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Tudo indica que os cardeais deste conclave farão de tudo para decidir a eleição quanto antes (Foto: Vatican News)

Frei Betto | Gana, Brasil, Itália: o que pode influenciar a escolha do novo Papa?

Após o Papa Francisco, que se tornou o mais respeitado estadista do mundo, não será fácil encontrar um cardeal capaz de sucedê-lo à altura

Frei Betto
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Não participo de apostas e conheço bem os bastidores da Igreja Católica. Este é o sexto conclave que acompanho. Quase nunca as previsões predominantes são confirmadas. Exceto a eleição de Bento XVI, em 2005, pois o cardeal Ratzinger era o teólogo preferido de João Paulo II e ocupava altas funções no Vaticano. Bergoglio, cardeal de Buenos Aires, foi o segundo mais votado em 2005, me confidenciou um cardeal. Embora sua eleição a papa, em 2013, após a renúncia de Bento XVI, tenha surpreendido o mundo, era prevista pelo colégio cardinalício. 

O que conheço dos bastidores de conclaves me foi contado por um cardeal que participou de dois. Como ocorre desde a eleição de Paulo VI, em 1963, os cardeais dos EUA tentarão, mais uma vez, emplacar um de seus pares. Em vão. Por serem os mais ricos e arrogantes, há muita rejeição a eles entre os eleitores.

Nas bolsas de apostas, muitos investem na eleição de um africano, já que a África é, hoje, o continente onde o catolicismo mais se expande. O último pontífice africano data do século V, papa Gelásio (492-496). Ora, se a preferência dos eleitores for por alguém que dê continuidade à linha pastoral de Francisco, será difícil encontrar um africano, embora ele tenha nomeado 15 entre os 18 cardeais daquele continente. Com exceção do cardeal Peter Turkson, de Gana, os demais são moderados ou conservadores. Nem sempre Francisco promoveu arcebispos progressistas, já que levava em conta o consenso entre os bispos do país. 

Minha previsão é de que o papado voltará às mãos dos italianos, inconformados por terem perdido a preferência desde a eleição de Wojtyla. Entre os seis cardeais italianos nomeados por Francisco, cinco abraçam a mesma linha pastoral: Zuppi (Bolonha); Betori (Florença); Montenegro (Sicília); Lojudice (Montalcino); e Gambetti (vigário geral do Vaticano). 

Encaro também como azarões os cardeais Tagle, das Filipinas, 67 anos, e o inglês Timothy Radcliffe, 79 anos, meu confrade na Ordem Dominicana. Era o teólogo preferido de Francisco e assessor de vários sínodos. A alegação de ter idade avançada já não procede como outrora, porque atualmente um pontificado de 12 anos, como o de Francisco, é considerado longo, e as comunicações e meios de locomoção são bem mais rápidos.

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Os cardeais brasileiros teriam alguma chance? Acredito que não. São também prelados “do fim do mundo” como Bergoglio, mas nenhum dos oito se destaca como “papabile”. Aliás, quase tivemos um papa brasileiro. No conclave que elegeu Wojtyla, em 1978, o primeiro a obter 2/3 dos votos foi o cardeal de Fortaleza, Aloísio Lorscheider. Ao ser consultado se aceitava o pontificado, declinou alegando ter oito pontes de safena e a Igreja, que havia perdido João Paulo I, ocupante da Sé de Pedro por apenas 33 dias, não suportaria outro conclave em pouco tempo. Detalhe: o eleito, João Paulo II, faleceu em 2005; Lorscheider, em 2007. 

Protocolos do conclave

Morto o papa Francisco, o governo da Igreja passou automaticamente às mãos do Colégio dos Cardeais, segundo regras redefinidas por João Paulo II, em 1996, no documento Universi Dominici Gregis. Logo que os cardeais se reúnem em Roma, este documento é lido. Sob juramento, os prelados ficam obrigados ao sigilo. 

Com a vacância da Sé de Pedro, todos os cardeais da Cúria Romana, inclusive o Secretário de Estado, que equivale à função de primeiro-ministro, são compulsoriamente demitidos. Apenas três permanecem em suas atuais funções: o carmelengo, cardeal Kevin Joseph Farrell, responsável pela transição e eleição do novo pontífice; o penitenciário-mor, cardeal Angelo De Donatis, a quem cabe perdoar um dos pecados cuja absolvição é reservada à Santa Sé, como a quebra do sigilo da confissão; e o vigário geral da diocese de Roma, cardeal Mauro Gambetti.

Os poderes do Colégio Cardinalício na fase transitória são limitados. Não pode, por exemplo, modificar regras que regem a eleição papal, nomear novos cardeais ou tomar qualquer decisão que possa vir a constranger a autoridade do futuro pontífice.

Todo homem batizado na Igreja Católica é virtualmente candidato a papa. Se eleito, deve abandonar a família, abraçar o celibato, ser ordenado bispo (Foto: Vatican News)

A Capela Sistina é preparada para o conclave. Visitas turísticas são suspensas, para que a equipe de segurança investigue se há no recinto dispositivos eletrônicos.

São convocados à reclusão todos os cardeais presentes no Vaticano. Dos atuais 252 cardeais, 135 estão aptos a votar, se não tiverem completado 80 anos. Serão 133 eleitores. Os cardeais Antonio Cañizares, da Espanha, e Vinko Puljic, da Bósnia, não irão por motivo de saúde.

Até a eleição de Karol Wojtyła, ficavam todos alojados no Palácio Apostólico, cujas dependências são desconfortáveis para grande número de hóspedes. Os quartos precisam ser divididos por biombos e os banheiros, compartilhados. Alguns cardeais, entretanto, deverão se hospedar ali, porque a Casa Santa Marta comporta apenas 130 pessoas.

João Paulo II autorizou o investimento de 20 milhões de dólares na construção da Casa Santa Marta. No conclave, a ocupação de suas suítes e quartos individuais, com banheiros privativos, é feita por sorteio, exceto para os cardeais que exigem cuidados especiais por motivo de idade ou doença. Dali, todos se deslocarão em ônibus até a Capela Sistina.

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O início do conclave ocorre tão logo haja tempo suficiente para que todos os prelados cheguem a Roma. Em 1922, na eleição de Pio XI, cardeais da América do Norte e do Sul perderam o conclave porque os navios não atracaram a tempo. Hoje, as viagens aéreas tornam tudo mais fácil.

Uma vez trancados no Vaticano, nenhum deles pode sair, até que o novo pontífice esteja escolhido, exceto em caso de doença ou acidente com risco de vida e após consenso da maioria de seus pares.

Ingressam no conclave, junto com os cardeais, o secretário do Colégio dos Cardeais, Dom Lorenzo Baldisseri, que foi núncio no Brasil durante 9 anos (2002-2012); o mestre das liturgias papais, acompanhado por dois mestres de cerimônia e dois religiosos da sacristia papal; um assistente para o cardeal decano; uns poucos frades ou monges de diferentes idiomas, para atuar como confessores; dois médicos; e o pessoal do serviço de cozinha e limpeza, em geral freiras.

Nenhum cardeal pode levar assistente pessoal, exceto médico particular em caso de doença grave. Nada de computadores, celulares, jornais, TV, rádio, tablets ou aparelhos de gravação de som ou imagem. É mantida apenas uma linha telefônica, de uso exclusivo do carmelengo em caso de emergência.

Apenas três cardeais têm o direito a contatar seus escritórios: o penitenciário-mor; o vigário da diocese de Roma e o pároco da Basílica de São Pedro. 

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As normas da Igreja proíbem conchavos e articulações eleitorais antes do conclave. Isso remonta ao papa Félix IV (526-530), que pressionou o clero e o senado romanos a elegerem, como seu sucessor Bonifácio, seu arcediago. Os senadores promulgaram um edito vetando qualquer discussão sobre a eleição do futuro papa enquanto o atual estivesse vivo. 

A rigor, qualquer católico solteiro do sexo masculino, maior de 35 anos, é virtual candidato a papa e poderá vir a calçar as sandálias do Pescador, ainda que seja leigo. Se eleito, deverá ser imediatamente ordenado bispo, como ocorreu com João XIX (eleito em 1024) e Benedito IX (eleito em 1032).

Breve história de eleições papais

Até o século 4, os papas eram eleitos por voto dos diáconos e padres de Roma. Assim como os fiéis das dioceses votavam na escolha de seus bispos. Evitava-se envolver os demais bispos nas questões internas da Sé romana. 

Como se sabe que um bispo está ou não em comunhão com a Igreja Católica? Outrora, pesquisava-se a lista de seus antecessores, para se ter certeza de que descendia de um dos doze apóstolos de Jesus. Devido a incêndios, saques e outros imprevistos que faziam desaparecer as listas, decidiu-se que estão em comunhão com a Igreja todos os prelados que se afinam com a doutrina do bispo de Roma. 

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A eleição de papas por cardeais teve início em 1059. Cardeal vem de “cardo”, dobradiça de porta, e é título de honra que o papa tem o direito de conceder a qualquer católico, como fez João Paulo II ao estender o chapéu cardinalício a dois teólogos europeus: Yves Congar, frade dominicano francês, e o suíço Hans Urs von Balthazar, que faleceu dois dias antes de receber o barrete cardinalício. 

Desde que o imperador Constantino aliou-se à Igreja, no início do século 4, para não perder o Império Romano, os bispos passaram a ser tratados como príncipes e os papas, como reis. Durante sete séculos, os sucessores de Pedro eram quase sempre escolhidos segundo conveniências políticas de famílias nobres. Isso se reverteu no Natal de 800, quando Leão III coroou o imperador Carlos Magno. O poder espiritual sobrepujou o temporal. 

Todo homem batizado na Igreja Católica é virtualmente candidato a papa. Se eleito, deve abandonar a família, abraçar o celibato, ser ordenado bispo. Gregório Magno, eleito em 590, foi prefeito de Roma. O calendário atual é conhecido como gregoriano por tê-lo adaptado ao ciclo solar. 

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Não há limite de tempo para eleger o papa. A regra atual é que, nos primeiros 15 dias, seja eleito aquele que obtiver 2/3 mais 1 dos votos. Em seguida, basta maioria simples, metade mais 1. Há um escrutínio no primeiro dia do conclave, no qual os cardeais costumam prestar uma homenagem aos mais idosos, concentrando neles seus votos. Do 2º ao 4º dia, há quatro votações a cada 24 horas. Descansa-se no quinto dia. No sexto, há três escrutínios e, no sétimo, quatro. Novo descanso no oitavo dia, mais três votações no 9º dia e quatro no décimo. Descansa-se no 11º dia, são feitos três escrutínios no dia seguinte e mais quatro no 13º dia. Após o descanso do 14º dia, passa-se ao critério da maioria simples. 

Entre uma votação e outra, os cardeais conversam entre si, em geral divididos em grupos linguísticos, que pesam no resultado. Tudo indica que, nos primeiros escrutínios, os italianos tudo farão para recuperar o monopólio do papado. Desde 1522, houve uma sucessão de 44 papas italianos, quebrada em 1978 pela eleição do polonês Wojtyla. O fato de a África ser o continente no qual o catolicismo mais se expande atualmente pode favorecer a escolha de um africano. A prioridade que a Igreja dá à evangelização da África e da Ásia talvez se traduza na eleição de um cardeal negro ou de olhos puxados…

Tudo indica que os cardeais deste conclave farão de tudo para decidir a eleição quanto antes, para não passarem a impressão de que não estão suficientemente unidos. Mas, após um papa que se tornou o mais respeitado estadista do mundo, não será fácil encontrar um cardeal capaz de sucedê-lo à altura.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Frei Betto Escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras); “Batismo de sangue” (Rocco); e “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros 74 livros editados no Brasil, dos quais 42 também no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org. Ali os encontrará a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.

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