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Leonardo Severo Wexell

Homenagens a Jacobo Árbenz destacam apoio de Israel ao genocídio na Guatemala

Eventos destacaram o papel dos EUA na deposição de Jacobo Árbenz e no apoio ao genocídio e terrorismo de Estado na Guatemala
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
Cidade da Guatemala

Tradução:

Após uma semana de concertos e exposições, o povo guatemalteco encerrou com uma festiva marcha nas ruas da capital, mais um período de homenagens ao presidente Jacobo Árbenz, deposto em 27 de junho de 1954 por um golpe da CIA para defender os interesses da United Fruit Corporation (UFCO), a Frutera.

Recordando a covardia dos mercenários que tomaram de assalto o governo, os manifestantes denunciaram no último domingo (30) a abertura de um ciclo de terrorismo de Estado que custou ao país centro-americano mais de 250 mil mortos e desaparecidos, e traçaram um paralelo com o genocídio praticado por Israel na Palestina.

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Apoio de Israel e campos de concentração

“Precisamos lembrar que foi o Estado de Israel quem assessorou o exército da Guatemala para militarizar, praticar os grandes massacres e erguer campos de concentração nas comunidades maias”, afirmou Raul Najera, da organização Filhos e Filhas pela Identidade e a Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio (HIJOS).

Raul Najera, da organização Filhos e Filhas pela Identidade e a Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio, comanda a mobilização na capital guatemalteca

Raul Najera frisou que a Comissão para o Esclarecimento Histórico, apoiada pelas Nações Unidas, ressaltou que entre 1981 e 1983 o Estado da Guatemala cometeu atos de genocídio contra cinco comunidades maias, entre elas o povo Ixil.

Após quatro décadas de silêncio, esta comunidade está sendo ouvida pela Justiça: 256 pessoas testemunham, das quais 174 são mulheres sobreviventes de violência sexual.

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Esclarecimento da verdade e justiça

Entre as entidades de apoio encontra-se o Escritório de Direitos Humanos do Arcebispado (Odhag), que continuou o trabalho de “esclarecimento da verdade” iniciado pelo bispo Juan José Gerardi, brutalmente assassinado na noite de 26 de abril de 1998, dois dias após ter apresentado o informe “Guatemala Nunca Mais”.

O crânio de Gerardi foi destroçado e seu rosto ficou completamente irreconhecível, sendo identificado somente por meio do anel episcopal. Seu crime? Ter contribuído para a investigação e a comprovação de parte das centenas de milhares de crimes durante o período ditatorial.

Na quinta-feira (27), entrevistamos na Casa da Memória o jornalista, escritor e defensor dos direitos humanos Factor Méndez, que assinalou que “foi a intervenção mercenária quem impediu o fortalecimento da democracia e iniciou o período de retrocesso no país”.

Mural “Gloriosa vitória”, do mexicano Diego Rivera, com a contribuição da sua jovem assistente guatemalteca Rina Lazo. No centro, uma bomba com a cara do presidente dos EUA, Dwight Eisenhower, e o mercenário Castillo Armas – com uma bolsa de dinheiro – agradecendo servil ao secretário de Estado dos EUA, Foster Dulles. Também compõem o cenário Allan Dulles, diretor da CIA; o embaixador norte-americano na Guatemala, John Peurifoy, e o arcebispo Rossell y Arellano, abençoando as matanças dos criminosos. À esquerda, aparecem os navios ianques carregados de banana, enquanto os soldados observam a cena. O povo guatemalteco resistindo com homens, mulheres e crianças trucidados ou presos.

Factor apontou que três meses antes de ocorrer aquela ação subversiva, Guillermo Toriello Garrido, o Chanceler da Dignidade de Jacobo Árbenz, denunciou perante a 10ª Conferência Interamericana “a campanha sistemática de difamação que interesses estrangeiros unidos ao feudalismo crioulo desencadearam contra aquela República com o objetivo de destruir as conquistas sociais da revolução”, assim como “as inúmeras ameaças que culminaram na campanha a favor da intervenção unilateral ou coletiva para derrubar o regime democrático”.

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Conspiração capitalista da United Fruit

O ativista de direitos humanos, que conseguiu se salvar de três atentados, relembrou os presentes dos “antecedentes dos interesses capitalistas e dos irmãos Allen e John Foster Dulles”.

“Os principais conspiradores eram ambos acionistas da United Fruit: John chefiou o Departamento de Estado e Allen foi diretor da CIA. O terceiro ator foi o embaixador dos EUA na Guatemala, John Emil Peurifoy, encarregado de coordenar as ações com a CIA e os ditadores da região, que apoiaram o plano sedicioso contra o governo constitucional e democrático da Guatemala: Anastasio Somoza García, da Nicarágua; Tiburcio Carías Andino, de Honduras; o dominicano Rafael Leónidas Trujillo e o venezuelano Marcos Pérez Jiménez.”

Avião pilotado por mercenário estadunidense

“Sobre quem pouco se sabe, nada se fala e ninguém quer lembrar”, assinalou Factor, é o “Sulfato”. “Aliás, não tem relação com sais medicinais para aliviar doenças estomacais ou purgantes”.

“Refiro-me ao único avião de combate, um P-51D Mustang, pertencente à Força Aérea dos EUA, pilotado pelo mercenário americano Jerry Delarm, utilizado pelos invasores para bombardear a cidade, metralhar alvos militares e semear o terror entre a população.”

“Quando o Sulfato apareceu sobrevoando a cidade, o medo se espalhou e todos buscaram refúgio, seja nas vias públicas, nas igrejas ou nas residências para se protegerem de um possível ataque.”

“Talvez em algumas pessoas o susto tenha causado outros efeitos, razão pela qual a engenhosidade popular o batizou de ‘Sulfato’. Faça você sua própria dedução.”

Raízes dos ataques e monopólios estrangeiros

O chanceler Guillermo Toriello Garrido demonstrou as raízes dos ataques. “As respostas são simples e evidentes: o plano de libertação nacional que está realizando com firmeza meu governo teve de afetar os privilégios das empresas estrangeiras que estavam freando o progresso e o desenvolvimento econômico do país”.

“Com a rodovia do Atlântico, além de comunicar as zonas importantes de produção que atravessa, estamos rompendo o monopólio do transporte interior até os portos que agora têm as Ferrovias Internacionais da América Central (empresa controlada pela UFCO).”

“Facilitaremos assim à nação acrescentar e diversificar seu comércio exterior através do uso de mais transportes marítimos distintos da Frota Branca, também pertencente à United Fruit que, pelo momento, também controla este instrumento essencial de nossas relações comerciais internacionais.”‘

“Com a realização do plano de eletrificação nacional, colocaremos fim ao monopólio estrangeiro da energia elétrica, força indispensável para nosso desenvolvimento industrial, detido pela carestia, a escassez e as deficiências distributivas desta importante linha de produção.”

“Com a reforça agrária, estamos liquidando os latifúndios, inclusive os da mesma United Fruit Compay. Numa política de dignidade, nos negamos a ampliar as concessões desta companhia. A condicionamos ao respeito a nossas leis, aos investimos e temos recobrado e mantido uma absoluta independência em nossa política exterior.”

Reiterados ataques à soberania

Quando a ocasião requeria, esclareceu o chanceler, a Frutera simplesmente suspendia os serviços marítimos e as escalas nos portos da Guatemala, como medida de “coação” para ganhar posição no “mercado”.

“Depois das 20 horas, toda Guatemala, inclusive o governo, ficava privado de comunicação telefônica internacional, porque assim determinava a empresa. A EEGSA (Empresa Elétrica da Guatemala Sociedade Anônima) – subsidiária da Eletric Bond and Share – podia impor ao seu prazer as tarifas preferenciais, violando as disposições que o proibiam”, esclarece o chanceler, demonstrando a que nível chegava a submissão dos governos títeres.

Assim, a promulgação da Constituição de 1945, do Código de Trabalho e da Lei de Segurança Social representaram ações de enfrentamento do governo de Árbenz aos que violavam costumeiramente as leis do país.

Imensas zonas de plantação de banana da UFCO vinham sendo subtraídas da soberania da Guatemala, nas que exercia “poder de polícia e justiça particulares”, explica o chefe de Gabinete de Árbenz, Alfonso Solórzano, sempre “combinando a pressão diplomática e a ameaça militar com a corrupção e a repartição de alguns benefícios marginais”.

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Lei de reforma agrária de Jacobo Árbenz e  o impacto na população

Diferentemente dos governos serviçais, Árbenz fez cumprir a lei de reforma agrária, que determinava que deveria ser pago em compensação pelas terras ociosas expropriadas o mesmo valor que seus proprietários haviam declarado ao fisco.

Desta forma, ainda que não fosse essa a sua finalidade, a aplicação da lei também se convertia numa justa sanção, numa bomba no colo da UFCO. Prontamente o governo dos EUA lançou uma nota alertando que tal decisão tornaria “impossível a continuidade das operações da United Fruit Company”.

Para se ter uma ideia da importância desta lei e de seu impacto na melhoria da qualidade de vida da população, o censo agropecuário de 1950 aponta que os pequenos camponeses com extensões menores de 3,5 hectares – a maioria deles na qualidade de simples arrendatários – representavam 72% da soma dos produtores agrícolas, possuindo em seu conjunto somente 9% da superfície total das terras.

Por outro lado, 2% dos proprietários concentravam 78% das terras. Um ano e meio após a aplicação da reforma agrária, um quarto das terras já havia sido distribuída conforme os critérios de “função social” da propriedade, começando a virar a página da “dependência semicolonial e semifeudal”.

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Neste momento, empenhado em resgatar a memória, a verdade e a justiça, o povo guatemalteco busca reencontrar sua trajetória, virar a página e reconstruir o futuro pelo qual Árbenz tanto lutou.

*A reprodução deste conteúdo é livre e gratuita, desde que citadas a fonte e a lista de entidades apoiadoras da cobertura: Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Federação dos/as Trabalhadores/as em Empresas de Crédito de São Paulo (Fetec-SP) e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Construção e do Mobiliário de Araraquara (Sticma)


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Leonardo Wexell Severo

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