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“Grandes vencedores das eleições são os partidos de negócio”, diz sociólogo

Em entrevista, especialistas analisam as eleições municipais que deram destaque aos políticos do chamado "centrão" e mostraram cansaço do eleitor com a polarização
Patricia Fachin
Revista IHU On-line
São Paulo (SP)

Tradução:

A eleição de mais candidatos de centro, tanto à direita quanto à esquerda, no pleito deste ano, demonstra o “cansaço do eleitor com a radicalização política e a polarização entre bolsonarismo e lulismo”, diz o jornalista Altamir Tojal à IHU On-Line. Além de indicarem que os eleitores votam de olho nas agendas locais, o voto deste ano sugere que “a vitória de partidos de centro pode revelar a aposta na habilidade de negociação, no equilíbrio e na redução de conflitos, ou seja, a expectativa de que o eleito seja capaz de somar forças para enfrentar desafios cada vez maiores, não só a pandemia como a crise econômica e social, além da precariedade de serviços públicos comum à maioria das cidades do país”, comenta.

Para o sociólogo Benedito Tadeu César, o resultado do segundo turno das eleições municipais não surpreendeu. No entanto, diferentemente daqueles que acentuam a derrota das esquerdas, César, ao contrário, avalia que elas tiveram “um bom desempenho” depois de terem “passado por um tsunami” nos pleitos de 2016 e 2018, e “estancaram a sangria e conseguiram reconquistar posições”. O segundo turno, assim como o primeiro, demonstrou igualmente o enfraquecimento do bolsonarismo. “Ficou patente, no primeiro e no segundo turnos, a incapacidade de Bolsonaro de construir um partido que congregue os seus aliados. Eles estão pulverizados, não tem nada que os unifique e eles ficam à mercê da direita de negócios – me recuso a dizer que eles são centro-direita porque essa é uma direita de negócios. A direita de negócios não tem nem vai ter um candidato para 2022, porque ela é muito ruim em termos de propostas e projetos nacionais”, assegura na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp.

O sociólogo Fábio Lacerda, também em entrevista concedida por WhatsApp à IHU On-Line, destaca o baixo protagonismo do MDB e do PSDB, o crescimento do PSD, Democratas, Progressistas e Republicanos e o enfraquecimento da esquerda. Todos esses fenômenos, explica, contribuem para a fragmentação da política brasileira. “É importante ressaltar um processo de pulverização da política, que fica mais marcado em 2020, porque os partidos maiores diminuem e há um conjunto de partidos pequenos e médios disputando espaço, que também se relaciona com a ideia de uma fragmentação partidária que não diminuiu”, constata.

De outro lado, o sociólogo Sergio Simoni explica a vitória de partidos de centro-direita. “Os partidos de centro-direita continuaram fortes porque são partidos mais enraizados nos municípios, com estruturas mais antigas”, observa. Segundo ele, um dos aspectos determinantes do segundo turno foi a “avaliação que os eleitores fizeram dos atuais prefeitos e prefeitas e de ex-prefeitos que concorreram”. Esse ponto, frisa, também poderá ser central nas eleições de 2022. “A marca que vai determinar a eleição de 2022 será a avaliação das pessoas sobre o que os governos estão fazendo e o que eles deveriam fazer e, dessa forma, vão decidir o seu voto. Esse componente estava muito prejudicado na eleição de 2018, dada a grande crise dos partidos depois da Lava Jato e a situação pós-impeachment. Mas essas questões vão se assentando e as pessoas vão avaliar o que o governo está fazendo e, a partir disso, vão decidir premiá-lo ou puni-lo. Portanto a avaliação das ações do que o governo está entregando é o que vai ser importante para 2022”, afirma.

Altamir Tojal é jornalista, graduado pela Universidade Federal Fluminense – UFF e especialista em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Participa da Rede Universidade Nômade – Uninômade. 

 Benedito Tadeu César é graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, mestre em Antropologia Social e doutor em Ciências Sociais com ênfase em Estrutura Social Brasileira, ambos pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. 

Fábio Lacerda é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP. É pesquisador de pós-doutorado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP e professor do IBMEC-SP e do Centro Universitário FEI, em São Paulo. 

Sergio Simoni é graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP. É professor do Departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. 

Confira as entrevistas

Em entrevista, especialistas analisam as eleições municipais que deram destaque aos políticos do chamado "centrão" e mostraram cansaço do eleitor com a polarização

Rovena Rosa / Agência Brasil
Votação durante o segundo turno

IHU On-Line – Qual sua avaliação geral sobre o segundo turno das eleições nas principais capitais brasileiras? O que foi determinante na eleição dos candidatos no segundo turno?

Altamir Tojal – Parece ter ocorrido uma demonstração de cansaço do eleitor com a radicalização política e a polarização entre bolsonarismo e lulismo. A vitória de partidos de centro pode revelar a aposta na habilidade de negociação, no equilíbrio e na redução de conflitos, ou seja, a expectativa de que o eleito seja capaz de somar forças para enfrentar desafios cada vez maiores, não só a pandemia como a crise econômica e social, além da precariedade de serviços públicos comum à maioria das cidades do país. O voto desta vez pode ter mostrado suspeita e desencanto com relação a rupturas, a propostas radicais e a líderes e partidos que desonram seus programas e promessas. No mais, como é normal nas escolhas municipais, o eleitor votou de olho em agendas locais, procurando gestores mais capazes ou menos incompetentes, conforme as opções que se apresentaram em cada lugar.

 

Altamir Tojal (Foto: Este Mundo Possível)

 

Benedito Tadeu César – As eleições do segundo turno não surpreenderam. Havia uma expectativa de parte da esquerda de conseguir vitórias expressivas, mas se analisarmos os resultados históricos, o desempenho das esquerdas no segundo turno, em termos de vitórias, não foi muito diferente do que o da tradição histórica: dificilmente as esquerdas avançam muito no segundo turno, a menos que elas consigam avançar sobre o centro progressista, pelo menos. Como isso está difícil, elas conseguiram ampliar a sua capilaridade e a sua base eleitoral nessas eleições. Foi um bom desempenho para as esquerdas, que tinham passado por um tsunami nas duas últimas eleições, de 2016 e 2018. Elas estancaram a sangria e conseguiram reconquistar posições.

 

Benedito Tadeu César (Foto: Leslie Chaves | IHU)

 

Fábio Lacerda – É importante observar a dificuldade de separar o primeiro turno das eleições do segundo, porque o segundo turno não é uma nova eleição, mas a continuação do primeiro. Não há muito espaço para mudança no segundo turno em relação ao primeiro. Há casos de viradas, mas são exceções, como aconteceu em São Paulo, em 2012, quando Haddad acabou em segundo lugar no primeiro turno, mas o candidato do PSDB, José Serra, virou no segundo turno. Esse tipo de coisa pode acontecer, mas, em geral, não acontece. A tendência é os primeiros colocados ganharem.

 

Fábio Lacerda (Foto: Arquivo pessoal)

 Também temos que levar em conta que essas foram eleições atípicas por estarmos vivendo uma pandemia

O segundo ponto que destacaria é o uso das redes sociais. É bastante claro como os candidatos que têm mais familiaridade com essas ferramentas tiveram desempenhos notáveis. Destacaria, no caso da cidade de São Paulo, tanto o candidato Guilherme Boulos, do PSOL, quanto Arthur do Val, do Patriota, um YouTuber, que é ligado ao Movimento Brasil Livre – MBL e conhecido como Mamãe Falei. Eles utilizaram as redes de uma forma bastante inteligente e conseguiram muitos votos entre os eleitores mais novos. Parece que o caso da Manuela D’Ávila, em Porto Alegre, é semelhante, porque ela tem uma presença forte nas redes sociais.

 

IHU On-Line – No primeiro turno das eleições municipais, os analistas chegaram a dois consensos: os candidatos de centro-direita e os ligados a pautas identitárias e sociais tiveram mais sucesso. Qual foi a marca do segundo turno?

Altamir Tojal – Embora cerca de 60% dos prefeitos eleitos sejam de partidos de centro e uma parte mais identificada com a centro-direita, a expectativa crescente do eleitor parece ser de uma agenda de atenção aos mais vulneráveis na sociedade e de apoio às causas identitárias. A maioria dos que foram eleitos teve de se comprometer com isso e serão cobrados. Se o vírus da pandemia pode ter reforçado o valor da solidariedade, o resultado destas eleições mostraria que o vírus autoritário do bolsonarismo vai produzindo seus anticorpos, ou seja, a rejeição da antipolítica, do racismo, dos preconceitos em geral e da indiferença pelos marginalizados. Houve também um recado à política das agendas ocultas da esquerda tradicional e da extrema direita. As pesquisas que apontaram rejeição aos velhos e novos padrinhos políticos foram confirmadas na maioria das cidades.

Benedito Tadeu César  O determinante nas eleições do segundo turno foram basicamente as questões locais. Em Recife houve uma disputa entre os clãs locais e em Fortaleza foi um clã local que venceu, e os dois lugares impuseram derrotas ao presidente da República e ao bolsonarismo. Em Vitória, o bolsonarismo ganhou, mas ganhou se descolando de Bolsonaro, porque o delegado [Pazolini, do Republicanos] jurou de pé junto durante toda a campanha – apesar de ter invadido hospitais e de ter se aliado à Damares no caso daquela menina estuprada e engravidada pelo padrasto – que não era bolsonarista.

A marca do segundo turno não mudou muito em relação ao primeiro turno, mas discordo da análise de que foram os candidatos de centro-direita que mais cresceram. Quem cresceu mais no campo que a grande mídia chama de centro-direita foi o DEM, o PP e o PSD, que não são centro-direita, são direita. Esses três viraram partidos de negócios, são herdeiros da ditadura, assim como os outros que cresceram. Então, os grandes vencedores das eleições são os partidos de negócio. Tenho dito o seguinte: voltamos ao normal, à situação anterior ao lulopetismo, anterior ao crescimento eleitoral de Lula e do PT. Agora, cabe às esquerdas refazer esse trajeto.

Fábio Lacerda – A marca do segundo turno é, sobretudo, a vitória de partidos de centro e de centro-direita. Nem todos saíram vitoriosos, mas se houve vitoriosos, eles estão nesse campo. O PSDB e o MDB saíram menores dessas eleições e, por outro lado, o PSD, o DEM, o Progressistas e o Republicanos saíram maiores. Esse é um ponto com o qual precisamos ter cuidado porque existem métricas diferentes para considerarmos; ou seja, uma análise meramente quantitativa acerca dos municípios conquistados poderia levar a uma conclusão falsa ou enganosa porque não levaria em conta a importância dessas prefeituras. Existem diferentes métricas de análise: alguns preferem analisar esses dados em termos do tamanho da população das cidades onde cada um dos partidos que ganhou vai governar.

Portanto, pelo que vi até o momento, em termos de dados, considerando a maior parte das métricas, dá para dizer que o MDB e o PSDB perderam prefeituras importantes, mas continuam sendo partidos muito relevantes na dinâmica política. PSD, Democratas, Progressistas e Republicanos saem maiores; os três primeiros, sobretudo. 

A esquerda de modo geral sai enfraquecida e isso é bastante claro, especialmente no caso do PT, depois de anos de declínio. É importante ressaltar um processo de pulverização da política, que ficou mais marcado em 2020, porque os partidos maiores diminuíram e há um conjunto de partidos pequenos e médios disputando espaço, ou seja, a fragmentação partidária não diminuiu.

Na ciência política se discute bastante a alta fragmentação partidária dos legislativos brasileiros. Nos últimos anos houve vários esforços para tentar diminuir a fragmentação e um dos exemplos disso é o fim das coligações para eleições legislativas, que não parece ter tido o fim desejado. O fim das coligações foi um incentivo para que partidos lançassem candidatos próprios para puxar votos para suas bancadas. O fim das coligações para o legislativo pode ter aumentado a fragmentação no sentido de aumentar o número de candidatos para o executivo. De modo geral, a meu ver, temos um cenário de maior pulverização e fragmentação nos municípios maiores. É um cenário bastante incerto, com o crescimento moderado da centro-direita e do centro, mas não de todo o centro, já que PSDB e MDB saem menores.

Sergio Simoni – O determinante e a marca do segundo turno foram as avaliações que os eleitores fizeram dos atuais prefeitos e prefeitas e de ex-prefeitos que concorreram nessas eleições. As avaliações que as pessoas fizeram dos prefeitos acerca de suas ações e políticas foram determinantes para o voto, ainda mais num contexto de pandemia, em que o poder público ganhou mais importância e centralidade. Assim, no caso de capitais ou cidades onde houve segundo turno, os prefeitos que foram bem avaliados tiveram grande chance de reeleição ou de eleger seus sucessores; já aquelas cidades que tinham mandatários mal avaliados, tiveram mais dificuldades. Da mesma forma, ex-prefeitos que concorreram novamente e que haviam sido bem avaliados no passado, conseguiram ter boa votação e performance.

 

Sergio Simoni (Foto: IEA | USP)

 Como você menciona na pergunta acerca do consenso dos analistas em relação à eleição de candidatos de centro-direita e aos ligados a pautas identitárias, acredito que os ligados a pautas identitárias e sociais foram eleitos para o legislativo, que é o locus onde se expressa a diversidade. Dado que no segundo turno só tivemos eleições para o executivo, os partidos de centro-direita continuaram fortes porque são partidos mais enraizados nos municípios, com estruturas mais antigas.

 

A partir do resultado das eleições deste ano, o que é possível vislumbrar para o pleito de 2022?

Altamir Tojal – Olhadas no horizonte de 2022, estas eleições alimentam projeções, mas sempre com grande dose de incerteza. Mas vistas na perspectiva do que vem ocorrendo neste ano, elas podem apontar uma tendência mais segura com relação ao maior desafio político do país que é o futuro do projeto autoritário e destruidor do bolsonarismo. A atitude da sociedade, das instituições e da própria máquina do estado contrariou a posição negacionista de Bolsonaro na pandemia. A blitz contra o Congresso, STF e imprensa foi contida graças à mobilização da sociedade e à reação das instituições. Também houve recuo nos atos antidemocráticos e campanhas de fake news, que viraram caso de polícia. 

O presidente perdeu os seus ministros mais populares, Moro e Mandetta, e auxiliares militares, alguns dos quais passaram a criticá-lo. É verdade que avançou no controle da Polícia Federal e no aparelhamento de outros setores. Mas, há algumas semanas, o próprio comandante do Exército se manifestou contra a politização dos quartéis. Além disso, a derrota de Trump deixa Bolsonaro mais isolado no mundo e mostra o quanto é potente o voto democrático sustentado na mobilização da sociedade. Desde meados do ano, o presidente passou a se socorrer no velho Centrão, que foi um dos vencedores destas eleições e certamente vai vender cada vez mais caro o apoio ao governo e provavelmente não apostará numa investida autoritária de Bolsonaro. Além de ter recuado em várias frentes, o presidente continuará sob pressão das instituições pelas ações antidemocráticas, pela destruição ambiental, pelos desastres administrativos e também pelas acusações a seus filhos. Além disso, não parece ter respostas convincentes para a saída da crise social e econômica provocada pela pandemia.

Benedito Tadeu César – Um enfraquecimento do bolsonarismo. Ficou patente, no primeiro e no segundo turnos, a incapacidade de Bolsonaro de construir um partido que congregue os seus aliados. Eles estão pulverizados, não tem nada que os unifique e eles ficam à mercê da direita de negócios – me recuso a dizer que eles são centro-direita porque essa é uma direita de negócios. A direita de negócios não tem nem vai ter um candidato para 2022, porque ela é muito ruim em termos de propostas e projetos nacionais. Portanto, a direita vai se aliar àquele que, no âmbito da direita ou da centro-direita – estou pensando basicamente no PSDB e agregados –, conseguir aparecer como o mais viável na próxima eleição.

Ciro Gomes, que está tentando conquistar espaço nessa seara, poderá até vir a ser o escolhido por uma parte desses. Se Ciro se mostrar eleitoralmente viável, eles não terão problema em apoiá-lo, assim como fizeram com Lula em 2012. Eles são partidos de negócios e vão continuar fazendo negócios. 

Fábio Lacerda  A meu ver, Bolsonaro continua sendo o principal competidor. Estou dizendo isso tentando ser o mais frio e objetivo possível. Se ele mantiver uma postura pragmática ou tentar ser mais pragmático, hoje, dado o que temos em termos de evidências e do que está posto, ele pode se reeleger em 2022. É claro que os índices de aprovação dele não são muito altos: ele tem uma rejeição razoável e poderia, em tese, em 2022, ser derrotado por uma coalização ampla anti-bolsonarista. Mas isso é na teoria, porque é muito difícil coordenar uma possível coalizão nesse sentido; há muitos problemas aí. Assim como em 2018 não houve coordenação, não é certo que ela ocorrerá em 2022. Só para dar um exemplo do que quero dizer: é difícil colocar a esquerda e o lavajatismo em uma mesma coalizão política contra Bolsonaro. Seria improvável esses atores concordarem a ponto de ficarem juntos.

Mas, ao menos na teoria, também sabemos que os prefeitos costumam atuar como cabos eleitorais dos candidatos e, então, tivemos um crescimento da centro-direita. Se ela se aproximar do governo e estiver com o governo em 2022, isso poderia ser uma vantagem para Bolsonaro. Mas aí teríamos que entender até que ponto um partido como o Democratas ou mesmo o PSD teriam interesse em apoiar Bolsonaro em 2022. Esses partidos, e o que a mídia por vezes chama de Centrão, têm se aproximado do Bolsonaro, mas nem todos. É uma situação incerta.

Sergio Simoni – As relações entre as eleições municipais, estaduais e nacionais são muito indiretas e têm muitas mediações. De todo modo, acredito que a marca que vai determinar a eleição de 2022 será a avaliação das pessoas sobre o que os governos estão fazendo e o que eles deveriam fazer e, dessa forma, vão decidir o seu voto. Esse componente estava muito prejudicado na eleição de 2018, dada a grande crise dos partidos depois da Lava Jato e a situação pós-impeachment. Mas essas questões vão se assentando e as pessoas vão avaliar o que o governo está fazendo e, a partir disso, vão decidir premiá-lo ou puni-lo. Portanto a avaliação das ações do que o governo está entregando é o que vai ser importante para 2022.

 

Quais são as saídas para as mazelas sociais que temos no Brasil, para além da política como a conhecemos? Como vê a proposta de teóricos, como o francês Gaël Giraud, que sugerem uma conversão espiritual e política para realmente transformar as instituições sociais que precisam ser modificadas?

Altamir Tojal – A pandemia é um acontecimento de escala planetária que nos acerca mais da morte e do medo. Talvez não seja lembrada por ter trazido novas mazelas sociais, mas por ter agravado as que já existiam, provocadas pela desigualdade, injustiça e egoísmo. Embora lideranças e a parte da sociedade que as acompanham sigam entrincheiradas na defesa de privilégios, no negacionismo e no obscurantismo, é possível que o vírus tenha levado mais pessoas a enxergarem a insustentabilidade de padrões de consumo, da nossa relação com a natureza e dos rumos da tecnologia e da riqueza que ela produz. O vírus também está mostrando a interdependência e complementaridade do público e privado, o lugar do comum e a importância das redes de solidariedade. Devemos torcer para que isso corresponda a uma sincera e duradoura conversão espiritual e leve a ações políticas transformadoras que passem pela defesa da democracia, liberdade à circulação das pessoas, defesa do meio ambiente e garantia de renda básica

Benedito Tadeu César – Não conheço a bibliografia de Giraud, mas no mundo todo está crescendo o que se chama de economia verde, não consumista e também a proposta de uma desindustrialização para as regiões mais desenvolvidas. Se não houver uma revisão na obsessão de consumo, na concentração de renda, na desregulamentação do trabalho, no desmonte do Estado e na especulação financeira, estaremos construindo o caos. Então, vai precisar, sim, de uma mudança profunda na organização econômica e isso será produto – e essa é uma relação dialética – da nova postura das pessoas. Quanto tempo isso demorará para acontecer, qual será a profundidade disso? É difícil de imaginar e de ter receitas.

A ciência é muito ruim para fazer previsão. A ciência trabalha com evidências, mas a realidade social é muito mais rica do que a nossa capacidade de apreendê-la. Portanto, temos muito mais capacidade de entender aquilo que aconteceu do que prever o que vai acontecer. Por isso é bom estudarmos história, porque ela nos dá condições de evitar os erros passados e a não prever o futuro. Se formos pensar historicamente, existem momentos de caos no mundo e isso é perceptível em todas as vezes em que nos séculos XIX e XX ocorreram grandes concentrações de riqueza como estamos vivendo hoje, com aumento da miséria, agravada pela crise ambiental. Alguma coisa vai ter que acontecer e será muito bom se isso que acontecer implicar também numa conversão espiritual e política.

Fábio Lacerda – Temos que lembrar qual é a estrutura e a gênese do Brasil. A formação do país é marcada pela desigualdade e pela violência, ou seja, pela escravidão. Não dá para esperarmos que o Brasil seja hoje uma Noruega ou vá se tornar uma Noruega nos próximos anos. Se alguém espera isso, é uma expectativa irreal. Mas dada essa gênese, dá para avançarmos e melhorarmos de forma gradual. A Nova República foi marcada por um considerável avanço e melhora – não podemos perder isso de vista. O período que vai da Constituição de 1988 até 2018 foi um período de avanço considerável. Pode ser menos do que todos nós gostaríamos, mas foi um avanço.

O Brasil é um país muito desigual. É trivial e óbvio dizer isso, mas, ao mesmo tempo, parece necessário lembrar essa questão. Em países tão desiguais, sempre haverá muitos indivíduos interessados em votar em partidos com propostas redistributivas mais fortes, como os de esquerda. Vivemos numa situação tal, que se pensarmos em termos econômicos, a mediana dos rendimentos da população está muito à esquerda da média dos rendimentos, ou seja, existem muitas pessoas para quem a redistribuição da renda será benéfica e, enquanto uma situação como essa perdurar, partidos de esquerda vão ter votos porque defendem uma proposta redistributiva mais forte. Claro que não é só isso que conta, mas conta bastante.

O avanço da Nova República pós-88 acabou e estamos passando por um processo de erosão democrática notada por vários pesquisadores e institutos que medem a democracia no mundo. Certamente algumas das variáveis que explicam esse fenômeno são exógenas ou externas e não dizem respeito somente ao Brasil. É claro que devem estar impactando outros países, mas há aspectos da realidade brasileira para os quais temos que atentar. Nesse sentido, temos que voltar ao processo de expansão democrática, de redução das desigualdades e isso exige mudança institucional.

Existem muitas pesquisas em ciência política e em economia política que sugerem o que podemos e precisamos fazer, além de um debate teórico que precisa ser feito. Entre algumas das mudanças institucionais que parecerem relevantes, menciono a necessidade de diminuir o custo das campanhas eleitorais. Esse é um problema que assolou os grandes partidos brasileiros porque o financiamento de campanha acabou sendo um dos aspectos que atingiu duramente PT e PSDB, que eram os partidos que encabeçavam a dinâmica política no Brasil e que estruturavam a política, sobretudo o PT. Um dos baques que o PT sofreu foi o do financiamento das campanhas.

Também é importante estabelecer tetos maiores para o autofinanciamento dos candidatos. Em 2018, com a proibição do financiamento empresarial de campanhas, vimos candidatos com muitos recursos se autofinanciando de formas desiguais. Então, fornecer tetos maiores para o autofinanciamento e incentivar o financiamento feito por pessoa física, com um teto rigoroso, mas que seja pulverizado para que muitos cidadãos possam financiar candidatos e partidos, parece algo desejável. Democratizar os partidos brasileiros também é fundamental, porque eles ainda são pouco transparentes e democráticos. Além disso, é importante avançar em políticas redistributivas.

Com relação à segunda parte da questão, conheço, mas não tanto, a produção de Gaël Giraud. O que posso dizer é que sou católico praticante e acredito profundamente na necessidade de uma conversão espiritual, mas, para efeitos práticos, se é para ela ter efeitos políticos e sociais, é preciso passar, necessariamente, por mudanças institucionais. Temos que alterar os incentivos dos atores, criar uma estrutura de incentivos que contribua na linha das coisas que mencionei: tornar campanhas mais baratas, entre outras coisas, e democratizar os partidos. A dimensão espiritual tem que ser transformada, de alguma forma, em mudanças institucionais de longo prazo e que perdurem.

Sergio Simoni – Não conheço a obra desse teórico, mas acredito que a política é uma expressão bastante genuína do ser humano e ela expressa nossas virtudes e defeitos. A política consegue avançar muito, mas, de fato, ela não consegue tudo, porque uma  parte importante da solução para as mazelas sociais que existem não só no Brasil, mas em qualquer país, exige conversões e mudanças de pensamento que não têm relação direta com a política. 

Se pensarmos a política num sentido amplo, aí sim, podemos abarcar essas conversões, mas pensando a política num sentido restrito, que diz respeito aos partidos, aos políticos profissionais e ao Estado, ainda que tenham muita influência, eles têm um limite para enfrentar essas mazelas. Nesse sentido, outras instituições e dimensões que abarcam as pessoas, particularmente as dimensões espirituais e educacionais, são importantes para fazer essas transformações, mas elas exigem tanto ou até mais esforço e cuidado para fazer a coisa certa, porque também nesse âmbito é possível ter muitos problemas.

Em síntese, diria que a política pensada num sentido restrito, como governo, tem um impacto muito grande nas mazelas sociais, mas é limitada. Esse impacto pode ser reforçado tanto para o bem quanto para o mal, tendo em vista as outras dimensões que conformam as mentes e o comportamento das pessoas, e isso tem a ver com essa dimensão espiritual que você menciona.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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