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Governo Biden pressiona China sobre direitos humanos e reforça alianças em giro pela Ásia

Em fevereiro, após telefonema com Xi Jinping, Biden afirmou que a China poderia esperar por uma competição forte, mas isso não significava um conflito iminente
Rúbia Marcussi Pontes
OPEU
São Paulo (SP)

Tradução:

Em seu primeiro discurso de política externa em 4 de fevereiro, Joe Biden afirmou que a “América está de volta, a diplomacia está de volta”. Prometeu, também, que os Estados Unidos recuperariam suas alianças e posição de liderança no sistema internacional. Nesse contexto, a política para a região do Indo-Pacífico ganha destaque. Trata-se de uma região nevrálgica, em que é relevante para os EUA restaurar a confiança com aliados e parceiros – sobretudo, para lidar com a China por meio de uma estratégia mais bem informada.

Nesse sentido, a administração Biden conta com uma equipe repleta de especialistas que advogam uma política mais dura em relação à China e o fortalecimento das alianças para conter o avanço chinês, em especial no Conselho de Segurança Nacional (NSC, da sigla do inglês). Isso se reflete na junção da área de assuntos asiáticos, que tradicionalmente lida com Austrália, China, Coreias do Norte e do Sul, Japão, e de assuntos do sul da Ásia, que lida com a Índia, em uma área unificada na pasta de Indo-Pacífico.

Kurt Campbell, que serviu como representante dos EUA para a Ásia sob Barack Obama, foi nomeado como coordenador da área de assuntos relacionados ao Indo-Pacífico junto ao NSC e trabalhará com Jake Sullivan, apontado como conselheiro de Segurança Nacional.

Campbell, que foi um dos proponentes da política de pivô para a Ásia do governo Obama, é reconhecido como um forte defensor das alianças para a contenção da China. Agora, em seu novo cargo criado especialmente pelo presidente Biden, pode-se esperar uma atenção maior para o fortalecimento de alianças para lidar com a China, como o próprio Campbell anunciava em janeiro.

Destaca-se, ainda, o alinhamento dessa equipe com Antony Blinken, nomeado secretário de Estado. Ainda durante sua sessão de confirmação no Senado, Blinken reafirmava a necessidade de uma política bipartidária mais dura por parte dos EUA em relação à China. E, em 3 de março, em discurso na Casa Branca, foi enfático ao afirmar que “existem crises graves, com as quais temos que lidar, inclusive no Iêmen, Etiópia e Mianmar. Mas o desafio que a China nos apresenta é diferente. A China é o único país com o poder econômico, diplomático, militar e tecnológico para desafiar seriamente o sistema internacional estável e aberto”. 

Primeiros movimentos da administração Biden no Indo-Pacífico

Como prometido por Biden e sua equipe, os primeiros movimentos para reconectar os EUA aos seus aliados e parceiros na Ásia, buscando conter a ascensão chinesa, já podem ser identificados.

Uma primeira reunião nesse sentido ocorreu em 12 de março, quando o Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad, da sigla em inglês) se reuniu. Estados Unidos, Austrália, Índia e Japão integram o Quad e, apesar das diversas reuniões em nível ministerial desde a formação do grupo em 2004, essa foi a primeira vez em que seus presidentes e primeiros-ministros participaram, a convite do presidente Biden, indicando que a região do Indo-Pacífico é destaque inegável em sua administração e que a coordenação intergrupo será aprofundada, principalmente em assuntos de segurança marítima, cibernética e econômica.

Logo na sequência, Antony Blinken visitou o Japão, aliado tradicional dos EUA, junto com o secretário de Defesa, Lloyd Austin, na primeira viagem internacional de altos representantes do governo Biden. Na visita com suas contrapartes, Blinken afirmou que os EUA lutariam contra qualquer tipo de avanço chinês baseado em coerção e agressão na região, defendendo, portanto, uma região do Indo-Pacífico “livre e aberta”. Ficou acertado que o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, visitará o presidente Biden em abril, tornando-se o primeiro líder estrangeiro a fazê-lo.

Buscando reforçar as alianças no giro pela Ásia, os secretários de Estado e de Defesa seguiram em viagem para a Coreia do Sul, onde se encontraram com suas contrapartes e com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in. Os representantes reafirmaram a importância da aliança bilateral e suas preocupações com questões relacionadas à Coreia do Norte.

Depois do encontro, o secretário Lloyd Austin seguiu viagem para a Índia, onde seria discutido o aprofundamento de uma parceria estratégica entre EUA e Índia vis-à-vis a China, enquanto o secretário Antony Blinken seguiu para Anchorage, no Alasca, onde o aguardado primeiro encontro entre representantes dos EUA e da China seria realizado entre 18 e 19 de março.

EUA e China no Alasca

Tanto Blinken quanto Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional, estavam presentes na reunião, bem como Wang Yi, chanceler da China, e Yang Jiechi, o maior representante diplomático da China, e suas respectivas delegações.

O encontro foi marcado por acusações mútuas, principalmente na primeira sessão, aberta para a imprensa. Nela, Blinken foi assertivo. Apontou a China como uma desafiadora de um sistema internacional baseado em normas e regras e disse que os EUA esperam que a China mude seu comportamento. Ressaltou, também, profunda preocupação com a crescente “assertividade” chinesa com aliados e parceiros dos EUA e em regiões como Xinjiang e Hong Kong, além de ter acusado a China de ter realizado ataques cibernéticos contra os EUA.

Em resposta, Yang fez um discurso de 15 minutos em chinês, expondo a incoerência entre a retórica e a prática americanas em relação à agenda de promoção da democracia e assuntos relacionados à política externa. Afirmou que “os EUA usam sua força militar e hegemonia financeira para impor sua jurisdição de forma arbitrária e para suprimir outros países”, em um verdadeiro “abuso de suas chamadas noções de segurança nacional para obstruir trocas comerciais normais e para incitar outros países a atacarem a China”.

A delegação chinesa se opôs firmemente ao que considera interferências dos EUA em seus assuntos internos, e Wang relembrou que o Departamento de Estado americano havia imposto mais sanções a 24 pessoas ligadas, principalmente, ao governo de Hong Kong apenas um dia antes do encontro. O gesto foi considerado pouco convidativo e diplomático por parte dos EUA.

Após esse começo no mínimo conturbado, o encontro seguiu sem a presença da imprensa e, posteriormente, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA afirmou que conversas diretas sobre uma variedade de assuntos eram esperadas. E “foi exatamente isso que tivemos”, resumiu Sullivan.

Blinken afirmou que recebeu uma “resposta defensiva” da China, após ter levantado questões de abusos de direitos humanos em Xinjiang, no Tibete e em Hong Kong. Mas o secretário de Estado também afirmou que ambos têm interesses comuns e conseguiram avançar em tópicos como mudanças climáticas, Irã, Coreia do Norte e Afeganistão.

Em fevereiro, após telefonema com Xi Jinping, Biden afirmou que a China poderia esperar por uma competição forte, mas isso não significava um conflito iminente

White House
Antony Blinken afirmou que os EUA lutariam contra qualquer tipo de avanço chinês baseado em coerção e agressão na região.

Próximos passos

O presidente Biden já havia conversado com o presidente chinês, Xi Jinping, em um longo telefonema, em fevereiro. Naquele momento, Biden afirmou que a China poderia esperar por uma competição forte dos EUA, mas que isso não significava um conflito iminente entre os dois países. Também afirmou que os EUA cobrarão temas como direitos humanos, questões relacionadas a Taiwan, levando-se em consideração as tentativas de maior interferência chinesa na ilha nos últimos anos, e, claro, a reversão de práticas econômicas e comerciais que ainda são vistas como desleais por parte da China.

Sua administração ainda discute como implementar uma política para a China, especialmente no que está relacionado às tarifas comerciais impostas no governo de Donald Trump, enquanto se esforça para assegurar a seus aliados – e ao mundo – que os EUA estão de volta e se posicionarão na região do Indo-Pacífico.

Ao mesmo tempo, as movimentações recentes ressaltam como Biden já coloca a defesa de valores democráticos e direitos humanos no centro da agenda em relação à China, em que será central o trabalho em coordenação da equipe de Campbell no NSC com a equipe responsável por assuntos relacionados à democracia e à promoção de direitos humanos neste órgão.

Vale relembrar que o presidente William (Bill) Clinton buscou atrelar a agenda de direitos humanos a negociações comerciais e econômicas durante os anos 1990, com pouco sucesso. Pequim não cedeu nas negociações, enquanto os EUA concederam o status de relações comerciais normais permanentes (PNTR, da sigla do inglês) para a China enquanto negociava a entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC). Resta observar em que medida o governo Biden buscará atrelar tais agendas e com que sucesso.

Por fim, quando perguntado sobre os resultados da primeira reunião entre os representantes americanos e chineses, Biden afirmou que estava “muito orgulhoso do secretário de Estado”.

expectativa de que um encontro entre Joe Biden e Xi Jinping possa acontecer em abril, mais especificamente no dia 22, que é considerado o Dia da Terra. A administração Biden organiza uma cúpula para reunir diversos líderes mundiais nessa data, e a presença do líder chinês demonstraria a centralidade do combate às mudanças climáticas na agenda dos dois líderes.

Logo na esteira das conversas no Alasca, porém, a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou que a possibilidade de encontros individuais com líderes estrangeiros durante a cúpula ainda não estava sendo discutida. Parece que os ventos frios da reunião no Alasca continuarão a repercutir nos próximos movimentos entre EUA e China.

 

Rúbia Marcussi Pontes é doutoranda e mestra em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP-IFCH), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pesquisadora do INCT-INEU e bolsista CAPES. E-mail: rubiamarcussi@gmail.com.

** Recebido em 21 mar. 2021. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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