O Rio de Janeiro está em guerra. Não uma guerra oficial, com regras e convenções, mas uma guerra civil não declarada, travada nas favelas, becos e vielas da cidade. A ofensiva armada dos últimos dias já deixou ao menos 132 mortos, segundo fontes locais — entre eles, moradores inocentes, agentes de segurança e membros do narcotráfico. Uma tragédia que se repete, mas desta vez em escala ampliada, com uso de drones explosivos, barricadas e fogo cruzado em plena luz do dia.
Nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde quatro agentes da repressão — dois do Bope e dois da Polícia Civil — foram mortos, a resposta do Estado foi avassaladora: ocupação em larga escala, confrontos violentos e dezenas de cadáveres. Os traficantes, por sua vez, resistem com táticas de guerrilha urbana, incendiando veículos, bloqueando as principais artérias da cidade e, pela primeira vez, utilizando drones portando bombas, que provocaram incêndios.
O terror se espalhou: mais de 45 escolas suspenderam as aulas, linhas de ônibus foram desviadas e a população, especialmente a mais pobre, vive em estado de choque. Em meio à tragédia, o governador Cláudio Castro, bolsonarista, declarou que as únicas vítimas da chamada mega Operação Contenção foram os quatro policiais mortos — como se as dezenas de pessoas executadas não fossem dignas de serem contabilizadas como vítimas.

Mas o que essa “guerra” escancara é mais do que a brutalidade da repressão ou a ousadia do crime. Ela revela a cumplicidade estrutural entre setores das forças de segurança e o próprio narcotráfico. Como explicar que esses grupos criminosos operem há décadas, bem armados, financiados e informados, sem que se toque no coração do sistema — o dinheiro? É a lavagem de capital que sustenta a guerra, e essa, o Estado ainda se recusa a combater.
O exemplo de São Paulo nos anos recentes mostra que é possível enfraquecer o crime organizado com inteligência, monitoramento financeiro e ruptura das cadeias de abastecimento. Mas o Rio insiste na lógica da bala: mata-se o soldado, poupa-se o general. Reprime-se a periferia, preserva-se a elite que lucra com o caos.
A política do confronto, que já se provou ineficaz, segue como espetáculo midiático e justificativa para a militarização da vida cotidiana. É o mesmo filme repetido com novos cadáveres. Não se trata de omitir a violência do tráfico, mas de recusar a farsa da solução fácil: metralhar a favela.
Enquanto isso, o Estado, que deveria garantir segurança, educação e saúde, se omite. O que se vê é a barbárie disfarçada de política pública, o abandono institucional e a perpetuação de uma lógica racista e classista que criminaliza a pobreza.
Essa guerra não é contra o tráfico. É contra o povo.





