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"Partido Democrata está dominado pela classe multimilionária", afirma Bernie Sanders (Arte: Diálogos do Sul Global)

Fim dos Democratas? Partido lava as mãos, se subordina a Trump e deixa eleitores à deriva

Cúpula democrata guarda silêncio diante dos ataques de Trump a direitos sociais, enfraquecendo a já fraca manchada popularidade do partido; pode ser a hora de construir uma nova oposição
David Brooks, Jim Cason
Diálogos do Sul Global
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Líderes e legisladores do Partido Democrata enfrentaram a ira de suas bases nesta semana ao retornarem a seus distritos, com eleitores exigindo que cumpram seu papel de oposição, pedindo a destituição da cúpula do partido e questionando seus representantes eleitos sobre sua, até agora, fraca e ineficaz oposição às políticas do presidente Donald Trump.

Diante do ataque à burocracia federal, aos programas de assistência para os pobres, às escolas, à saúde pública e à repressão contra aqueles que ousam protestar e se manifestar, a liderança do Partido Democrata se destaca por seu silêncio e subordinação. De fato, parecem seguir a recomendação do lendário estrategista da legenda, James Carville: “Dê a volta e faça de conta que está morto” – ideia que parte da suposição de que Trump e seus aliados acabarão por se autodestruir. No entanto, alguns legisladores de destaque, como o senador socialista democrático Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, rejeitam essa estratégia.

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Nos fóruns públicos realizados por legisladores em seus distritos nesta semana, grande parte da indignação das bases democratas se dirigiu contra o líder da minoria democrata no Senado, Charles Schumer, e outros nove senadores do partido que votaram a favor do projeto de lei republicano que cortou US$ 13 bilhões de programas de alimentação, saúde e transporte para os mais pobres, ao mesmo tempo em que aumentou os gastos militares e permitiu que Trump seguisse reduzindo despesas federais e desmontando setores do governo. “Vocês não estão lutando!”, gritou uma mulher democrata a dois legisladores em um fórum no estado de Washington. “Estamos sofrendo!”, acrescentou.

Eleitores democratas expressam sua rejeição não apenas às ações de Trump, mas também ao fracasso de seus representantes eleitos em responder com mais firmeza e eficácia – algo que aparentemente surpreendeu os legisladores democratas, segundo reportagem do Politico.

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Em Maryland, por exemplo, uma funcionária federal recém-demitida confrontou sua representante dizendo: “Não me fale dos tribunais, nem da próxima eleição… Eu vim aqui para saber o que o meu deputado está fazendo diante da ofensiva de Trump”.

Em fóruns realizados no Arizona, Oregon, Vermont e outros estados, uma constante foi a exigência de que os democratas destituam o senador Schumer da liderança da bancada no Senado – posto que faz dele o democrata mais poderoso em Washington – e coloquem em seu lugar alguém “com vontade de lutar”.

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Justificativa democrata

Desde sua decisão tática de apoiar e, assim, garantir a aprovação do orçamento republicano, Schumer tem tentado justificar sua posição. Explicou que, sendo minoria em ambas as câmaras do Congresso, os democratas não podem barrar todas as medidas e que ainda discutem quando e como tentar conter a ofensiva política de Trump e do Partido Republicano.

Em entrevista, Schumer afirmou que continua tentando dialogar com seus colegas republicanos, mas que seria preciso esperar que a taxa de aprovação de Trump caísse dos atuais 48% para 40% para que houvesse margem para negociação. Acrescentou, em entrevista ao The New York Times, que mantém conversas com senadores republicanos até mesmo na academia: “Quando você está em uma bicicleta ergométrica, de shorts, pedalando ao lado de um republicano, muitas das inibições desaparecem”. A declaração não passou despercebida por humoristas.

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Mais do que isso, a hesitação, as respostas mornas e as justificativas da cúpula democrata diante de Trump e do Partido Republicano têm tido custos políticos cada vez mais altos para a suposta oposição eleitoral. A taxa de aprovação do Partido Democrata entre os eleitores estadunidenses caiu mais de 20 pontos desde a eleição de Trump, chegando ao nível mais baixo já registrado. Segundo uma pesquisa da CNN, apenas 29% dos eleitores aprovam o partido, enquanto um levantamento da NBC News confirma essa tendência, apontando apenas 27% de aprovação.

Uma nova oposição?

Diante do estancamento do suposto partido de oposição, dissidentes progressistas democratas de projeção nacional estão encontrando apoio em diversas partes do país. Esse movimento é encabeçado pelo senador veterano e ex-candidato presidencial Bernie Sanders que, aos 83 anos, continua sendo um dos políticos mais populares dos Estados Unidos.

Sanders reitera que a crise não se resume apenas a Schumer, mas a toda a cúpula do partido. “O Partido Democrata está dominado pela classe multimilionária, administrado por consultores totalmente desconectados da realidade. Falta apoio das bases”, declarou em entrevista à CNN. Ele repetiu a frase provocadora que usou para diagnosticar a última derrota eleitoral: “Não deveria surpreender que um Partido Democrata que abandonou a classe trabalhadora se encontre agora abandonado por ela”.

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Há um mês, Sanders iniciou uma turnê batizada de “Contra a Oligarquia”, em que milhares de estadunidenses lotaram arenas em diversas cidades e povoados, muitos deles em estados que votaram nos republicanos. Os comícios se concentraram no enfrentamento às políticas que beneficiam os mais ricos e nos cortes em programas de saúde, moradia, educação e outras necessidades sociais.

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Na última quarta-feira, em Tempe, Arizona, Sanders foi acompanhado por Alexandria Ocasio-Cortez.

Diante de um púlpito com o lema “Luta contra a oligarquia”, a deputada afirmou: “Vão nos rotular com todas as etiquetas e acusações para nos manter distraídos, porque a última coisa que querem é que percebamos que a verdadeira divisão neste país está entre aqueles que estão no topo, com sua ganância interminável, às custas da vida de todos os demais”.

“Não sou marxista, sou uma cidadã comum”

Ocasio-Cortez reforçou sua mensagem: “Não acredito no direito à saúde, nos direitos trabalhistas e na dignidade humana por ser marxista [como a direita tenta me rotular]. Eu acredito nisso porque fui garçonete, porque trabalhei em dois turnos para manter as luzes acesas e porque, nos meus piores dias, sei como é ser deixada para trás. Sei que não temos que viver assim”.

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A deputada federal progressista Ilhan Omar foi ainda mais incisiva em um fórum realizado nesta semana em Minnesota: “Temos gente que quer que levemos uma faca para um tiroteio e que não está disposta a enfrentar este momento”.

Nenhum desses legisladores dissidentes está chamando explicitamente, pelo nome, por uma mudança na liderança do partido. O comitê executivo da legenda, logo após a eleição de Trump, rejeitou a possibilidade de eleger alguém como Faiz Shakir – aliado de Sanders e ex-chefe de sua campanha – e optou por um político moderado.

Mesmo diante de um recado claro de suas bases e de algumas das figuras mais populares do partido pedindo por mudanças e por uma nova direção para enfrentar a ameaça da direita, a cúpula democrata parece não ter aprendido com uma derrota cujos efeitos colocam em risco o que resta da democracia nos Estados Unidos.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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