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O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro (Foto: Reprodução / Facebook)

“Fraude” e novas sanções contra Venezuela: reflexos do confronto geopolítico contemporâneo

A “crise” da Venezuela deixa evidente que os EUA se negam a reconhecer um mundo multipolar e recorrem a sanções e acusações na tentativa frustrada de reinserir Caracas em sua esfera de influência
Aram Aharonian
Estratégia.la
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

Em 28 de julho, depois que os venezuelanos foram às urnas, a cena política regional ingressou em um momento inédito. Os circuitos de incidência do poder de Washington puseram o desenlace eleitoral da Venezuela en la picota, com o mesmo estribilho que repetem desde 6 de dezembro de 1998, quando Hugo Chávez ganhou a presidência contra o direitista Henrique Salas Romer e tudo começou a mudar: “Fraude!”.

Quatro meses depois das eleições deste ano, o governo dos Estados Unidos sancionou 21 altos cargos das forças policiais da Venezuela acusando-os de “repressão” e de “roubar as eleições” presidenciais de 28 de julho. A despedida do presidente Joe Biden? O mesmo estribilho: se perdemos é porque houve fraude.

Este apego aos valores democráticos por parte de dirigentes latino-americanos não se verifica em outros casos, como no Peru, por exemplo, onde existe um governo ilegítimo e que se consolidou por meio da repressão, o que evidencia um duplo padrão. O problema da Venezuela não é escolher entre os bigodões do presidente Nicolás Maduro ou as cirurgias plásticas da autodesignada líder opositora María Corina Machado: é muitíssimo mais sério.

O reconhecimento imediato da reeleição de Maduro por parte de China, Rússia e Irã, entre outras nações, enquanto os Estados Unidos, a União Europeia e Israel davam como vencedor Edmundo González, inscreve a disputa — quer gostemos ou não — no confronto geopolítico contemporâneo. Caracas conta com esta nova relação global de forças para reorientar os fluxos econômicos associando-se ao vetor oriental, graças às importantes reservas de petróleo e ouro que possui.

Venezuela e a nova guerra fria

A “crise” da Venezuela deixa evidente que Washington se nega a reconhecer um mundo multipolar, mas o certo é que tampouco pode manter o unilateralismo que detinha devido à perda de sua influência que dá passagem a uma nova guerra fria, com a consequente repartição de territórios e influências.

A disputa pelo poder real vai além da democracia formal, indicam os defensores da Venezuela. Não há condições para o sufrágio transparente em um contexto de fustigamento imperial como o que mantém os Estados Unidos contra a Venezuela.

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Ainda há quem defenda o sistema republicano como pedra angular da civilização, ainda que o poder de decisão esteja em mãos de atores transnacionais que submetem os estados e expoliam as sociedades, fazendo caso omisso da soberania popular, principal fundamento de uma comunidade política.

Como antecedente, o presidente russo Vladimir Putin demonstrou que atrever-se a desafiar as “ordens” dos EUA e da Otan não condena a Rússia à inanição, e que apesar do isolamento comercial, de sua virtual expulsão do sistema financeiro, o país conseguiu crescer economicamente, estabelecer novas cadeias produtivas, consolidar um importante consenso interno, e até se encaminha para vencer a guerra com a Ucrânia e seus financiadores.

Custos para a Venezuela

Caracas parece avaliar que patear o tabuleiro, embora implique em custos, é negócio, mostra uma análise da revista argentina Crisis. Passado o momento crítico de máxima pressão, os incentivos para romper as regras podem ser maiores que se apegar ao status quo proposto por Washington, ainda que o risco seja muito grande.

Enquanto isso, desde aquele dezembro de 1998, a direita venezuelana, muito bem alentada e financiada pelos Estados Unidos e países da União Europeia, soube repetir o fraude, a cada quatro anos, preparando golpes ou amedrontando a população (chavista e não) com suas violentas guarimbas. Este processo deixou pelo caminho quase toda a direção de oposição.

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E para manter o status quo e poder continuar intervindo na Venezuela, os EUA e a UE boicotaram qualquer acordo que pudesse haver entre as partes, até que Washington inventou o “presidente” Juan Guaidó (reconhecido inclusive pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e vários governos de direita da região), que do exterior dedicou-se a drenar os recursos do país, apoderando-se de empresas estatais e até entregando o ouro em reserva na Inglaterra

No plano internacional, as suspeitas de uma fraude nas últimas eleições se tornaram majoritárias, graças ao bombardeio constante dos meios hegemônicos de comunicação e às interessadas e enviesadas opiniões de vários dirigentes políticos, repetidores do imaginário imposto dos Estados Unidos. E assim, boa parte dos países da região acataram não reconhecer a legitimidade do processo.

Mediadores

Outros governos, mais dignos, propuseram-se a mediar com o objetivo de impedir um desenlace violento: o Brasil de Lula, a Colômbia de Petro e o México de Obrador. Ainda que, pouco depois, viria Lula a vetar o ingresso da Venezuela no Brics, seguindo o libreto original.

O endurecimento das sanções internacionais tem custos altos para a Venezuela e atentam contra a recuperação que vinha experimentando a economia, chave para a legitimação interna do chavismo depois de uma agudíssima crise social e material, do bloqueio e da perseguição econômica e comercial contra o país, levando aos EUA milhões de migrantes, alguns dos quais regressam frente às ameaças de Donald Trump.

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Maduro contou que, em determinado momento, conversou sobre este tema com o então presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, a quem assegurou que, “mais tardar um ano após o dia em que os EUA acabarem com o bloqueio e a perseguição econômica contra a Venezuela, […] não chegará nem um migrante venezuelano aos EUA; pelo contrário, todos os que migraram devido ao bloqueio e à guerra econômica regressarão”.

Criou-se a imagem de uma Venezuela ingovernável, quando a realidade mostra que o governo mantém estabilizada a situação interna e também o controle social e político, depois das manifestações opositoras de 29 e 30 de julho: a imprensa ocidental fala de 25 mortos em “protestos espontâneos”. O presidente Nicolás Maduro falou de 2.229 detidos nestas manifestações pouco pacíficas.

Social-Democracia apoia González

Os setores social-democratas não vacilaram em atacar o governo da Venezuela, com análises sobre se poderá manter-se o projeto político depois das eleições, sobre a introdução de coordenadas bélicas no continente, e a discussão sobre o vínculo entre esquerda e democracia na etapa que começou na Venezuela, enquanto alguns países até reconheceram como “presidente eleito” o anódino Edmundo González, que preferiu passear pelos jardins espanhóis, sem contribuição alguma à política.

O oficialismo assegura que ganhou, mas não conseguiu demonstrá-lo e a oposição tampouco pode comprovar uma vitória que vinha proclamando desde semanas antes das eleições. Enquanto isso, uma terceira hipótese introduz o possível ataque cibernético ao dispositivo eleitoral, que impediu saber qual foi realmente o resultado.

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O governo fala de movimentos desestabilizadores e golpistas coordenados do exterior, com apoio de grupos criminosos internos, tal como sucedeu na Bolívia em 2019 e no Brasil em 2016. Durante anos, os Estados Unidos — e seus sempre necessários cúmplices — trataram de sair do chavismo, alentando e financiando golpes de estado, magnicídios, invasões, atentados, desestabilização econômica… Depois das eleições e da encenação da oposição, os pseudo-analistas lançam agora a ideia de um rompimento no esquema de poder interno, especialmente no Exército.

Ao coro de direitistas e de social-democratas somaram-se, também, alguns daqueles acadêmicos espanhóis “progressistas” que foram à Venezuela na época de Chávez “ensinar a fazer a revolução e a fazer política civilizadamente” e que agora, em busca de um espaço para aparecer, dizem que “a degeneração do processo causou estragos sociais.(…) A situação dos direitos humanos no interior da Venezuela é dramática”, acrescentam.

E, talvez em busca de um novo conchavo, atrevem-se a dizer que “um setor da esquerda (mundial), felizmente minoritário, se equivoca ao apoiar o madurismo, que não tem a mais mínima credibilidade interna nem externa, e que acabou com todo o apoio popular que alimentava o processo de regeneração original. A esquerda “democrática” — Boric, Petro, Lula —, sabem que, uma vez perdidas as eleições, se esfuma qualquer justificativa válida para governar”.

Realidade versus narrativas

Não importa a realidade, e sim, a imposição de narrativas, de imaginários nesta guerra de quarta e quinta geração. Será que a América Latina entra em uma nova época depois dos anos da revolução frustrada e da transição para a democracia que nunca chegou? A Venezuela vai, e já parece ser hora de respeitá-la e não tentar cortar-lhe as asas vetando seu ingresso nos Brics.

Parece que não importa trair o povo do país mais rico, extenso e povoado da América do Sul, se em troca se obtém uma efêmera presidência do G20, a partir da qual pode-se defender os interesses dos Estados Unidos vetando o ingresso nos Brics+ do país com as maiores reservas comprovadas de energia fóssil do mundo. Definitivamente, todos parecem estar mais interessados no petróleo venezuelano do que na democracia ou no futuro do povo. E isso é uma fraude intelectual.

Agora, a atenção se volta para o próximo 10 de janeiro, data em que terá lugar a posse presidencial, ato que representa um novo capítulo em uma prolongada disputa de dimensões geopolíticas, agora no marco da “nova guerra fria”.

Com um tom desafiador, o ex-candidato de oposição Edmundo González anunciou sua intenção de regressar a Caracas para assumir o cargo presidencial, como forma de manter sua figura no foco midiático mais do que expor um caminho a seguir. Sem dúvida, os Estados Unidos são o fator determinante na definição das estratégias a seguir.

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O epicentro do conflito encontra-se na disputa geopolítica entre o Estado venezuelano e Washington, que buscou durante anos reinserir a Venezuela em sua esfera de influência. Washington declarou o país uma ameaça para sua segurança e impôs sanções econômicas e financeiras que seguem vigentes.

* Reprodução autorizada citando a fonte.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Aram Aharonian

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