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Donald Trump (Foto: Gage Skidmore / Flickr)

“Insurgente”: Trump fantasia campanha eleitoral fascista de movimento popular

Discursos de Trump projetam o republicano como "anti-status quo" para seduzir o eleitorado que não confia mais nas instituições democráticas dos EUA
Jim Cason, David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

É curioso como Trump conseguiu se projetar como “o insurgente” e caracterizar sua campanha não como mais uma candidatura do Partido Republicano, mas a liderança de um grande movimento popular, algo que ele projeta em todos os seus eventos. E a “insurgência” é contra o status quo em Washington, agora representado por Harris e seu chefe Biden (embora o presidente tenha ficado quase invisível nos últimos três meses), e com isso, ele conseguiu manter um apoio popular espetacular de uma população que, segundo as pesquisas, não confia nas principais instituições democráticas do país, incluindo a cúpula política, e muitos, como trabalhadores industriais em estados-chave e agricultores, sentem-se traídos pelo governo e pelos democratas que dizem representá-los. Para alguns especialistas em movimentos nacionalistas de direita, Trump cada vez mais se encaixa na descrição clássica do fascismo.

Diante disso, o argumento mais efetivo contra o republicano não é necessariamente promover um voto para Harris, mas um voto massivo anti-Trump. Esse é a mensagem de todo um coro de líderes políticos e ativistas liberais e progressistas. O senador Bernie Sanders – ainda o político eleito mais popular entre os jovens eleitores – e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez realizaram eventos de apoio a Harris em Wisconsin e na Pensilvânia, com Sanders enviando mensagens a setores progressistas e jovens que podem definir o resultado se participarem. Destacando que eles também têm diferenças com Harris sobre migração, a cumplicidade na guerra contra os palestinos e questões ambientais, afirmam, como Sanders repete em cada evento, que “Trump e seus amigos de direita são piores”. Sanders insiste que não se pode reduzir isso a um único tema, e enfatiza que em áreas como direitos das mulheres, mudanças climáticas e racismo, “Trump seria um desastre para o país. Trump tem que ser derrotado”.

Neste sábado (2), na Pensilvânia, Sanders encabeçou um ato de apoio a Harris, mas cuja mensagem não foi centrada nela, mas sim como um convite “ao movimento para ampliar os direitos dos trabalhadores e enfrentar os planos de Trump para desmantelar o poder dos trabalhadores neste país. É hora de construir uma economia que funcione para todos”.

Esse tipo de mensagem sobre os temas, não necessariamente sobre a candidata, também é projetado por líderes de movimentos de direitos da mulher, defesa das liberdades civis e dos imigrantes, organizações pelo controle de armas, direitos da comunidade LGBTQ+, especialistas em relações exteriores e assuntos militares (vale lembrar que ex-generais que trabalharam com Trump, incluindo o então chefe de gabinete e o chefe do Estado-Maior, o denunciaram como irresponsável, perigoso e autoritário), além de ambientalistas, entre outros.

Essa mensagem tem sido repetida, com maior credibilidade que os políticos, por estrelas da cultura, do esporte e de movimentos sociais, alguns dos quais têm acompanhado a candidata democrata, outros participando como parte da resistência contra Trump, entre eles Bruce Springsteen, Beyoncé, George Clooney, Jennifer Lopez, Mark Ruffalo, Don Cheadle, Stephen Curry, Stevie Wonder, Los Tigres del Norte, o presidente do sindicato automotivo Shawn Fain, a líder do sindicato de comissários de bordo Sara Nelson, sindicatos de professores, entre outros – alguns deles críticos progressistas do governo atual, mas que ante a ameaça de Trump, consideram necessário votar contra esse projeto de direita.

Não será igual quem ganhar

Entre o grande mosaico de vozes conscientes, liberais e progressistas, há divergências sobre quase tudo, menos uma coisa: não será igual – dentro e fora do país – quem ganhar essas eleições. Isso é o que se debate em fóruns, nas ruas, universidades, em grupos liberais e progressistas, nas redações editoriais e nos centros de análise sobre as implicações desta eleição, quase na reta final dessa disputa aberrante, todos – da direita à esquerda.

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Por um lado, para todo o leque de opositores ao candidato republicano (incluindo vários republicanos, desde a família Cheney e Bush até o “Terminator” Arnold Schwarzenegger), o projeto neofascista de Donald Trump deixa sua agenda clara – é explícita. Embora alguns analistas argumentem que muito do que ele diz é retórica vazia, as evidências demonstram o contrário.

Trump propôs ao longo de sua campanha, entre outras coisas, deportações em massa de imigrantes com o uso da Guarda Nacional e algo semelhante a campos de concentração para detê-los, perseguirá seus opositores políticos através do Departamento de Justiça, mobilizará forças militares contra cidadãos americanos que ele considera parte do “inimigo interno”, punirá estados governados por democratas no gerenciamento de desastres naturais (algo que fez enquanto presidente), bombardeará o Irã e usará força militar contra cartéis no México, continuará anulando direitos ao aborto e liberdades civis, e impulsionará medidas protecionistas com graves consequências para os sócios comerciais do país. Em um editorial da semana passada sobre essas e outras propostas, o New York Times adverte: “acreditem nele”.

Por outro lado, a oferta dos democratas é mais do mesmo dos últimos quatro anos, mas agora com alguém mais jovem que o presidente Joe Biden – que foi forçado a ceder a candidatura sob pressão da cúpula de seu partido e das pesquisas – que se proclama líder de “uma nova geração” (apesar de ter 60 anos de idade). Embora quase todos os opositores de Trump tenham aplaudido a troca de candidato no meio desta eleição, diante da crescente probabilidade de que Biden seria derrotado por Trump, isso não foi suficiente para mudar a dinâmica eleitoral ao grau que desejavam.

Kamala mais à direita

Debate-se se isso se deve em parte à mensagem cautelosa e centrista da candidata democrata Kamala Harris, sobretudo em alguns temas-chave para setores cruciais do eleitorado, particularmente nos estados decisivos que determinarão o resultado final, onde ela decidiu se alinhar mais à direita: sobre o controle da fronteira e do fluxo migratório, o apoio incondicional a Israel no genocídio em Gaza e questões ambientais. Para um amplo setor latino, e para os jovens, esses temas são cruciais, e a aposta em não abordá-los de outra maneira pode acabar sendo um fator em uma derrota. Veremos, mas não são poucos os que afirmam que não podem votar em alguém cúmplice de um genocídio.

No sábado (2), a única deputada federal palestino-estadunidense, a democrata de Michigan Rashida Tlaib, recusou apoiar Harris devido à sua posição sobre a guerra em Gaza.

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Ambos os candidatos às eleições presidenciais realizaram campanhas no sul do país nos últimos dias, levando sua batalha para os estados-chave da Geórgia e da Carolina do Norte, entre outros, oferecendo o que já são seus “argumentos finais” de uma contenda aberrante, marcada por acusações de fraude, supressão de votos, ameaças de violência política — vários ricos têm planos de fugir do país — e onde alguns esperam que as mulheres salvem esta democracia.

A democrata Kamala Harris realizou comícios em Atlanta, Geórgia — onde esteve acompanhada, entre outros, pelo diretor de cinema Spike Lee, a cantora Victoria Monet e os dois senadores democratas do estado. Ela foi apresentada por um jovem que votou pela primeira vez e se apresentou como “filho de um trabalhador de fábrica e de imigrante”. A vice-presidente repetiu seu discurso dos últimos dias, alertando contra os perigos de seu opositor e assegurando que será a presidenta de “todos”. Vale recordar que Biden venceu Trump na Geórgia por apenas 11.700 votos.

Mais tarde, Harris repetiu essa mensagem em algumas escalas de sua campanha na Carolina do Norte, outro dos sete estados decisivos que determinarão esta eleição nacional.

Em uma aparição cada vez menos frequente em apoio à eleição, o presidente Joe Biden – cuja ausência foi o mais notável de seu papel nesta eleição – realizou um evento em Scranton, Pensilvânia, onde nasceu, destacando seu apoio aos sindicatos, cujos votos serão decisivos em um estado que os democratas precisam ganhar para permanecer na Casa Branca.

O republicano Donald Trump realizou atos na Carolina do Norte (regressará mais três vezes antes da eleição na terça-feira para tentar vencê-la), onde enfatizou com sua famosa modéstia estar a poucos dias “da maior vitória política da história mundial”. Depois, levou seu “movimento” a um evento na Virgínia.

No sábado (2), a Marcha das Mulheres realizou mais de 400 eventos em todos os 50 estados em defesa dos direitos reprodutivos e a favor de Harris. “Estamos diante de uma decisão entre liberdade e fascismo”, declarou Rachel O’Leary Carmona, diretora-executiva da organização, à imprensa.

Eleições nos EUA: comícios, ameaças, violência política e as últimas promessas de Harris e Trump

Enquanto isso, as pesquisas seguem registrando um empate técnico a nível nacional e nos estados-chave, com analistas afirmando que não ousam fazer previsões sobre o resultado nesses sete estados.

E a eleição continua sob ameaça por temores de possíveis atos de violência política durante e após a terça-feira, último dia de votação, com Trump e seus seguidores nutrindo acusações de que os democratas estão preparando fraudes e trapaças, incluindo a eterna queixa de que estão permitindo o voto ilegal de imigrantes. As autoridades federais em vários estados continuam alertando sobre possíveis ameaças de violência.

Para os anti-Trump, não deixa de ser surpreendente que, diante de um candidato republicano condenado por fraude empresarial e por ocultar pagamentos para calar uma estrela de filmes adultos, e que enfrenta dezenas de acusações criminais federais e estaduais por tentar subverter a eleição passada e por manuseio ilícito de documentos secretos oficiais, entre outras coisas, a três dias das eleições, esta disputa continue em um empate técnico.

Temores milionários

Uma pesquisa realizada por uma empresa que assessora estadunidenses ricos assinala que 53% dos milionários do país dizem que é provável que deixem o país após a eleição, independentemente de quem vencer, devido a temores de possíveis distúrbios sociais, informou a NBC News.

“É uma eleição de tudo ou nada para aqueles que decidem votar”, afirmou o repórter Dan Balz em uma análise no The Washington Post. “Aqueles do lado perdedor sentirão como se tivesse ocorrido o apocalipse”. Ele destacou que as margens estão tão apertadas nos sete estados-chave, recordando que, há quatro anos, os estados de Arizona, Geórgia e Wisconsin foram decididos por menos de um ponto percentual – e uma diferença de cerca de 43 mil votos.

Ele acrescenta que nunca antes, em tempos recentes, as margens de diferença nos estados-chave foram tão estreitas. Um dos fatores, aponta ele, junto com outros analistas, é o voto das mulheres – mais homens favorecem Trump, enquanto mais mulheres se inclinam pelos democratas – e as mulheres participam mais. “As mulheres vão salvar esta democracia”, prognosticou o cantor e ativista inglês Billy Bragg, durante uma turnê nos Estados Unidos.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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