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ToggleNesta segunda-feira (19), os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos Estados Unidos, Donald Trump, conversaram ao telefone por quase duas horas. Porém, não conseguiram chegar a um acordo sobre um cessar-fogo na guerra da Ucrânia. As versões divulgadas pelos mandatários — no caso do russo, pela televisão do país, e no caso estadunidense, pela rede Truth Social — apontam conclusões distintas sobre o diálogo.
Enquanto isso, o presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, que falou com Trump antes e depois de sua conversa com Putin, afirmou que Kiev e seus aliados europeus não descartam organizar uma cúpula entre Ucrânia, Rússia, Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Europeia para falar do assunto.
Logo após a conversa com Trump, o chefe do Kremlin, a partir da sede de uma nova escola de música em Sochi, às margens do mar Negro, se aproximou dos jornalistas que cobrem a presidência para fazer uma breve declaração.
A parte central da conversa com o chefe do Executivo estadunidense, nas palavras de Putin, “de grande conteúdo e muito franca”, é que “a Rússia vai propor e está disposta a trabalhar com a Ucrânia na elaboração de um memorando sobre um possível futuro tratado de paz, com certas cláusulas como, por exemplo, os princípios do acordo político, os prazos para a eventual assinatura do tratado de paz, etc., incluindo um possível cessar-fogo por um período determinado, caso esse entendimento seja alcançado”. O uso de expressões como “possível futuro”, “eventual” e “caso…” chamou a atenção dos observadores.
Putin: “Estamos no caminho certo”
Sobre as recentes negociações em Istambul, na última sexta-feira (16), quando foi acordada a troca de 2 mil prisioneiros de guerra, mil de cada lado, Putin declarou: “nos dão motivos para crer que, em geral, estamos no caminho certo”, embora, acrescentou, “a questão seja que Rússia e Ucrânia demonstrem o máximo desejo de paz e encontrem fórmulas de compromisso que sirvam a todas as partes”. E concluiu: “A posição da Rússia é clara: o principal para nós é eliminar as causas originárias desta crise”.
Por sua vez, o presidente dos Estados Unidos mostrou-se exultante em sua rede social: “Acabei de encerrar minha conversa de duas horas com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Acho que foi muito boa. Rússia e Ucrânia vão começar imediatamente negociações para alcançar um cessar-fogo e, o mais importante, o FIM da guerra”, enfatizou, ainda que Putin tenha recusado sua principal demanda, declarar um cessar imediato das hostilidades por terra, mar e ar durante 30 dias.
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Para que isso aconteça, segundo Trump, “as duas partes (russos e ucranianos) precisam negociar as condições, como não poderia ser diferente, já que ninguém melhor do que eles conhece os detalhes a serem negociados”.
O presidente estadunidense ficou encantado com o “excelente tom e espírito” da conversa com seu homólogo russo, antecipando: “A Rússia quer comercializar em grande escala com os Estados Unidos quando este catastrófico banho de sangue terminar. É uma enorme oportunidade para que a Rússia crie grandes quantidades de empregos e de saúde. O potencial é ilimitado”.
Trump e Zelensky
Por sua vez, em suas conversas com seu homólogo estadunidense, o líder ucraniano reiterou a disposição de Kiev em declarar um cessar-fogo abrangente de 30 dias e pediu que, se a Rússia não aceitasse, fosse aumentada a pressão contra o Kremlin por meio de sanções econômicas mais severas.
Zelensky declarou à imprensa que não tem conhecimento do memorando mencionado por Putin. “Assim que recebermos o memorando ou a proposta dos russos, estaremos em condições de apresentar nossa visão.”
Por outro lado, segundo ele, Kiev e seus aliados europeus estão promovendo a organização, “o quanto antes”, de uma cúpula que reúna os líderes ucraniano, russo, estadunidense e europeus “na Turquia, no Vaticano ou na Suíça” para impulsionar um acordo político que ponha fim à guerra.
“Se a Rússia não parar com os assassinatos, se não libertar os prisioneiros e os reféns, se Putin for propor condições inaceitáveis, isso significará que a Rússia continua prolongando a guerra e merece que a Europa, os Estados Unidos e o mundo inteiro reajam em consequência, em particular com a aplicação de sanções adicionais. A Rússia deve acabar com esta guerra que ela mesma começou e pode começar a fazê-lo em qualquer dia. A Ucrânia sempre está pronta para a paz”, disse Zelensky no Telegram.
Detalhes sobre a reunião em Istambul
Negociadores da Rússia e da Ucrânia, com a mediação da Turquia, se reuniram na última sexta-feira (16), pela primeira vez nos três anos de guerra recentes, em um mesmo salão do palácio Dolmabahçe, em Istambul.
Sentadas frente a frente, em uma mesa presidida pelo chanceler turco Hakan Fidan — que atuou como moderador do debate —, as delegações, lideradas pelo russo Vladimir Medinsky, assessor do presidente Vladimir Putin, e pelo ucraniano Rustem Umerov, ministro da Defesa, tiveram a oportunidade de expor suas demandas diante do inimigo, conforme mostraram os canais de televisão que cobriram a abertura do evento.
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No entanto, esse primeiro encontro, com duração de uma hora e 40 minutos, resultou em apenas um gesto de boa vontade recíproca: a troca de prisioneiros de guerra sob a fórmula 1.000 x 1.000 — a maior entre os dois países —, embora, segundo especialistas, essa troca esteja longe de incluir todos os militares detidos por ambos os lados.
Segundo os mediadores, o principal resultado deste primeiro contato é que tanto Rússia quanto Ucrânia, apesar de suas notórias diferenças, concordaram em voltar a se reunir em data ainda a ser definida.
Para estabelecer um segundo diálogo, ambas as partes se comprometeram a apresentar por escrito e com detalhes suas visões sobre os requisitos necessários para um cessar de hostilidades. Nas palavras de Medinsky, foi alcançado “um princípio de acordo para trocar planos sobre um eventual cessar-fogo”.
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A partir de tudo o que foi dito pelos negociadores — e também por vazamentos que costumam surgir em atividades como esta, considerando a grande quantidade de envolvidos —, é possível resumir da seguinte maneira o que ocorreu no palácio Dolmabahçe:
Medinsky deixou claro que chegou a Istambul com a missão de sustentar que um cessar de hostilidades não é prioridade enquanto não forem eliminadas o que o Kremlin qualifica como “causas originárias do conflito” — decisões do governo ucraniano que segundo o Kremlin forçaram a Rússia a iniciar a guerra.
Segundo fontes da revista britânica The Economist, o representante russo afirmou que, se essas causas persistirem, a Rússia pode continuar a guerra pelo tempo que for necessário. Supostamente, cogita-se ainda anexar mais duas regiões da Ucrânia, Kharkiv e Sumy, nas fronteiras das quais o exército russo está acumulando tropas para lançar uma possível ofensiva nos próximos meses.
Medinsky exigiu, conforme fontes do canal de televisão ucraniano Suspilny, que Kiev reconheça a Crimeia como parte da Rússia e retire todas as suas tropas das quatro regiões ucranianas que a Rússia anexou. A informação foi corroborada por informantes da agência de notícias britânica Reuters.
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Já Umerov, representa ucraniano, rejeitou categoricamente “as exigências inadmissíveis” — definidas dessa forma, sem especificar a quais se referia, pelo porta-voz da chancelaria ucraniana, Georgi Tiji — e insistiu em cumprir sua principal missão: declarar uma trégua de 30 dias em terra, ar e mar como primeiro passo para seguir discutindo como pôr fim à guerra. Essa posição conta com o respaldo de seus aliados europeus e da administração de Donald Trump.
Kiev, por meio de seus negociadores, também propôs a devolução das crianças ucranianas supostamente levadas para a Rússia contra sua vontade, além da troca de todos os prisioneiros de guerra sem exceção — demandas que o próprio Umerov mencionou na sexta-feira (16) antes mesmo de se dirigir ao local da reunião.
Em declarações ao canal de televisão russo Rossiya-1, Medinsky deu a entender que recusou a proposta ucraniana de cessar-fogo, ao afirmar que “sempre, como dizia Napoleão, as guerras e as negociações de paz são realizadas simultaneamente”.
Diante disso, segundo a imprensa ucraniana, Umerov reiterou a necessidade de preparar uma reunião entre os presidentes, o ucraniano Volodymir Zelensky e o russo Vladimir Putin — proposta que os mediadores turcos apoiaram como possível caminho para avançar nesse ponto de posições irreconciliáveis. O próprio Medinsky confirmou que a parte russa tomava nota desse interesse.
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