973–1990).

Nessas práticas ilegais, houve cumplicidade do Estado, de diversas instituições, como o Centro para Mães (CEMA Chile), presidido pela esposa de Pinochet, Lucía Hiriart, e de organismos judiciais que articularam uma rede para a saída em massa de crianças por interesses de controle social ou lucro.
Um estudo realizado pela HMS, baseado no relato de 273 vítimas, revelou procedimentos sistemáticos como a falsa declaração de morte ao nascer, manipulação de documentos, participação de redes de intermediários e até o uso de ameaças.
Quanto ao perfil das vítimas, a maioria era representada por mulheres, jovens, pobres e indígenas.
“Nós conseguimos mais de 350 reencontros de filhos que vivem no exterior ou aqui no Chile com seus pais biológicos”, diz Marisol Rodríguez, presidenta da fundação criada há mais de uma década.
Rodríguez deu declarações à Prensa Latina por ocasião do 5º Congresso Internacional sobre o Tráfico de Crianças, realizado no Museu da Memória e dos Direitos Humanos (MMDH) do Chile.
Este evento é importante porque é um espaço para o reencontro das famílias, mas também para a participação de autoridades, acadêmicos, especialistas e pesquisadores dessa problemática, afirmou.
A presidenta da Fundação lembra que as adoções irregulares não ocorreram apenas na nação chilena, mas também em países como Peru, Bolívia, Brasil e Guatemala. “Por isso, é importante não silenciar, e que as mães a quem tiraram seus bebês transformem essa dor em força”, destaca.
Mesa interinstitucional sobre adoções forçadas
Em 2024, o Ministério da Justiça e Direitos Humanos do Chile anunciou a criação da Mesa Interinstitucional de Trabalho sobre Adoções Forçadas ou Irregulares, com o objetivo de garantir o direito de cada pessoa de conhecer sua origem e promover a reunificação familiar.
Entre suas principais funções está servir como canal de diálogo entre entidades públicas, organizações internacionais, academia e sociedade civil, bem como gerar iniciativas que permitam enfrentar essa problemática.
Durante sua participação no Congresso, o secretário executivo da Mesa Interinstitucional, Ananías Reyes, informou que, em 2024, foram realizadas 10 sessões e vários encontros com a sociedade civil, instituições estatais e organismos internacionais.
No entanto, os avanços são poucos, pois falta uma resposta coordenada do Estado para o atendimento às vítimas, não há vias administrativas para a busca das crianças roubadas e as informações oficiais são escassas.
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A Mesa propõe que, primeiramente, o Estado reconheça a existência de adoções forçadas e que se crie uma entidade especializada encarregada da busca dos filhos por meio de mecanismos administrativos.
Marisol Rodríguez, presidenta da Fundação Filhos e Mães do Silêncio, também propõe a criação de um banco de DNA para a identificação das vítimas, apoio em saúde mental às famílias e uma comissão pela verdade, justiça e reparação.
Encontro número 293
Na página da Fundação HMS, Carolina Baeza é o caso número 293 de reencontro com as famílias facilitado por essa organização sem fins lucrativos.

“Aos 15 anos eu soube que era adotada. Minha mãe adotiva faleceu há nove anos; em 2022, entrei na Fundação e, graças ao DNA, pude encontrar meus pais biológicos”, conta à Prensa Latina. “Minha mãe tem 78 anos e meu pai 82; além disso, tenho quatro irmãos”, diz.
Sobre o reencontro, Carolina descreve que foi de muito choro e dor, porque eles já não a procuravam, pois pensavam que ela, filha mais nova, havia morrido no parto. “Minha mãe rezava por mim. Eu era como a estrela que a iluminava do céu; nunca esqueceram o dia em que nasci”, afirma.
Em sua conversa com a Prensa Latina, a chilena relata que já se passaram dois anos e, aos poucos, têm conseguido construir laços. Têm a sorte de também viverem em Santiago, então ela pode vê-los com frequência. “Rimos, choramos. Sou muito grata pelo trabalho da fundação, mas ainda falta muita ajuda”, declara.
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Carolina considera necessário que o governo faça mais, porque muitas mães estão morrendo sem saber o paradeiro de seus filhos. “É uma dor muito grande, porque quando você carrega seu bebê por nove meses na barriga e ainda o ouve chorar, isso nunca se esquece”, diz.
Outro caso, relatado à Prensa Latina durante um congresso realizado em 2024 no MMDH, é o de Sara Emilia Díaz. Em 1974, quando deu à luz no hospital Barros Luco, não a deixaram ver o bebê. Sedaram-na para que dormisse e, no dia seguinte, disseram que a criança havia morrido e que seria deixada para estudo.
“Eu tinha 16 anos naquela época, a ditadura (1973–1990) estava apenas começando, então não tínhamos direito de reclamar, e da última vez que voltei me disseram que, se insistisse, ia me dar mal”, recorda.
Projeto de lei avança no Congresso
O deputado Boris Barrera, que vem acompanhando há vários anos o trabalho da Fundação Filhos e Mães do Silêncio, assinala que, junto com agrupações sociais, estão levando adiante no Parlamento o projeto da Lei sobre a Identidade de Origem.
A norma consiste na faculdade de toda pessoa conhecer o conjunto de dados biológicos, de filiação e familiares que tornam possível a constituição da própria identidade.
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“Seu objetivo é, principalmente, facilitar a busca por entes queridos, porque atualmente, quando alguém tenta fazer algo, há muitos obstáculos no caminho: informações confidenciais, coisas que não podem ser solicitadas”, explica Barrera à Prensa Latina.
Ele acrescenta que essa norma é muito importante porque permite dar visibilidade ao drama vivido pelas mães. “É uma tragédia. Houve no Chile violações dos direitos humanos que se concentraram principalmente durante a ditadura”, afirma.
O legislador acrescenta que há uma dívida com as crianças e suas famílias, crimes que não prescreveram, pessoas desaparecidas, e é preciso buscar justiça porque, se não, isso pode voltar a acontecer. E o que se espera é que essas violações de direitos humanos nunca mais se repitam.
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