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Montagem: Vanessa Martina-Silva

Golpe, guerra e genocídio: entenda definitivamente a diferença entre conceitos

Mais do que eventos isolados, esses três fenômenos compõem um mesmo sistema de poder; entender seus sentidos é compreender a engrenagem que move discursos, geopolítica e história contemporânea

Vanessa Martina-Silva
Diálogos do Sul Global
Paraty (RJ)

Tradução:

“Golpe”, “guerra” e “genocídio” são palavras usadas em nosso cotidiano — da mesa de bar aos debates televisivos e artigos acadêmicos. Mas o que elas realmente querem dizer? São sinônimos? Têm gravidades distintas? Há escala de terror? 

Para elucidar essas e outras questões, vamos abordar, adiante, o significado de cada um desses conceitos nos âmbitos político, jurídico e ético com o objetivo de mostrar como o poder se exerce e se legitima por meio desses instrumentos políticos e observar como se manifestam hoje: nos golpes parlamentares, nas guerras híbridas e nos genocídios televisionados.

Tomamos como referência o Dicionário de Política (Editora UnB, 11ª ed.), de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino para trabalhar esses conceitos. 

Golpe: o poder tomado por dentro

O cientista político Carlos Barbé define Golpe de Estado como ato praticado por órgãos do próprio Estado que, por meios ilegais ou excepcionais, derrubam um governo legítimo. Em outras palavras: há uma ruptura da legalidade constitucional por quem deveria protegê-la.

Voltando na história, nos séculos 17 e 18, o termo francês coup d’État designava decisões súbitas dos soberanos em nome da “razão de Estado”, ou seja, medidas excepcionais tomadas com o objetivo de proteger o próprio Estado. Com a limitação do poder monárquico e a afirmação de direitos individuais, o termo passa a indicar a violação deliberada das formas legais por quem já detém autoridade. 

Barbé observa que o elemento central: a força do golpe é endógena. Diferente da revolução — que mobiliza a sociedade para criar uma nova ordem —, o golpe preserva a estrutura de poder e apenas substitui seus dirigentes. 

América Latina: manual do golpe e laboratório autoritário

Na América Latina dos anos 1960–70, o agente do Estado responsável pelos golpes de Estado foi o Exército. Instala-se o regime “burocrático-autoritário”: alto oficialato com frações empresariais, parcelas do Judiciário e da grande mídia rompe a Constituição e se apresenta como “salvador da pátria”.

O roteiro se repete: tomada de palácios e meios de comunicação; prisões de lideranças; fechamento ou esvaziamento do Congresso; atos de exceção; cassações e intervenções em sindicatos, universidades e governos locais. A política vira “gestão”: militares e tecnocratas prometem eficiência e segurança enquanto suspendem direitos e instalam tribunais de exceção. 

A ideologia que arma essa engrenagem é a Doutrina de Segurança Nacional: a Guerra Fria convertida em “guerra interna” permanente, com o “inimigo” transformado em estudante, sindicalista, camponês, artista, jornalista, padre de base — qualquer dissenso. Daí decorre o terror de Estado: vigilância, tortura, desaparecimentos, exílios e redes clandestinas de repressão. A partir da segunda metade da década, a cooperação repressiva se institucionaliza na Operação Condor, plataforma transnacional de sequestros e assassinatos políticos no Cone Sul. 

Exemplos-símbolo mostram o padrão: Brasil (1964) — ditadura longa, AI-5 e censura; Chile (1973) — o laboratório autoritário encontra o laboratório neoliberal; Uruguai (1973) — autogolpe e vigilância capilar; Argentina (1976) — repressão e reordenação produtiva levadas ao limite. Em todos, a mídia hegemônica atua como quartel-general narrativo, legitimando a ruptura e criminalizando a sociedade organizada. 

O “interno” que depende do externo

Embora Barbé defina o golpe como ação interna do Estado, a experiência latino-americana expõe interferência externa decisiva, no caso dos Estados Unidos, que instrumentaliza forças internas para derrubar governos considerados indesejados. 

No Chile, por exemplo, documentos e depoimentos reunidos no e-book Chile: Anatomia de um Golpe (DSG) mostram como a participação dos EUA foi sistemática e multicanal: direção política do ex-presidente estadunidense Richard Nixon (1969–1974) e seu ex-conselheiro de Segurança Nacional, Henry Kissinger, que autorizaram operações para impedir a posse de Salvador Allende (1970–73) e, depois, para desestabilizar seu governo. 

Além disso, o governo estadunidense promoveu operações secretas da CIA (financiamento a partidos e lideranças golpistas; suporte logístico e de inteligência); guerra econômica (greves estimuladas, pressão de empresas e bancos dos EUA); e guerra informacional (recursos a veículos como El Mercurio para produzir pânico moral e “caos” econômico). 

A engrenagem inclui coordenação castrense, exercícios navais, narrativa midiática e blindagem diplomática. Em síntese: os EUA planejam, financiam e protegem a derrubada de Allende, caso exemplar de como a intervenção externa nutre um golpe que, tecnicamente, se realiza “por dentro”. 

Século 21: da farda à toga, da caserna ao algoritmo

No século 21, o modelo mais comum de golpe de Estado troca a farda pela toga — e pela manipulação algorítmica. Em vez de tanque na rua, ocupa-se o ecossistema de informação e os nós institucionais: investigações seletivas, vazamentos cronometrados, moralismo punitivista, tribunais midiáticos e interpretações criativas da lei para inabilitar lideranças, corroer maiorias e reverter as urnas por dentro. 

É o lawfare — guerra jurídica apoiada por plataformas digitais, big data e pressão financeira (sanções de mercado, ratings, fundos) — combinada a impeachments “técnicos”, ativismo judicial e máquinas de opinião que legitimam a exceção. 

O roteiro é híbrido: parlamentar-midiático-judicial, com selo de “Estado de Direito” e efeito de regime de exceção em fatias. Na América Latina, essa atualização preserva o velho objetivo: remodelar o Estado e a economia sem tanques, quebrar a organização popular e reencaixar a região na hierarquia do capital global.

Guerra: a política em seu grau extremo

O cientista político Fulvio Attinà aponta que a geopolítica moderna nasce do esforço de relacionar o comportamento político dos Estados ao espaço físico. Autores clássicos da geopolítica — Friedrich Ratzel, Rudolf Kjellén, Halford Mackinder e Nicholas Spykman — indicam que a guerra é concebida como instrumento de expansão territorial e de reorganização da ordem mundial. 

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Para entender a guerra (e distingui-la de golpe e genocídio) no giro do império europeu ao estadunidense, vale um mapa das principais teorias e de como elas se encaixam na nova ordem. 

Guerra como política (Clausewitz)

A ideia-chave é simples e poderosa: a guerra é a política por outros meios. Depois de 1945, os Estados Unidos ampliam esses “meios” para além das armas e os organizam em três camadas que operam juntas. 

  • Dinheiro que decide (FMI/Banco Mundial). Quem controla o crédito e a moeda de referência define as condições do jogo. Condicionalidades (reformas, cortes, abertura) funcionam como pressão sem tiro: países aceitam para ter recursos. É poder coercitivo financeiro. 
  • Regras que enquadram (GATT/OMC). Normas do comércio internacional premiam comportamentos e punem desvios. Tarifas, sanções e disputas na Organização Mundial do Comércio (OMC) disciplinam economias. É poder jurídico-institucional que substitui (ou prepara) o conflito aberto. 
  • Força que garante (Organização do Tratado do Atlântico Norte — Otan). Quando dinheiro e regras não bastam, entra o braço armado: bases, alianças, dissuasão e, em último caso, uso da força. É o respaldo militar da ordem.

Didaticamente: o crédito pressiona, as regras enquadram, a força garante. Os três juntos permitem alcançar objetivos políticos às vezes sem guerra (só com finanças e normas), às vezes com guerra (quando o resto falha). Este é Clausewitz no século 21: a política usa um continuum de instrumentos — do banco ao tratado, do tribunal à tropa. 

Guerra total × guerra limitada

Depois das duas guerras mundiais, se consolida a distinção entre guerra total e guerra limitada. 

Na guerra total, todo o Estado e a sociedade se mobilizam — economia, indústria, ciência, mídia e civis —, desaparece a linha entre frente e retaguarda e os objetivos deixam de ser “calibrados”: busca-se aniquilar a capacidade de luta do inimigo, inclusive por meio da destruição de infraestrutura civil, bloqueios e rendição incondicional (ex.: Segunda Guerra Mundial, 1939–1945). 

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Já a guerra limitada, típica da Guerra Fria, ocorre quando as potências restringem objetivos, meios e alcance para evitar confronto direto entre Estados Unidos e União Soviética (URSS) — sobretudo o uso de armas nucleares. 

Exemplo: a Guerra da Coreia (1950–1953) busca conter e restaurar uma linha de separação (paralelo 38), sem atacar diretamente China ou URSS. A Guerra do Vietnã (1955–1975; envolvimento direto dos EUA, 1965–1973) tem como objetivo conter a expansão comunista, com regras de engajamento e alvos geográficos limitados para evitar escalada nuclear e guerra entre superpotências. 

Guerras de libertação nacional

Nas guerras de libertação nacional, povos colonizados enfrentam metrópoles e regimes de ocupação para recuperar soberania e território. A literatura clássica descreve esse processo como guerra popular prolongada, em que a política comanda a militarização, o território vira espaço social de mobilização e o objetivo estratégico é expulsar o poder colonial e refundar o Estado. 

Entre os autores de referência estão Frantz Fanon (Os condenados da terra), que analisa a violência como ruptura da “ordem” colonial; Amílcar Cabral (discursos e textos do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde — PAIGC), que enfatiza cultura, organização e “desertificação do colonialismo”; Mao Zedong (teoria da guerra popular), que sistematiza fases e logística da insurreição; e Võ Nguyên Giáp (estratégia vietnamita), que detalha a passagem da guerrilha à guerra de movimento. Na chave latino-americana, somam-se Che Guevara (foco guerrilheiro) e Régis Debray (debate estratégico), enquanto a crítica ao imperialismo em Vladimir Lênin e J. A. Hobson oferece moldura econômica e política do fenômeno. 

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Exemplos que ilustram o padrão: a Argélia do Front de Libération Nationale (FLN) contra a França (1954–1962); Guiné-Bissau/Cabo Verde sob o PAIGC (1963–1974); Angola com o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA 1961–1975) e Moçambique com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo 1964–1974) contra Portugal; o Quênia no levante Mau Mau (1952–1960); o Vietnã com o Viet Minh e, depois, a Frente de Libertação Nacional na luta contra França e EUA (1946–1975); e a Palestina, onde a resistência associa dimensões nacional, antirracista e anticolonial. Em todos, a insurgência combina frente militar, frente política e frente diplomática (solidariedade internacional, reconhecimento, sanções às metrópoles).

Guerras por procuração

No fim do século 20, multiplicam-se as guerras por procuração: em vez de confrontos diretos entre grandes potências, Washington, Moscou e aliados regionais financiam, treinam e armam forças locais para projetar poder sem declarar guerra. Essa engenharia reduz custo político interno, terceiriza baixas, permite negar o envolvimento e mantém o conflito abaixo do limiar nuclear. 

O tabuleiro se expande por África, América Latina e Ásia: corredores de armas, campos de treinamento e redes de inteligência operam como infraestrutura transnacional do conflito. A mídia legitima facções, a ajuda humanitária é instrumentalizada como cobertura logística e sanções econômicas estrangulam governos-alvo. Ao mesmo tempo, mercenários e empresas militares privadas entram em cena, barateando operações e omitindo responsabilidades. 

Golpe, guerra e genocídio são distintos, mas se articulam. O golpe rompe a soberania nacional; a guerra reconfigura o mapa do poder; o genocídio tenta apagar quem denuncia. (Montagem: Vanessa Martina-Silva)

O efeito estrutural é o prolongamento de guerras civis, desestabilização de Estados e a reformulação de economias em torno do esforço de guerra, abrindo caminho para golpes internos apoiados de fora e para bloqueios vendidos como “medidas técnicas”. 

O exemplo mais atual é a guerra na Ucrânia (2014–atual). O esforço militar ucraniano é sustentado por financiamento, treinamento, inteligência e armamentos de países da Otan e dos Estados Unidos (EUA), enquanto Moscou atua como polo direto do outro lado, a ser enfraquecido e contido. O teatro principal está em solo ucraniano, mas a direção estratégica, os fluxos de armas e a logística mostram disputa entre blocos de poder, como sustentam os autores do e-book Muito Além da Ucrânia, os fatores por trás da guerra, editado pela Diálogos do Sul Global. 

Guerra híbrida

O termo guerra híbrida é sistematizado por Frank G. Hoffman na virada dos anos 2000, a partir da observação de conflitos que misturam meios militares e não militares (forças regulares/irregulares, operações cibernéticas, sanções, propaganda, terrorismo, crime organizado). 

Se trata do uso combinado de ferramentas militares e não militares para forçar mudanças políticas sem guerra declarada: sanções e bloqueios que estrangulam finanças e comércio; pressão cambial e corte de crédito; operações cibernéticas contra redes elétricas, bancos e ministérios; desinformação coordenada com bots e influenciadores; sabotagens em infraestrutura; forças por procuração e operações clandestinas; além de ataques limitados (drones, incursões) para manter o confronto abaixo do limiar de guerra aberta. Essa engenharia corrói governos por fora e prepara terreno interno: economia ficará asfixiada, reputações serão destruídas, base social será desorganizada. 

Por isso, a guerra híbrida funciona como ponte entre a guerra e o golpe. O desenho é externo (planejamento e pressão vindos de fora), mas o desfecho buscado será interno: rupturas por impeachments “técnicos”, decisões judiciais, intervenções administrativas e outras formas de lawfare, que darão aparência legal ao que é, no fundo, mudança de regime. 

Lawfare (guerra jurídica) e o ecossistema informacional

No século 21, a disputa de poder se desloca para tribunais, procuradorias e plataformas digitais. É chamado lawfare o uso instrumental do direito para produzir resultados políticos: acusações seletivas, vazamentos cronometrados, quebras abusivas de sigilo, prisão preventiva como pena antecipada, delações estimuladas por chantagem penal, mudanças casuísticas de competência e calendarização eleitoral de decisões. 

A mídia amplifica versões acusatórias como fato consumado, enquanto algoritmos de plataformas elevam narrativas convenientes e enterram desmentidos. O objetivo é inabilitar lideranças, reverter maiorias e legitimar exceções sob aparência de legalidade — roupagem contemporânea do golpe por dentro. 

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Esse roteiro costuma vir acompanhado de medidas administrativas e financeiras: congelamento de ativos, sanções de “compliance”, listas de “organizações indesejáveis”, bloqueios de financiamento e cooperação assimétrica com agências estrangeiras via tratados de assistência mútua. No plano internacional, sanções unilaterais e designações por órgãos como o Office of Foreign Assets Control (OFAC) funcionam como pena sem julgamento, estrangulando economias, meios de comunicação e entidades civis. Em conflitos, o lawfare isola adversários, criminaliza resistências e dá verniz jurídico a cercos econômicos.

Na América Latina, Luiz Inácio Lula da Silva (2003–2010 e 2023- ) foi condenado e preso em 2018; em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou as condenações e reconheceu a parcialidade do juiz Sergio Moro. Cristina Fernández de Kirchner (ex-presidenta argentina 2007–2015 e vice-presidenta 2019–2023) recebeu sentença em primeira instância no caso Vialidad (2022), com recursos pendentes, falta de provas e evidentes efeitos eleitorais. Já Rafael Correa (ex-presidente do Equador 2007–2017) foi condenado in absentia em 2020, em processo acelerado que desarticulou sua coalizão política. 

O Ocidente apresenta suas ofensivas como “defesa da liberdade”, mas, como aponta Attinà, toda guerra é também disputa por representação simbólica — uma tentativa de impor, junto às armas, um discurso.

Genocídio: o crime de apagar existências

O jurista Raphael Lemkin cunha o termo em 1944 para designar a destruição em massa de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Mais do que assassinato coletivo, se trata de um projeto sistemático de aniquilação da vida e da cultura de um povo. 

Após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprova, em 1948, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, que define o genocídio como crime contra a humanidade. Como observa Giorgio Bianchi, o instrumento jurídico é limitado: ele exige que Estados julguem a si mesmos — e raramente o fazem. A impunidade passa a integrar a estrutura do crime. 

A definição jurídica aponta a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso não só pelo assassinato direto, mas também por fome induzida, deportações, esterilização, sequestro de crianças, destruição de cultura, memória e meios de vida. O genocídio é a etapa extrema de um projeto político. Há dois exemplos que se consolidaram na literatura política internacional: Ruanda e Palestina.

Ruanda (1994)

O caso expõe a velocidade e a mecânica social desse crime. Em cerca de cem dias, a propaganda de ódio — preparada por anos em rádios, jornais e listas — foi convertida em maquinaria de extermínio contra tutsis e hutus opositores. Cerca de 800 mil a 1 milhão de pessoas foram assassinadas. 

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A violência não foi “espontânea”: havia direção política, listagens, logística e discurso desumanizante que autorizou matar vizinhos e saquear seus bens. A demora internacional em nomear o que ocorria ilustra como palavras retêm poder: enquanto se evitou dizer “genocídio”, não se acionou a obrigação de prevenir e punir. 

Palestina (desde 1948)

Na Palestina, a lógica é colonial e de limpeza étnica de longa duração — da Nakba (1948) às ofensivas recentes. Cercos, bloqueios a alimentos e remédios, ataques recorrentes a civis, hospitais, escolas e jornalistas, destruição sistemática de infraestrutura e deslocamentos forçados operam como engenharia de inviabilização de um povo. 

Quando a política pública nega água, energia, abrigo e passagem segura, e os assassinados são, em sua maioria, mulheres e crianças, o objetivo já não é “vencer militarmente” um grupo armado, e sim remover o povo do território e quebrar sua reprodução social — núcleo da tipificação de genocídio. 

Essa gramática remete ao colonialismo histórico, sobretudo ao colonialismo de povoamento — como nos casos herero e nama, na Namíbia sob domínio alemão (1904–1908), e nas práticas do Estado Livre do Congo sob Leopoldo II. 

O padrão é reconhecível: expropriação de terras, hierarquização racial, trabalho forçado quando convém à metrópole e, quando a resistência cresce ou o custo de administrar sobe, passagem à eliminação — física, cultural ou territorial. 

A maquinaria mediática do genocídio

A forma contemporânea do genocídio é também mediática. A morte é espetacularizada por televisão, plataformas e relatórios, enquanto eufemismos burocráticos — “dano colateral”, “zona de exclusão”, “alvo dual” — maquiam a intenção real. 

Métricas substituem rostos: gráficos de “neutralizados”, mapas de “zonas seguras”, tabelas de “ajuda entregue”. Quando a linguagem técnica cobre o sofrimento e o algoritmo premia a indignação breve, a barbárie ganha rotina — e a responsabilidade internacional se dilui.

Diferença entre golpe, guerra e genocídio

Golpe, guerra e genocídio são distintos, mas se articulam. O golpe rompe a soberania nacional; a guerra reconfigura o mapa do poder; o genocídio tenta apagar quem denuncia.

É o mesmo roteiro imperial que se reinventa para manter o centro: Honduras (2009), Paraguai (2012), Brasil (2016), Ucrânia (desde 2014; escalada em 2022), Bolívia (2019), Gaza (2024–2025). 

Em todos os casos, legalidade, diplomacia e “humanitarismo” servem de máscara para a violência — e, em todos, a resistência popular revela que, apesar do arsenal bélico e financeiro, a verdade segue vulnerabilizando o império.

Em síntese: o genocídio é o ápice da hierarquia colonial. Quando explorar já não serve, eliminar é proposto como “solução de segurança”. Distinguir guerra (disputa entre Estados/blocos) e golpe (ruptura interna) de genocídio (aniquilação de um grupo) não é preciosismo: é o que define quais obrigações jurídicas e quais respostas políticas serão acionadas — e é o que separa a barbárie justificada da humanidade defendida.

A trilogia Golpe, Guerra e Genocídio da Diálogos do Sul Global recupera essas definições para além da academia, em diálogo com o jornalismo e a luta política. Ao reunir análises de Paulo Cannabrava Filho, Vanessa Martina-Silva e dezenas de colaboradores do Sul Global, a obra propõe um gesto comum: repolitizar as palavras, devolver a elas o peso, a história e o sentido.

👉 Saiba mais e acesse os e-books em: conteudo.dialogosdosul.com.br/coletanea-golpe-guerra-ou-genocidio 

(*) Texto elaborado com apoio de ferramenta de IA para rascunho e edição. Pesquisa, curadoria e verificação: Vanessa Martina-Silva.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Vanessa Martina-Silva Trabalha há mais de dez anos com produção diária de conteúdo, sendo sete para portais na internet e um em comunicação corporativa, além de frilas para revistas. Vem construindo carreira em veículos independentes, por acreditar na função social do jornalismo e no seu papel transformador, em contraposição à notícia-mercadoria. Fez coberturas internacionais, incluindo: Primárias na Argentina (2011), pós-golpe no Paraguai (2012), Eleições na Venezuela (com Hugo Chávez (2012) e Nicolás Maduro (2013)); implementação da Lei de Meios na Argentina (2012); eleições argentinas no primeiro e segundo turnos (2015).

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