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ToggleOs incêndios florestais que recentemente destruíram Los Angeles geraram intenso destaque por parte dos grandes conglomerados transnacionais de mídia. O foco dado a este evento, no entanto, contrasta com situações ainda mais graves, como as ocorridas no ano passado no Brasil, mas que não receberam tamanha comoção internacional. Mesmo quando se trata da crise climática, é preciso escutar o velho Marx: tudo é uma questão de classe. Afinal, os danos causados pela tragédia climática nos países do Sul global não comovem tanto quanto as mansões de milionários hollywoodianos ardendo em chamas. E piora: muitos dos que apagaram as labaredas do capitalismo estadunidense foram pessoas privadas de liberdade, trabalhando em condições análogas à escravidão.
O mundo todo tem acompanhado a cobertura completa dos incêndios florestais que assolaram a cidade de Los Angeles, no oeste dos Estados Unidos. A dramática situação foi televisionada incansavelmente pela imprensa, conduzindo o pânico e a comoção internacional.
De acordo com o chefe do departamento de bombeiros de Los Angeles, Anthony Marrone, cerca de 28 pessoas morreram com os incêndios que começaram em 7 de janeiro e foram controlados apenas nesta semana, com a chuva. Cerca de 31 mil moradores foram evacuados de suas casas e 16 mil estruturas foram danificadas ou destruídas.
Os dados indicam que se trata do pior incêndio da história da Califórnia. Segundo o levantamento do Departamento Florestal e de Proteção de Incêndios do estado, as chamas já destruíram uma área de 160 km². Um dos locais mais afetados foi o luxuoso bairro Pacific Palisides, conhecido por concentrar diversas propriedades de famosos e milionários. O mundo se chocou com a notícia de que celebridades de Hollywood como Paris Hilton, Mel Gibson, Anthony Hopkins e Billy Crystal tiveram suas casas tomadas pelo fogo.
O que as pessoas parecem ignorar é o fato de que incêndios florestais estão acontecendo com cada vez mais velocidade e impacto em regiões onde a recuperação é mais difícil. A maioria dos que sofrem as consequências das chamas em Los Angeles são pessoas ricas – não é como se elas fossem ter dificuldades em conseguir outro lugar para morar. É muito diferente do que aconteceu no Brasil, no ano passado, por exemplo.
Em termos de dimensão territorial, o incêndio deste ano em Los Angeles não se compara com o que aconteceu no território brasileiro em 2024. Na semana de 19 a 25 de agosto, que ficou para a história como a “semana do fogo”, o Brasil teve 5,65 milhões de hectares queimados, segundo o levantamento do Monitor do Fogo, do MapBiomas. Durante o ano, foram 30,8 milhões de hectares afetados pelas chamas, uma extensão de área superior à do território da Itália e a maior registrada desde 2019.

A situação gerou alarde entre milhares de brasileiros que viram suas cidades amanhecendo com céu encoberto por fumaça durante as queimadas. Em Ribeirão Preto (SP), além da péssima qualidade do ar que a população enfrentou, casas foram evacuadas, rodovias foram bloqueadas, aeroportos ficaram sem operar e o fornecimento de água e energia elétrica foram comprometidos.
Duplo padrão na mídia
Curiosamente, os incêndios que assolaram o Brasil no ano passado não fizeram tantas manchetes ao redor do mundo como o que aconteceu na Califórnia, mesmo com volume e intensidade catastróficos. É sabido que as lideranças globais não estão interessadas em priorizar a crise climática em detrimento da economia. Mas a seletividade da mídia hegemônica é uma violência cultural que demonstra que as potências capitalistas se omitem muito mais quanto a desastres ambientais quando eles acontecem em países periféricos. Países esses que têm menor responsabilidade histórica pelas emissões de gases do efeito estufa e sofrem com os efeitos ambientais em razão das ações das nações hegemônicas.
Infelizmente, cientistas indicam que a ocorrência desses fenômenos deve continuar crescente. Um artigo publicado pela revista Science revelou que, de 2020 para cá, esses incêndios estão se proliferando quatro vezes mais rápido do que acontecia nos anos 1980. As queimadas estão ficando cada vez mais generalizadas, consumindo atualmente o dobro da cobertura arbórea em relação a duas décadas atrás. O motivo? Algo que somos avisados há mais de 30 anos pelos cientistas climáticos: a ação humana e as mudanças climáticas. Em Los Angeles, por exemplo, o processo de expansão urbana facilitou a manifestação do incêndio nessas proporções, já que diversas áreas inadequadas para habitação são ocupadas por empreendimentos de luxo para milionários.
Essas casas utilizam paisagismo com espécies que não são nativas da região, enchendo o local de material orgânico que se acumula no solo e serve como combustível para incêndios. Além disso, a maioria dessas residências usam madeira como isolante térmico, que, por coincidência, é justamente o material no qual o fogo se propaga mais rapidamente.
Trump e o capitalismo predatório
O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos obviamente agrava a situação. Ele é facilmente o maior político negacionista climático da história, presidindo mais uma vez o país que mais explora e destrói o meio ambiente.
Assim que tomou posse, em 20 de janeiro, Trump assinou um decreto retirando o país do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. O tratado, firmado em 2015 por 195 Partes (194 Estados mais a União Europeia), visa fortalecer as ações globais frente à ameaça da mudança do clima, com o compromisso principal de limitar o aquecimento global a menos de 2°C até o final do século. O republicano, que já vinha manifestando uma série de medidas anti-ambientalistas antes mesmo de ser reeleito, afirmou que os EUA devem “economizar cerca de um trilhão de dólares com a medida”. Trump classifica há tempos as mudanças climáticas como “farsa”, mostrando-se exatamente como o retrato do capitalismo predatório.
Além disso, na última sexta-feira (24), o presidente estadunidense ordenou a demissão de funcionários nas agências federais ligados às agendas de justiça ambiental e diversidade; suspendeu todos os litígios ambientais; e remanejou quatro promotores de carreira do Departamento de Justiça focados em questões ambientais. Em relação aos incêndios em Los Angeles, Trump ameaça suspender a assistência federal à cidade, caso os governantes da Califórnia não alterem suas políticas de gestão hídrica no estado. Em entrevista à Fox News, o presidente afirmou que a política de preservação de peixes do norte do estado estaria consumindo muita água e limitando seu fornecimento para hidrantes de incêndio.“Eu não acho que devemos dar nada para a Califórnia até que eles deixem a água descer”, afirmou o chefe de estado.
O republicano responsabilizou o adversário político Gavin Newsom, governador democrata da Califórnia, pela dificuldade em controlar os incêndios. Além de rejeitar a realidade das mudanças climáticas, o negacionista atrela as causas complexas e multifacetadas desse fenômeno a um único líder, por simples disputa partidária.
Prisioneiros no fogo
Voltando ao comportamento da grande mídia frente aos desastres ambientais, o zelo pela imagem dos Estados Unidos assusta. Nas últimas semanas, os maiores veículos de conglomerados de mídia anunciaram que foram “mais de 36 mil bombeiros mobilizados no combate aos incêndios”. O que os meios de comunicação falham em noticiar é que, entre esse grupo que trabalha arduamente, 30% são pessoas custodiadas pelo sistema penitenciário da Califórnia.
Incêndios em Los Angeles: a irresponsabilidade, ganância e arrogância das elites
Os prisioneiros fazem parte de um programa governamental de corpo de bombeiros de conservação da Califórnia que data do século 19 e recebe ampla rejeição dos ativistas contra o sistema prisional.
De acordo com pesquisas, esses prisioneiros estão quatro vezes mais propensos a lesões enquanto combatem o fogo e oito vezes mais propensos a desenvolverem doenças respiratórias, por estarem pior equipados do que a categoria oficial de bombeiros. São pessoas que trabalham por, no máximo, US$ 10 por dia (muito menos do que o salário mínimo na Califórnia, que é de US$ 16,50 por hora).
O programa de acampamento de bombeiros da Califórnia não somente explora as pessoas encarceradas, como representa um risco para suas vidas — em um período de cinco anos, quatro bombeiros privados de liberdade foram mortos e mais de mil ficaram feridos durante o trabalho, de acordo com um relatório da União Americana pelas Liberdades Civis e da Escola de Direito da Universidade de Chicago, publicado em 2022.

É possível concluir que esses prisioneiros são, em maioria, homens negros, já que eles são encarcerados em prisões estaduais nos EUA quase cinco vezes mais do que os brancos. Estamos falando de uma nova faceta do trabalho escravo no século 21. A prefeita de Los Angeles, Karen Bass, cortou US$ 17,5 milhões do Departamento de Combate a Incêndio no último ano, enquanto aplicou essa verba para a Secretaria de Segurança da cidade. Ao investir em mais policiamento, a democrata garantiu que mais pessoas negras e pobres fossem presas e se tornassem mão de obra barata para ser explorada. Tendo isso em vista, é importante ressaltar que os Estados Unidos também estão recebendo ajuda de combatentes do México, país que é historicamente vítima da política anti-imigração de Donald Trump.
Capital em primeiro lugar
Esse cenário demonstra a total aniquilação de um dos principais mitos que sustentam a ideologia ocidental: de que, do iluminismo para cá, somos uma civilização guiada pela Ciência.
No capitalismo hediondo, a razão está longe de ser o fio condutor da humanidade. A emergência climática nos revela que o único interesse que mantém a nossa sociedade operando é o do capital. Ao assimilarem que, ou se salva o planeta ou as economias, as lideranças globais chamam as mudanças climáticas de mentira e silenciam estudiosos do tema. A questão ambiental virou “alarmismo” para os grandes bilionários, que, ao mesmo tempo, constroem bunkers e hotéis espaciais. Adorno e Horkheimer estavam certos: nunca fomos iluministas. Nas mãos do capital, a intelectualidade, que deveria promover a emancipação humana, é usada para explorar recursos naturais, dominar povos e ampliar desigualdades.
COP29: de cúpula de ativistas climáticos a feira de lobistas fósseis e “vendedores de fumaça”
Um exemplo disso é o que deve acontecer na Amazônia, em breve. O atual ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que o Ibama vai autorizar a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, um dos projetos mais ambiciosos da Petrobrás. E a pergunta é: quanto tempo mais teremos para lidar com as consequências disso? Em dez, 20 ou até 30 anos, qual será o impacto?
Outra informação importante é que, nos primeiros dez dias de janeiro deste ano, os mais ricos do planeta já esgotaram sua cota anual de carbono (a quantidade de emissões de gases de efeito estufa que o planeta pode suportar sem causar danos irreversíveis ao clima). A partir de agora, qualquer atividade adicional será pura destruição planetária.
Com esse rumo que seguimos, a realidade do planeta Terra caminha para um cenário de distopia, como os representados nos filmes que, até então, considerávamos apenas ficção.
Essas tensões nos fazem acreditar que, ou nos mobilizamos como classe trabalhadora para frear a destruição climática, ou inevitavelmente nos tornaremos refugiados climáticos. Como o sueco marxista Andreas Malm pontua brilhantemente no livro “Como Explodir um Oleoduto”, o ativismo climático sem uma abordagem radical não serve para nada. O capitalismo é a força motriz por trás da destruição ambiental: sem resistência organizada a esse sistema, não chegaremos a lugar algum.