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ToggleEm 7 de outubro de 2023, militantes das Brigadas Al-Qassam, braço armado do movimento palestino Hamas, lançaram um ataque contra os arredores da Faixa de Gaza, enclave palestino murado e vigiado por Israel.
Denominada de operação Dilúvio de Al-Aqsa, a incursão militar ceifou a vida de 1,2 mil israelenses. Outras 251 pessoas foram capturadas e levadas para dentro do pequeno território palestino. As imagens do ataque incendiaram paixões ao redor do mundo e, em Israel, precipitaram uma dura resposta do governo. No mesmo dia, as FDI iniciaram a operação Espadas de Ferro, com uma campanha de bombardeios contra o enclave.
Ao todo, foram mais de 70 mil toneladas de bombas disparadas contra a área de 365 km2 — cerca de um terço do tamanho da cidade do Rio de Janeiro (1,2 mil km2) —, segundo estimativas. Ademais, imagens de satélite apontam que 62% dos prédios foram atingidos ou completamente destruídos.
Paralelamente, Israel iniciou operações terrestres em 13 de outubro e uma invasão em larga escala no dia 27.
Nos 467 dias de conflito, até o estabelecimento de um acordo de cessar-fogo na quarta-feira (15), o Ministério da Saúde palestino afirma que mais de 46 mil palestinos morreram em decorrência dos ataques israelenses. Outros 110 mil ficaram feridos.
Números das fatalidades pode ser muito maior
Especialistas, contudo, alertam que o número de fatalidades pode ser muito maior, devido aos escombros que permeiam o cenário da Faixa de Gaza, impossibilitando muitos corpos de serem resgatados. Se no primeiro sábado de outubro de 2023 as imagens de militantes palestinos armados chocaram o mundo, nos dias que se seguiram foi a vez de as notícias da brutalidade israelense tomarem o lugar nas manchetes.
Nove dias após o início de sua retaliação, a Força Aérea Israelense bombardeou o Hospital Batista Al-Ahli, o maior da Faixa de Gaza, matando centenas de pessoas. Desde então, o ataque direcionado a hospitais, escolas e campos de refugiados se tornou manchete comum e Israel parou de negar sua autoria.
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“As imagens da destruição de hospitais, escolas que atualmente servem de campos de refugiados, causam muita comoção”, diz Luciana Garcia de Oliveira, mestre no Programa de Estudos Judaicos e Árabes do Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo (USP), à Sputnik Brasil.
Os próprios soldados filmam seus crimes
A rede midiática catari Al-Jazeera lançou em outubro de 2024 um documentário longa-metragem sobre os crimes de guerra cometidos por Israel. O material é composto inteiramente por filmagens produzidas pelos próprios soldados das Forças de Defesa de Israel durante sua ocupação na Faixa de Gaza.
No Brasil, o caso de Yuval Vagdani chamou atenção para esse fato. Vagdani, que veio passar as férias na cidade de Morro de São Paulo (BA), foi denunciado à Justiça brasileira pela advogada Maira Pinheiro em nome da Fundação Hind Rajab, que cataloga as atividades desses soldados nas redes sociais e tenta processá-los quando vão para o estrangeiro.
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O Judiciário brasileiro abriu um inquérito contra o militar israelense, mas Vagdani fugiu do país com ajuda da embaixada israelense. Por conta disso, o caso foi arquivado pela Polícia Federal. Shajar Goldwaser, pesquisador e membro do coletivo Vozes Judaicas por Libertação, destaca que o fato de esses soldados estarem filmando abertamente suas atrocidades revela que “eles não se sentem, de certa maneira, fazendo algo errado ou cometendo qualquer tipo de crime”.
E essa produção midiática, acrescenta o pesquisador, causa uma “sensação de desprezo” ao redor do mundo. “A mesma coisa aconteceu com aquele caso, quando os soldados americanos filmaram as torturas que eles cometiam em Guantánamo.”
“Deturpou o que é antissemitismo”
A indignação popular com as imagens do genocídio em Gaza acenderam um grande debate público sobre a forma como o conflito é noticiado pela mídia. Em outubro, Howard Jacobson, colunista da publicação britânica The Guardian, alertou que o foco midiático nas imagens de crianças palestinas mortas ecoa mitos antissemitas centenários, como o de que crianças eram utilizadas em sacrifícios de sangue, algo extremamente proibido na Torá, livro sagrado do judaísmo.
As imagens da Faixa de Gaza e das incursões violentas na Cisjordânia “geram muita revolta e proposições generalizantes”, nota Luciana Oliveira, o que acarretou a “vandalização de sinagogas e de centros culturais judaicos, ofensas verbais e até agressões físicas”, e relacionam Israel e o sionismo ao nazismo.
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Para a especialista em estudos árabes e judaicos, o fortalecimento do antissemitismo “é fruto de desinformação sobre a guerra e o conflito Israel-Palestina”. Contudo Goldwaser, do coletivo Vozes Judaicas por Libertação, afirma que o responsável por essa confusão é “o próprio Estado de Israel, que nomeia toda e qualquer crítica a Israel como antissemitismo e associa os símbolos judaicos à sua bandeira e às suas ações de limpeza étnica e genocídio.”
“Israel conseguiu deturpar o que se entende por antissemitismo. Até que ponto ele acontece, até que ponto ele não acontece e como combatê-lo.”
A ascensão da extrema-direita
De acordo com o pesquisador, para recuperar o conceito de antissemitismo é necessário removê-lo da discussão em torno do conflito na Faixa de Gaza. “Porque quem é a vítima desse genocídio é o povo palestino, e não os judeus.” “A grande maioria dos judeus”, lembra Goldwaser, “não vive em Israel, há mais judeus fora de Israel do que em Israel. E esses judeus, a priori, não deveriam ser automaticamente responsabilizados pelos crimes que Israel comete.”
Oliveira, por sua vez, afirma que até mesmo de Israel a situação não é tão preto no branco como se aparenta. Na nação hebraica cresceu a aderência de grupos de aproximação e diálogo entre os dois povos, “como é o caso do Standing Together”. “Manifestações de rua contra as ações de governo, por um cessar-fogo e pela libertação de civis têm sido cada vez mais numerosas no centro de Tel Aviv”, diz a pesquisadora.
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À Sputnik Brasil, ambos os analistas enfatizam que a extrema-direita israelense é a parcela da população mais vocal pela continuidade do genocídio palestino. Representada no governo por ministros como Itamar Ben-Gvir, da Segurança Nacional, e Bezalel Smotrich, das Finanças, o setor ultranacionalista hoje ameaça uma cisão da coalizão governamental do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em razão do acordo de cessar-fogo.
Diferentemente de ser um fenômeno típico de Israel, Luciana Oliveira argumenta que essas ideias se fazem presentes no Brasil principalmente em partidos e movimentos ligados ao bolsonarismo, como igrejas neopentecostais, que “coadunam com as ideias míticas da ‘Terra de Israel’, sem espaço de existência de palestinos”.
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“Cabe lembrar que Israel se insere dentro de um contexto mundial de ascensão da extrema-direita”, diz Goldwaser.
“E quando se pergunta quão populares são essas visões em Israel, devemos nos voltar para nosso país e pensar quão populares foram as falas homofóbicas, racistas e sexistas nos quatro anos de governo [Jair] Bolsonaro, e quanto a sociedade brasileira se calou ou não conseguiu agir para enfrentá-las.”
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