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Golpe de 1964 foi também golpe contra direito de indígenas e camponeses à terra

O que se viu ao longo dos anos foi a repressão aos movimentos do campo e o exílio de grandes apoiadores de suas causas
Mariana Franco Ramos
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

O golpe de 1964, que instaurou até 1985 a ditadura no Brasil, foi também um golpe contra o campo. A derrubada do governo João Goulart contou com a colaboração de organizações ruralistas, como a Sociedade Rural Brasileira (SRB), e impactou diretamente a vida de indígenas e camponeses, justo num momento em que trabalhadores rurais vivenciavam um processo crescente de luta pela terra e por direitos sociais.

Na mesma semana em que o Ministério da Defesa e as Forças Armadas divulgam nota chamando o regime que torturou, sequestrou, perseguiu, prendeu e matou milhares de brasileiros de “marco histórico da evolução política”, De Olho nos Ruralistas reforça seu posicionamento a favor da democracia e contra a barbárie.

O comunicado desta quinta-feira (31), véspera do golpe, é assinado pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, além do ministro da Defesa, Braga Netto. Este último é o nome mais cotado para ser vice de Bolsonaro na chapa que concorre à reeleição.

O que se viu ao longo dos anos foi a repressão aos movimentos do campo e o exílio de grandes apoiadores de suas causas

Arquivo Nacional / Correio da Manhã
Multidão se reúne na Central do Brasil para ouvir o discurso de Jango em defesa das reformas de base

No texto, os militares alegam que o golpe buscou “restabelecer a ordem” e “impedir que um regime totalitário fosse implantado”. O próprio presidente afirmou, durante cerimônia na qual oficializou a saída dos ministros que serão candidatos a cargos eletivos em outubro, que o Brasil seria uma “republiqueta” se não fossem as obras do “governo militar”.

Esse projeto expansionista e violento, que o governo genocida de Jair Bolsonaro enaltece, tirou a vida de ao menos 1.500 trabalhadores rurais e 8 mil indígenas, conforme dados da Comissão Nacional da Verdade. A guerra ideológica, econômica e política travada contra os povos do campo antes e durante o golpe é tema de uma série do De Olho na História.

O primeiro vídeo, “1964, um golpe contra o campo”, já está no ar. No próximos dias, a historiadora Luma Prado falará também sobre a Constituinte da Roça, sobre a mobilização de movimentos do campo na redemocratização e sobre o surgimento da União Democrática Ruralista (UDR), violentamente ativa durante os anos 80.

Confira aqui o vídeo, com roteiro de Luís Indriunas e apresentação da historiadora Luma Prado. Inscreva-se no canal e ative o sininho para receber as notificações:

Discurso a favor da reforma agrária irritou as elites 

“Como garantir o direito de propriedade autêntico quando, dos quinze milhões de brasileiros que trabalham a terra no Brasil, apenas dois milhões e meio são proprietários?”, questionava João Goulart, no histórico Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964.

Com forte apoio dos movimentos sociais, Jango dava andamento às reformas de base, que incluíam a reforma agrária:

— A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reivindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo.

No discurso, ainda hoje atual, o então presidente anunciava a desapropriação de várias terras à beira de estradas num prazo de dois meses. Mas, como o vídeo do observatório mostra, não deu tempo. Dezoito dias depois, os tanques invadiram as ruas e Jango seguiu para o exílio.

A ideia da reforma agrária enfurecia as oligarquias rurais brasileiras. Desde 1955, trabalhadores rurais e posseiros passaram a se organizar nas Ligas Camponesas, movimento que já foi tema do De Olho na História:

Em 1962, Leonel Brizola, principal aliado de Jango, dava passos para a distribuição de terra, ao desapropriar 20 mil hectares e distribuí-los a 10mil agricultores da região de Sarandi, noroeste do Rio Grande do Sul. O próprio presidente, um ano depois, em 1963, sancionou o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR).

O documento passou para os camponeses e trabalhadores rurais direitos antes limitados aos trabalhadores urbanos, como direito à sindicalização, aposentadoria e férias. O projeto fora apresentado ao Congresso em 1956 pelo deputado gaúcho Fernando Ferrari, do Movimento Trabalhista Renovador (MTR).

Pouco tempo depois do golpe, em novembro de 1964, foi criado o Estatuto da Terra, que tirava direitos sociais estabelecidos no ETR, porém, criava a função social da propriedade. A seguir, os militares criaram órgãos públicos, incluindo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O que se viu ao longo dos anos, contudo, foi a repressão aos movimentos do campo e o exílio de grandes apoiadores de suas causas, caso do médico Josué de Castro, autor do clássico “Geografia da Fome”.

Ruralistas apoiadores da ditadura continuam na ativa 

Entre os principais opositores a Jango e sua política agrária estava a Sociedade Rural Brasileira, organização centenária que nasceu na República Velha, por meio da política do café com leite, quando os fazendeiros de São Paulo e Minas Gerais mandavam no Brasil. A Rural permanece como um dos templos do agronegócio no país.

Com ligações políticas com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e seus parentes, ela foi a primeira organização do setor a apoiar o impeachment de Dilma Rousseff.

O substituto de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente, Joaquim Álvaro Pereira Leite, foi conselheiro da Rural por 20 anos. E o próprio Salles foi diretor jurídico da organização.

Em 1964, a SRB financiava o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes), braço ideológico de tantos projetos encampados pelos militares e cuja propaganda político-ideológica passava nos cinemas, era exibida nas fábricas e levada para o interior do país de cidade em cidade.

Um dos maiores articuladores do golpe, o embaixador do Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, não só apoiava as atividades do Ipes como conseguiu financiá-la com a ajuda do presidente John F. Kennedy. Os estadunidenses injetaram mais de US$ 2 milhões na Aliança pelo Progresso, uma articulação empresarial que financia grandes obras, e no Instituto Brasileiro de Ação Democrática, que comprava deputados para o golpe. Tiveram, assim, papel de destaque na derrubada da democracia, restaurada somente 21 anos depois.

Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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