Conteúdo da página
ToggleEmpresários, legisladores republicanos, agricultores, sindicalistas e membros de diversos setores acordaram na manhã da última quarta-feira (5) diante da realidade inesperada de que as anunciadas tarifas do presidente Donald Trump, que muitos supunham serem apenas táticas de negociação, se tornaram uma realidade.
Imediatamente, as medidas provocaram a queda dos mercados financeiros, além de críticas e incerteza em diversos ramos industriais transnacionais. Grandes setores da cúpula econômica dos Estados Unidos, por sua vez, expressaram sua desaprovação e alertaram que as tarifas geram incerteza e alarme no setor privado.
Ao que parece, esses alertas de diversos setores empresariais e a queda nas bolsas de valores obrigaram o secretário de Comércio, Howard Lutnick, a oferecer as primeiras indicações públicas de que seu chefe poderia reconsiderar a aplicação das tarifas, e que poderia haver algum anúncio de um “alívio”, embora tenha descartado uma “pausa” nas tarifas impostas ao México e ao Canadá a partir do primeiro minuto da terça-feira(4).
A decisão de impor tarifas surpreendeu a muitos. “Essas ameaças, no final das contas, não eram necessariamente táticas de negociação, mas uma mudança real de política, o que sugere que o objetivo final nos Estados Unidos é afastar nossos parceiros comerciais, Canadá e México, com o propósito, talvez, de tentar incentivar investidores a vir para os Estados Unidos e investir aqui, em vez de no Canadá e no México”, comentou Eric Farnsworth, vice-presidente da Americas Society. Ele acrescentou: “A pergunta é, primeiro: o que acontecerá? E segundo: qual será o impacto?”
Até republicanos desaprovam “tarifaço”
Até mesmo alguns membros do partido do presidente ousaram expressar sua desaprovação. O senador republicano Rand Paul comentou que “as tarifas são simplesmente impostos. Antes, os conservadores estavam unidos contra novos impostos. Taxar o comércio resultará em menos comércio e preços mais altos”. Enquanto quase todos os republicanos se recusaram a criticar publicamente as tarifas – não ousam desafiar seu líder na Casa Branca –, em privado, foi relatado que vários expressaram preocupação. “Republicanos se contorcem com as tarifas de Trump ao chegarem a seus estados”, foi o título de uma reportagem do portal Politico. De Fato, essas medidas terão efeitos adversos em muitos de seus distritos.
A indústria automotiva, que prevê sofrer danos econômicos significativos se as tarifas permanecerem, expressou alarme: “Nossos fabricantes de automóveis americanos não deveriam ter sua competitividade minada por tarifas que aumentarão o custo de construir veículos nos Estados Unidos e frearão investimentos na força de trabalho estadunidense”, declarou Matt Blunt, presidente do Conselho de Política Automotiva Americana, que representa os três grandes fabricantes de automóveis dos Estados Unidos: Ford, General Motors e Stellantis.
Chegou a hora de os EUA se tornarem um laboratório fascista, alerta historiadora
“As tarifas terão um enorme impacto negativo sobre a indústria automotiva e a economia em geral”, comentou Sam Abuelsamid, vice-presidente de pesquisas de mercado da Telemetry Insights, ao Detroit Free Press. “Há até 30 mil peças que compõem um veículo moderno, muitas delas cruzam fronteiras várias vezes… cada vez que uma dessas peças cruza a fronteira, a tarifa é paga pelo importador, não pelo país que está exportando o produto”, explicou.
Agricultores também expressaram alarme com as novas tarifas e a ameaça de mais tarifas sobre produtos agrícolas nas próximas semanas. Corey Roesenbusch, chefe do Instituto de Fertilizantes, pediu ao governo de Trump na terça-feira (4) que criasse uma exceção para as importações de fertilizantes para os Estados Unidos. “Restrições a esse comércio transfronteiriço elevarão os preços para os agricultores, o que, por fim, poderá ser repassado aos consumidores nas lojas de alimentos”, comentou.
Na contramão, sindicalista elogia Trump
Mas nem todos estavam descontentes. “Estamos satisfeitos em ver um presidente americano tomar uma ação agressiva para acabar com o desastre do livre comércio que foi lançado como uma bomba sobre a classe trabalhadora”, declarou o sindicato nacional automotivo (UAW). O sindicato, encabeçado por uma liderança progressista e que foi crítico de Trump no passado, acrescentou:
“Por 40 anos, vimos os efeitos devastadores do chamado ‘livre comércio’ sobre a classe trabalhadora. As empresas promoveram uma corrida incessante para o fundo, ao eliminar bons empregos industriais nos Estados Unidos para explorar trabalhadores pobres em outros países e pagar-lhes salários de miséria”.
Crise constitucional? Para Casa Branca, abusos de Trump expressam “vontade do povo”
Farnsworth, da Americas Society, afirmou que “o comércio se ajustará, as cadeias de suprimentos se adaptarão, mas o que será muito difícil recuperar será a confiança de nossos principais parceiros comerciais e aliados, não apenas na América do Norte, mas em todo o mundo”.
Enquanto isso, o secretário de Comércio, Howard Lutnick, insistiu, também na terça-feira (4), que as tarifas de 25% impostas hoje podem ser suspensas se o México frear o fluxo de fentanil para os Estados Unidos. “Esperamos que o México entenda que isso não é uma guerra comercial, mas uma guerra contra as drogas”, comentou na CNBC. “Eles fizeram um bom trabalho na fronteira, mas não pararam o fentanil”. No entanto, pouco depois, ele pareceu estabelecer uma meta quase impossível para medir o sucesso nessa área a curto prazo: “Precisamos ver reduções significativas nas autópsias de mortes por opioides”, disse.
Guerra comercial começará em 2 de abril
Além disso, Lutnick deixou claro que a guerra comercial começará em 2 de abril: é “quando reajustaremos o comércio. Queremos que a fabricação de automóveis retorne a Michigan, retorne a Ohio. O USMCA (T-MEC) prejudicou Michigan… e Ohio, e em 2 de abril vamos recuperar esses carros, recuperar esses grandes empregos”.
Mas, com o atual governo dos Estados Unidos, tudo pode mudar a qualquer momento, e o próprio Lutnick, poucas horas após seus comentários iniciais, ofereceu outra mensagem e esboçou algum tipo de “alívio” nas tarifas sobre o México e o Canadá, que Trump poderia anunciar já na quarta-feira (5).
México: ato de Sheinbaum ratifica unidade nacional, rejeita neoliberalismo e desafia Trump
“Mexicanos e canadenses estiveram no telefone comigo o dia todo, tentando demonstrar que farão mais, e o presidente está ouvindo, porque… ele é muito, muito justo e razoável”, afirmou em entrevista à Fox News.
Ou seja, se não é pelo fentanil, as tarifas são por carros, ou por algum acordo intermediário, tudo o que não acalma a incerteza nos mercados financeiros, nas fazendas e nas empresas industriais.
Justiça dos EUA adere a lobby armamentista
A demanda do governo do México acusando o fabricante de armas Smith & Wesson e a distribuidora de armas Interstate Armas de traficar armas para cartéis no México foi tema de quase duas horas de audiência na Suprema Corte dos Estados Unidos, mas o interrogatório de vários dos nove juízes pareceu indicar que apoiarão a solicitação das empresas para descartar o processo mexicano.
Os argumentos orais realizados na terça-feira (4) sobre o caso têm o objetivo de oferecer aos juízes as informações necessárias para determinar se apoiarão ou não o pedido da Smith & Wesson para descartar completamente a demanda ou permitir que um tribunal inferior prossiga com o caso apresentado pelo México. Espera-se uma decisão no início do verão.
Sem provas, Marco Rubio volta a alegar que carteis controlam governos no México
A demanda civil interposta pelo México há quatro anos contra várias fabricantes de armas estadunidenses, responsabilizando-as por alimentar a violência armada dos cartéis de drogas no México e solicitando 10 bilhões de dólares em danos, havia avançado nos tribunais até que Smith & Wesson e Interstate Armas, duas das empresas acusadas, recorreram à Suprema Corte para interromper e descartar o caso.
Catherine Stetson, advogada que representou o México, afirmou que essas duas empresas “forneceram deliberadamente armas ao mercado ilegal mexicano, vendendo-as por meio de um pequeno número de comerciantes que sabem que comercializam grandes quantidades de armas [utilizadas] em crimes e que, repetidamente, vendem a granel para traficantes de cartéis”. Acrescentou que, neste momento, a questão não é se cada aspecto do caso apresentado pelo México é verídico, mas se ao México deve ser oferecida a oportunidade de comprovar sua alegação.
A maior conspiração criminosa da história
Noel Francisco, advogado dos fabricantes de armas, respondeu: “se o México estiver certo [em suas alegações], então todas as organizações de segurança pública dos Estados Unidos não detectaram a maior conspiração criminosa da história operando diante de seus olhos, e a Budweiser [empresa cervejeira] seria responsável por todos os acidentes causados por menores de idade que bebem, dirigem embriagados e se envolvem em colisões”.
As leis estadunidenses concedem amplas proteções aos fabricantes de armas contra esse tipo de demanda, mas essas proteções não se aplicam se eles tiverem conhecimento de que seus produtos estão sendo distribuídos de maneira que resulte em violações da lei. No entanto, durante quase duas horas de questionamentos incisivos, tanto juízes da maioria conservadora quanto da minoria liberal expressaram ceticismo quanto à capacidade do governo mexicano de comprovar seu caso sob as leis atuais dos Estados Unidos.
Assine nossa newsletter e receba este e outros conteúdos direto no seu e-mail.
A juíza liberal Elena Kagan destacou que a demanda do México não especifica quais são os comerciantes de armas que o fabricante e o distribuidor estão ajudando, segundo o processo. “A quem estão ajudando nesta demanda?”, perguntou. Outra juíza liberal, Ketanji Brown Jackson, sugeriu em seus questionamentos que as leis estadunidenses não permitem esse tipo de demanda.
Entretanto, as decisões dos juízes nem sempre são fáceis de prever nessas audiências e, por ora, será necessário aguardar alguns meses por um veredicto. Ao mesmo tempo, o fato de o caso ter chegado à Suprema Corte permitiu que a demanda sem precedentes do México ganhasse maior visibilidade nos Estados Unidos, com vários meios de comunicação nacionais repercutindo a notícia.
La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.