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Foto: Jens Schott Knudsen / Flickr

Indocumentados são vitais à economia dos EUA; deportações vão levar país à paralisia

Diversos setores da economia dos EUA, sobretudo serviços e construção, estão alarmados com as ameaças de deportação de Trump; dados mostram que o país precisa de mais, e não de menos imigrantes
David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Logo após o anúncio do presidente eleito Donald Trump, há duas semanas, de que Tom Homan seria seu “czar fronteiriço”, encarregado do plano para deportar milhões de imigrantes indocumentados, o recém-nomeado apareceu em um programa de televisão local no norte do estado de Nova York, onde foi criado. Uma das primeiras perguntas feitas a ele foi: o que acontecerá com todos os trabalhadores das fazendas leiteiras? Sua resposta imediata foi que algo seria feito para protegê-los – exatamente a área que ele havia acabado de ser encarregado de liderar, a deportação.

As deportações em massa levarão a um aumento nos preços dos alimentos. A maioria desses trabalhadores são mexicanos, muitos deles indocumentados. Essa mesma preocupação está sendo levantada sobre trabalhadores sem documentação em outros setores nos Estados Unidos, enquanto Trump garante que, desde seu primeiro dia de governo, começará a cumprir sua promessa de deportar os 11 milhões de imigrantes indocumentados do país.

Isso forçará agricultores a não colherem suas plantações, pode levar ao fechamento de até metade dos restaurantes no país e deixar potencialmente centenas de milhares de idosos sem assistência – e essas são apenas algumas das consequências. O impacto macroeconômico, segundo o cálculo do American Immigration Council, será uma redução no PIB entre 1 e 2 trilhões de dólares.

A Câmara de Comércio dos Estados Unidos reiterou que os imigrantes são uma parte vital da maior economia do mundo e que, de fato, os Estados Unidos precisam de mais imigrantes para lidar com os efeitos de uma população envelhecida e uma queda na taxa de natalidade. “Atualmente, os dados mais recentes mostram que temos 8 milhões de ofertas de trabalho nos Estados Unidos, mas apenas 6,8 milhões de trabalhadores desempregados… Temos muitos empregos, mas não trabalhadores suficientes para ocupá-los. Mesmo que cada desempregado no país encontrasse um emprego, ainda teríamos milhões de vagas em aberto”, escreveu Stephanie Ferguson Melhorn, diretora de Políticas de Força de Trabalho e Trabalho Internacional da Câmara de Comércio, em novembro de 2024.

Os números são claros. O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) – agência oficial do poder legislativo para pesquisas – e a Reserva Federal publicaram estimativas concluindo que um aumento na imigração – tanto autorizada quanto indocumentada – teve um impacto extremamente positivo na economia dos Estados Unidos. Se essas tendências não continuarem, relata o CBO, em 10 anos os Estados Unidos poderão perder quase 9 trilhões de dólares de seu PIB, incluindo 1,2 trilhão de dólares em receitas fiscais para o governo federal.

O professor Raúl Hinojosa, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, que estuda há décadas as relações econômicas entre Estados Unidos e México, oferece dados ainda mais específicos: “em 2022, trabalhadores nascidos no exterior contribuíram com 3,83 trilhões de dólares ao PIB do país e geraram 7,32 trilhões de dólares em produção econômica total. Trabalhadores estrangeiros autorizados foram responsáveis por 2,56 trilhões de dólares no PIB e 4,89 trilhões em produção, enquanto os trabalhadores estrangeiros não autorizados responderam por 1,28 trilhão de dólares no PIB e 2,44 trilhões em produção”.

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De acordo com estimativas do Instituto de Políticas Migratórias (MPI, na sigla em inglês), os mexicanos são o maior grupo de imigrantes não autorizados, representando 45% do total de 11,3 milhões de pessoas sem status legal em 2022. Entre eles, 5,1 milhões são mexicanos indocumentados – uma cifra que caiu 34% desde 2007.

Esses 5,1 milhões de mexicanos indocumentados representam aproximadamente metade dos 10,9 milhões no total de pessoas nascidas no México que vivem nos Estados Unidos. A diáspora mexicana nos EUA, que inclui tanto pessoas nascidas no México quanto cidadãos estadunidenses que afirmam ter ascendência ou origem mexicana, é estimada em 38,8 milhões de pessoas.

Mais da metade dos imigrantes mexicanos nos Estados Unidos residem na Califórnia ou no Texas. Los Angeles, Chicago, Houston, Dallas, Riverside, Phoenix, San Diego, Nova York e São Francisco são as nove cidades com as maiores populações mexicanas.

Segundo o MPI, os imigrantes mexicanos têm menos probabilidade de dominar o inglês em comparação com o conjunto da população estrangeira nos Estados Unidos. Os adultos mexicanos apresentam taxas mais baixas de escolaridade em relação às populações nativa e estrangeira em geral. Ainda assim, como os imigrantes em geral, os nascidos no México participam da força de trabalho em maior proporção que os cidadãos nativos dos Estados Unidos e são mais propensos a trabalhar nos setores de serviços; recursos naturais, construção e manutenção; e produção, transporte e movimentação de materiais.

Todos esses números são estimativas, mas é inquestionável que há dezenas de milhões de trabalhadores estrangeiros nos Estados Unidos – sendo os mexicanos o maior grupo –, com impacto econômico medido não em bilhões, mas trilhões de dólares.

Enquanto Trump considera planos para deportar milhões, as indústrias que dependem desses trabalhadores estão emitindo graves advertências sobre o futuro. “A deportação em massa agravará as carências de mão de obra, especialmente em setores que dependem fortemente de trabalhadores imigrantes indocumentados”, comentou Nan Wu, diretora de pesquisas do American Immigration Council, em entrevista à CNBC. Ela calcula que a indústria da construção perderá um em cada oito trabalhadores. E acrescentou: “Remover tantos trabalhadores em um curto período aumentará os custos de construção e causará atrasos na construção de novas moradias, tornando a habitação ainda mais cara em muitas partes do país”.

O maior impacto pode ocorrer no preço dos alimentos. “A cadeia alimentar depende de uma força de trabalho predominantemente imigrante para algumas de suas tarefas mais difíceis, como colheita de frutas, aplicação de pesticidas nas plantações e operação de máquinas”, relatou o Wall Street Journal. “Cerca de dois terços dos trabalhadores nas fazendas de cultivo nasceram no exterior e 42% não estão legalmente autorizados a trabalhar no país, segundo um relatório do Departamento de Trabalho”.

Os imigrantes, especialmente os indocumentados, representam cerca de um terço da força de trabalho que cuida de idosos nos Estados Unidos. Estima-se que 142 mil imigrantes indocumentados trabalham como cuidadores infantis, assistentes pessoais e domésticos, de acordo com o Nikaen Center, em Washington.

Alguns negócios terão de fechar. Sam Sánchez, empresário do setor de restaurantes e presidente da Third Coast Hospitality, originário de Nuevo León e residente em Chicago, teme que até metade dos restaurantes nos Estados Unidos sejam forçados a encerrar atividades sem trabalhadores indocumentados. “Se forem deportados, esses restaurantes fecharão, e teremos uma perda massiva de receita, além de uma queda econômica significativa”, disse Sánchez ao Financial Times. “Acreditamos que o presidente Trump, como empresário, entenderá isso. Temos bons trabalhadores e queremos garantir que continuem empregados”.

Trump e sua equipe enfrentarão um problema sério em sua abordagem anti-imigratória. Até seu próprio czar fronteiriço sabe disso: este país não pode funcionar sem eles.

Tequila e guacamole, parte da cultura estadunidense

A menos de 20 quadras do Capitólio dos Estados Unidos, o local onde serão redigidas as leis para selar a fronteira e expulsar “ilegais” assim que Donald Trump assumir o poder em janeiro, um anúncio em uma loja diz “Mexican Food”, e dentro há prateleiras com feijões vermelhos e pretos, papaias, chile guajillo, morita e ancho, entre outros ingredientes da vasta gastronomia mexicana – e isso em uma cidade que nem está entre aquelas com as maiores populações de mexicanos. Mas, como em todo o país, o México é parte da cultura cotidiana e, nem se fale, da economia dos Estados Unidos.

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Molhos mexicanos superaram o ketchup como tempero favorito nas últimas três décadas, e se vende mais tequila do que uísque (até mais tequila do que no México). No ano passado, no quase sagrado dia do Super Bowl, os estadunidenses consumiram 54 milhões de abacates, a maior parte em guacamole (ou “guac”), com 81% desse produto importado do México. Ao redor dos Estados Unidos, mesmo em pequenas comunidades como Kennett Square, na Pensilvânia – onde mexicanos são a principal força de trabalho na chamada capital dos cogumelos –, é possível encontrar Coca-Cola mexicana, anunciada com orgulho, pois especialistas dizem que é a melhor por ser feita com açúcar de cana, e não com frutose, como nos EUA.

A área metropolitana de Los Angeles, com uma população de mais de 2 milhões de mexicanos, é a segunda maior cidade mexicana do mundo, depois da Cidade do México. Quase um quarto de todos os mexicanos – cerca de 39 milhões de uma população total de 167 milhões, que inclui tanto imigrantes quanto descendentes de gerações que se identificam como de herança mexicana – vive nos Estados Unidos.

Resistência e liderança

Eles não são apenas residentes, e muito menos apenas vítimas; são protagonistas de uma transformação que envolve os dois países que compartilham uma fronteira – algo que ainda não é bem compreendido no México, embora a direita estadunidense reconheça isso como uma ameaça existencial para o país.

“Há um enorme vácuo no entendimento da longa trajetória de resistência dos mexicanos nos Estados Unidos e de sua capacidade não apenas de sobreviver, mas de liderar as lutas mais progressistas no país”, explicou Gaspar Rivera Salgado, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles. “Do México, temos uma visão dos migrantes como monocromáticos, como vítimas deste império. E é só isso. A imagem termina aí. Pobres migrantes que morrem na fronteira. Pobres migrantes que são alvo das políticas anti-imigrantes de Trump… Nem sequer imaginam que existe uma resistência em níveis organizacionais complexos.”

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Na outra ponta do país, na Flórida, está a sede da Coalizão de Trabalhadores de Immokalee (CIW), uma organização social fundada por mexicanos indocumentados junto com seus pares guatemaltecos e caribenhos. Essa organização transformou as condições de trabalho nos campos agrícolas dos Estados Unidos e outros países. A CIW organizou sua Campanha por Comida Justa em 12 estados, elevando os salários de pelo menos 20 mil trabalhadores rurais e, pela primeira vez, estabelecendo normas de trabalho, incluindo a erradicação de abusos e do assédio sexual contra mulheres. De fato, o movimento #MeToo em Hollywood solicitou uma consulta para aprender com essa experiência.

“Não queríamos apenas estabelecer nossos direitos humanos, queríamos também aplicá-los”, explicou Lucas Benítez, imigrante de Guerrero e cofundador da CIW. Para isso, buscaram alianças com consumidores, exigindo que grandes empresas compradoras aceitassem apenas contratos para “comida justa” – produtos cultivados sob normas estabelecidas por acordos entre essas empresas, os produtores e a CIW. Esses acordos estabelecem padrões e mecanismos para aplicá-los, assegurando os direitos humanos de homens e mulheres em toda a cadeia de suprimentos.

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Com o apoio de aliados estudantis, religiosos e trabalhistas, a CIW conseguiu fechar acordos com empresas como McDonald’s, Burger King, Taco Bell, Subway, Walmart e Whole Foods, entre outras. Ao mesmo tempo, seus esforços libertaram milhares de trabalhadores de condições análogas à escravidão na Flórida e em outros estados.

No coração do Texas, organizadores socialistas em grandes cidades desse vasto estado se reúnem para traçar estratégias e planejar esforços de solidariedade. “O Texas é uma das nossas maiores seções estaduais”, explica Kristian Hernández, organizadora dos Socialistas Democráticos da América (DSA, na sigla em inglês) e membro do comitê executivo nacional da organização. Filha de pais oriundos de Guanajuato, ela destaca que há seções em Dallas, Austin, Houston, no Vale do Rio Grande e em San Antonio, além de estarem reconstruindo a seção de El Paso. Embora Trump tenha vencido as eleições este ano, o DSA permanece uma organização progressista com 60 mil membros em todo o país, com seções nos 50 estados.

Presença cultural e resistência cotidiana

Mas o México e os mexicanos – assim como gerações de descendentes – estão em praticamente todos os cantos dos Estados Unidos. Em Milwaukee, Wisconsin, onde os republicanos realizaram sua convenção nacional com incessante retórica anti-imigrante e anti-mexicana, há uma comunidade de cerca de 100 mil mexicanos. De lá, uma linha de ônibus oferece viagens diárias conectando comunidades mexicanas em Milwaukee, Chicago e Charlotte a San Luis Potosí, Guadalajara e Morelia, sob o lema “unindo famílias no México e nos Estados Unidos”. Nas proximidades, um grande supermercado mexicano oferece quase todos os produtos típicos e os melhores tacos da região.

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Em Chicago, onde o Partido Democrata realizou sua convenção neste verão, a cultura mexicana está presente por toda a cidade – da gastronomia aos murais, das artes plásticas à música. Há até estátuas de Benito Juárez no centro, o Museu Nacional de Arte Mexicana, federações e clubes de migrantes, além de bairros mexicanos como Pilsen e La Villita. A “mexicanização” de Chicago tem uma história complexa, nutrida por décadas de imigração de estados como Michoacán, Guanajuato e Jalisco, a ponto de hoje uma em cada cinco pessoas na cidade se identificar como mexicana.

Contra abusos e exploração

Imigrantes mexicanos e suas contrapartes de outros países enfrentaram uma longa história de ataques, abusos e exploração, muito antes do surgimento de Trump. Há 25 anos, Omaha, em Nebraska, foi um dos centros do debate nacional sobre imigração mexicana, oferecendo lições valiosas para o presente.

As autoridades migratórias implementaram a Operação Vanguard, o programa mais bem-sucedido para expulsar milhares de trabalhadores mexicanos indocumentados da indústria de processamento de carnes. No entanto, o sucesso foi tal que empresários e produtores agrícolas protestaram pela perda de cerca de 25% da força de trabalho. A pressão foi tamanha que os mesmos políticos estaduais e federais que clamaram por medidas anti-imigrantes pediram a suspensão do programa, que foi encerrado meses depois.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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