Os demos estadunidenses não têm confiança em seu governo, acreditam que sua forma de governo está em crise ou inclusive já não funciona, e se comprova cada vez mais que os donos do sistema não são o “povo”, mas uma cúpula de multimilionários.
Hoje, só dois de cada dez estadunidenses têm confiança de que seu governo “fará o correto” – entre os níveis mais baixos registrados desde 1958 (quando aproximadamente 75% expressava confiança) na sondagem anual do Pew Research Center. Além disso, 65% diz que os candidatos políticos buscam eleger-se para servir mais aos seus próprios interesses pessoais que os de suas comunidades.
Uma ampla gama de pesquisas ao longo deste ano confirmam a erosão da confiança pública na ordem política estadunidense, entre elas: 64% do público crê que a democracia estadunidense está em crise e em risco de fracassar (National Public Radio); só 20% expressa “muita confiança” na integridade do sistema eleitoral do país (Washington Post/ABC News); 56% diz que tem “pouca ou nenhuma confiança” de que as eleições representam a vontade do povo (CNN); 42% dos jovens creem que seu voto não tem importância (Harvard); e 58% crê que o sistema político não funciona e requer uma reforma a fundo (New York Times/Siena).
E acontece que o inimigo está dentro: 76% crê que a instabilidade política dentro do país é um perigo maior para os Estados Unidos que os adversários estrangeiros (Quinnipac University).
De fato, a confiança dos estadunidenses em 14 das principais instituições do país – incluindo os três ramos do governo federal, as igrejas, as escolas, os meios de comunicação, o sistema médico e o setor empresarial, entre outras – despencou a uma média de 27%, o nível mais baixo registrado desde 1979, segundo a pesquisa anual mais recente da Gallup. Só 7% tem plena confiança no Congresso, 23% na Presidência e 25% na Suprema Corte em 2022.
Susan Jane Golding – Flickr
“É verdade que os Estados Unidos são menos uma democracia e mais uma oligarquia do que gostaríamos de pensar", afirma o Nobel Paul Krugman
Só o setor de pequenos negócios e as forças armadas gozam de confiança por uma maioria.
Esta erosão na confiança no sistema político estadunidense está relacionada diretamente com a aplicação da política neoliberal bipartidária dos últimos 40 anos, a qual gerou a pior desigualdade econômica nos Estados Unidos em quase um século. “A crescente desigualdade de renda e riqueza não é só um assunto econômico. Toca sobre o mero fundamento da democracia estadunidense. Se os muito ricos se tornam ainda mais ricos enquanto milhões de trabalhadores continuam vendo uma redução em seu nível de vida, a fé no governo e em nossas instituições democráticas se desvanecerá e o apoio pelo autoritarismo aumentará”, adverte o senador Bernie Sanders.
Entre os fatos que ilustram isto: três multimilionários têm mais riqueza que a metade da sociedade estadunidense, e 45% da nova renda nacional equivale aos ganhos só do 1% mais rico do país. Segundo um informe oficial recente do Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), as famílias de 10% aumentaram seu controle da riqueza total nacional de 63% em 1989 a 72% em 2019, enquanto que as famílias de 50% abaixo viram reduzida sua parte de 4 a 2% da riqueza total.
Ao longo dos últimos anos, economistas como os Prêmios Nobel Joseph Stiglitz e Paul Krugman, entre outros, repetiram que esta concentração do poder econômico se expressa também em concentração do poder político, criando um sistema político corrupto sob a influência de alguns mega doadores. “É verdade que os Estados Unidos são menos uma democracia e mais uma oligarquia do que gostaríamos de pensar”, comentou recentemente Krugman, pontuando que a desigualdade tem que ser abordada tanto na questão econômica como na política.
Este é o centro do desafio que enfrentam os que lutam pela democratização da “democracia” estadunidense.
David Brooks | Correspondente do La Jornada em Nova York.
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