Pesquisar
Pesquisar
Foto: Daniel Noboa / X

Futuro narco-estado, vassalagem e repressão: o que está em jogo nas eleições do Equador?

O enfraquecimento do Estado de direito sob Moreno, Lasso e Noboa abre espaço no Equador para uma “nova oligarquia”, intimamente ligada ao tráfico de cocaína e ao crime organizado
Fundação para a Integração Latino-americana (FILA), Observatório em Comunicação e Democracia
Diálogos do Sul Global
Quito

Tradução:

Ana Corbisier

Em um país tomado pelo capital criminoso, como acontece no Equador, muitos começam a falar em um narco-estado. Todo o tecido de relações de poder, articulado ao narcotráfico e à economia criminosa, pode ser o indício de que no Equador se configura a imposição hegemônica de uma “nova” oligarquia, cada vez mais ligada à exportação de cocaína e ao crime organizado, acelerando a destruição do Estado de direito.

O Equador se prepara novamente para eleições presidenciais e legislativas, que ocorrerão neste domingo, dia 9 de fevereiro. A campanha eleitoral começou em 5 de janeiro, permitindo que os candidatos iniciassem sua propaganda nos meios de comunicação. Foram 33 dias de campanha, durante os quais os candidatos puderam expor suas propostas e planos de trabalho para buscar o voto da maior parte dos 13,73 milhões de eleitores registrados para estas eleições.

Noboa x Abad

A disputa política entre o presidente de ultradireita, Daniel Noboa, e sua vice-presidente, Verónica Abad, continua. Para sair em campanha à reeleição, Noboa emitiu decretos para encarregar Cynthia Gellibert, uma funcionária de segunda ordem na estrutura do governo equatoriano, ao cargo da Presidência. Com isso, violou a Constituição do país, conforme decidiu, na última terça-feira (4), a Corte Constitucional equatoriana.

Além disso, Noboa decretou a substituição de Abad, que havia declarado estar pronta para a sucessão. Porém, ainda em janeiro, a juíza equatoriana Nubia Vera determinou que a vice-presidenta fosse restituída ao cargo e solicitou que a presidência, o comando conjunto das Forças Armadas e outras entidades competentes fossem notificados.

Abad questionou o pedido de licença do presidente para fazer campanha, rompendo o ordenamento constitucional e democrático vigente. Noboa afirmou que era arriscado para a democracia a ascensão de Verónica Abad à Presidência, substituindo-o temporariamente, conforme prevê a Constituição atual.

Narco-estado em gestação

Em um país marcado por múltiplas violências, observam-se as pretensões de reeleição do ultradireitista Daniel Noboa, enquanto tudo indica que no Equador se consolida um narco-estado. A economia, vítima do austericídio neoliberal, cobra seu preço nos âmbitos social, produtivo, energético e até na segurança pública.

O Equador nasceu com uma economia primário-exportadora de produtos agrícolas, inicialmente o cacau e depois a banana. Esse modelo de acumulação, que articula o país ao mercado internacional, caracteriza uma situação de dependência ao longo de toda a história republicana, inclusive com a exportação de petróleo.

As tentativas de impulsionar um tímido neodesenvolvimentismo chegam ao fim com o declínio das reservas petrolíferas. Um neoliberalismo avassalador impõe-se há vários anos, abrindo caminho para o retorno da oligarquia agroexportadora, que compartilha e disputa espaço com os capitais provenientes do crime organizado, infiltrado praticamente em todas as instituições do Estado.

Quando a violência criminosa explodiu, a resposta do governo de Daniel Noboa foi declarar um conflito armado interno, com a consequente militarização da sociedade e uma crescente aproximação dos Estados Unidos, entregando uma base militar a esse país.

Noboa busca consolidar um grupo de poder de elites oligárquicas reduzido, muito próximo ao conglomerado empresarial de sua própria família ampliada, para controlar não apenas o governo, mas também os meios de comunicação e os órgãos de controle e fiscalização do Estado, em meio a uma disputa de poder entre as velhas oligarquias agroexportadoras e alguns grupos burgueses modernizadores, em um país contaminado pelas redes do narcotráfico e do crime organizado de alcance transnacional.

Duelo de oligarquias

Durante o século 20, houve algumas tentativas fracassadas de sair dessa economia, por exemplo, com a industrialização via substituição de importações, principalmente nos anos 1970. Em 1972, quando começou a exploração do petróleo amazônico – com importante intervenção do Estado –, abriu-se um padrão de dominação política diferente do tradicional, até então controlado por grupos oligárquicos ligados à economia importadora e agroexportadora.

Foi então que surgiu uma classe de poder econômico e político distinta da velha oligarquia. As elites da era petrolífera mostraram-se modernizantes; buscaram fortalecer a burguesia nacional ligada à indústria, sem que, em nenhum momento, o poder do capital bancário fosse enfraquecido ou o poder agroexportador rompido.

Não deveria surpreender se os grupos criminosos organizados conseguirem impor candidatos em todos os tipos de eleição, financiar campanhas e até alterar o tabuleiro político com atos criminosos. Ao controlar os recursos do Estado e influenciar diversos âmbitos da vida social, essa espécie de narco-oligarquia busca destruir organizações sociais, tecidos comunitários, movimentos políticos e até economias lícitas.

Não surpreende a ação de Noboa em favor de interesses mineradores transnacionais, para o que não hesitou em desrespeitar abertamente o mandato popular expresso nas consultas de Girón (2019) e Cuenca (2021), ambas na província de Azuay.

Enquanto isso, ele descumpre o mandato popular que exigiu massivamente a suspensão da atividade petrolífera no Bloco 43 ou ITT em Yasuní (2023), algo que ele apoiou quando era candidato presidencial.

As Forças Armadas, que na época do governo nacionalista militar impulsionavam o desenvolvimento do país com base na administração da bonança econômica do petróleo, hoje foram reduzidas ao papel de polícia. A violência criminosa dos últimos anos, e particularmente a transmissão ao vivo da tomada da TC Televisão em janeiro de 2024 por um grupo criminoso, gerou um trauma no inconsciente coletivo, utilizado nas estratégias de campanha eleitoral de Noboa, empenhado em aplicar políticas de securitização.

Com o enfraquecimento do Estado de direito provocado pelos governos de Lenín Moreno e Guillermo Lasso, surgem os primeiros sinais do retorno da oligarquia agroexportadora em um contexto de avanço e consolidação do narcotráfico.

Teme-se a transformação dos grupos de grandes agroexportadores em “novas” oligarquias vinculadas ao tráfico de cocaína, com capacidade de estruturar seus próprios partidos políticos e financiar campanhas eleitorais.

São oligarquias que usam a violência do crime organizado para alterar a institucionalidade eleitoral, chegando a eliminar candidatos a cargos locais e até nacionais, como foi o caso do assassinato de Fernando Villavicencio. O assassinato de funcionários estatais incômodos, como prefeitos, juízes, promotores e deputados, é uma prática típica de um narco-estado. A influência do narcodólar na economia e a ação parcial da justiça são outras de suas manifestações.

Há quem fale de um pacto colaborativo entre Noboa e os militares, consolidado na declaração de guerra interna e na militarização da sociedade. Esse acordo desmantela a frágil institucionalidade das Forças Armadas e exclui a maioria da sociedade, transformando-a em um aparato de repressão social para garantir os privilégios das oligarquias que controlam a economia e as decisões governamentais.

Em meio à contenda eleitoral, Noboa pretende reabrir as portas para bases militares estrangeiras. Diversos grupos de direita nunca aceitaram o fechamento da Base de Manta. Atualmente, com uma sociedade angustiada pela insegurança, a conjuntura parece propícia para que Noboa dê esse passo, promovendo uma reforma constitucional, já que a Carta Magna, em seu artigo 5º, proíbe bases militares estrangeiras em território equatoriano, declarado território de paz.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Fundação para a Integração Latino-americana (FILA)
Observatório em Comunicação e Democracia

LEIA tAMBÉM

Após aprofundar violência no Equador, Noboa quer arrastar Brasil e UE para “guerra”
Após aprofundar violência no Equador, Noboa quer arrastar Brasil, UE e mercenários para “guerra”
Mães da Praça de Maio Renasci do meu filho, diz Norita Cortiñas em carta póstuma inédita
Mães da Praça de Maio | "Renasci do meu filho", diz Norita Cortiñas em carta póstuma inédita
Cholera Treatment Centres Established in Haitian Capital
Mais de 5 crianças são mortas por semana sob violência de grupos armados no Haiti
Por questão de sobrevivência, Brasil precisa abandonar OEA (2)
Questão de sobrevivência: Brasil precisa abandonar OEA