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Guatemala: A pátria é agora

Ilka Oliva Corado

Tradução:

“A Guatemala não mudará retuitando e bombando nas redes sociais com palavreado que sai da comodidade de estar diante da tela de um computador ou telefone celular, redes sociais as quais pequena parte da população tem acesso.”

Ilka Oliva Corado*

Ilka-Oliva-Corado2Quando Otto Pérez Molina ganhou as eleições, pensei que Guatemala tinha chegado ao fundo, uma sociedade que foi incapaz de processá-lo pelos crimes de lesa humanidade. Levá-lo à presidência foi uma punhalada nas costas dos familiares das vítimas e uma falta à Memória Histórica e à dignidade.

Para mudar a Guatemala não é suficiente sair gritando aos sábados e bater nas caçarolas diante do Congresso
Para mudar a Guatemala não é suficiente sair gritando aos sábados e bater nas caçarolas diante do Congresso

Mantivemos silêncio até que a justiça começou a respirar, uma justiça vilipendiada, desonrada, desaparecida, enterrada nas fossas clandestinas que existem na história guatemalteca. Uma desonrada com a cara de crianças agonizando por fome, de meninas vulneradas no mais puro de seu ser, de camponeses e trabalhadores agrícolas explorados historicamente. De milhares de migrantes que no desamparo da diáspora e no sacrifício das remessas, sonham com o retorno à pátria que os expulsou.

O impossível aconteceu na Guatemala: o genocida Pérez Molina é presidente. Fomos pro fundo.

Pensei que tivéssemos chegado ao fundo, mas pelo contrário, o fim foi que lutaram para ir a uma Assembleia Nacional Constituinte (porque dizer revolução é palavra que não alcançam) e em nome de Deus votaram por Jimmy Morales, que era pior que Pérez Molina, para mascarar o genocídio negando-o e o oportunismo de ultrajar uma vez mais a este solo que tem visto correr tanto sangue. Deslealdade à pátria, à identidade e afinidade à injustiça e a corrupção. Uma personagem dantesca ad hoc a essa parte da sociedade fanática e manipulável, em, nome do ódio.

Dessa sociedade recalcitrante já nada surpreende. É o tapete por onde desfilam os que fazem da fé e da dupla moral as armas mais poderosas para saquear a um povo. Já vimos no que resultou o flamante “nem corrupto nem ladrão”. Já não se pode cair mais fundo, chegamos ao cesso do abismo. É hora de começar a tirar as estacas, de nos levantar, nos pormos em pé pela dignidade coletiva. Guatemala necessita uma revolução. Cortar pela raiz a impunidade, a corrupção, com a raiz da miséria no país.

O momento é este. As revoluções podem ser feitas de muitas maneiras, mas é necessário mudar os padrões. É preciso indignar-se de verdade. É preciso sentir na carne própria o opróbrio que vivem os mais sofridos pelo sistema. Necessitamos dignificar-nos coletivamente. Para mudar a Guatemala não é suficiente sair gritando aos sábados e bater nas caçarolas diante do Congresso.

A Guatemala não mudará retuitando e bombando nas redes sociais com palavreado que sai da comodidade de estar diante da tela de um computador ou telefone celular, redes sociais as quais pequena parte da população tem acesso. Nos convertemos em satisfeitos, em revolucionários de redes sociais que não exige maior esforço que digitar um parágrafo. Compartilhar uma fotografia ou um vídeo, Nesse mundo paralelo à realidade. E com isso pensamos que já demos o nosso quinhão diário de amor à pátria. A pátria que perambula em cada catador, em cada abandonado, em cada jovem encerrado num cárcere porque o Estado o abandonou.

A pátria que chora em cada feminicídio, em cada árvore abatida, em cada rio envenenado. A pátria que chora quando se mutila ecossistemas em nome da mineração e de limpezas sociais. Quando se escarra na cultura e a destrói em nome de convênios e carências.

Uma pátria que tem sido maltratada por nós, uma pátria que não a merecemos. Uns por fazer e outros por desfazer.

Celebrar a impunidade, celebrar a corrupção em nome de religiões de dupla moral nos converte em corruptos igualmente. Ser revolucionários de redes sociais tampouco nos dignifica coletivamente. É pura fachada, nada mais. Aqui a pergunta obrigatória é: 14 milhões de guatemaltecos vão se deixar manipular por 105 deputados e uma gangue criminosa que se disfarça.

 
*Colaboradora de Diálogos do Sul, de território de EUA


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Ilka Oliva Corado Nasceu em Comapa, Jutiapa, Guatemala. É imigrante indocumentada em Chicago com mestrado em discriminação e racismo, é escritora e poetisa

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