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TogglePor boa parte dos anos 1960, a CIA trabalhou com os governos mexicanos não só para espionar os diplomatas soviéticos e cubanos na Cidade do México, mas também opositores políticos dos presidentes Adolfo López Mateos e Gustavo Díaz Ordaz, além de exilados políticos de outros países. No entanto, nem tudo sobre essa colaboração foi revelado – isso agora pode mudar.
Muito mais documentos da CIA oferecendo detalhes da colaboração com presidentes mexicanos nos anos 1960, que permaneceram secretos por mais de 60 anos, poderiam ser divulgados como resultado da ordem do presidente Donald Trump de tornar público “todo documento” relacionado ao assassinato do presidente John F. Kennedy.
Como se detalhou na primeira parte desta reportagem, Lee Harvey Oswald, acusado de assassinar o presidente Kennedy em 1963, visitou a Cidade do México pouco antes do magnicídio. Ao longo das últimas seis décadas, a CIA foi forçada a divulgar documentos relacionados às investigações desse assassinato, incluindo suas operações de espionagem no México. Com isso, revelou-se a relação contínua do chefe do escritório ou “estação” da CIA com o presidente mexicano nessa conjuntura, e que a relação com a presidência mexicana continuou até pelo menos 1967.
Muitos dos documentos dos arquivos da CIA – dos quais o La Jornada tem cópia – estão censurados. Mas alguns dos detalhes que já estão disponíveis nos documentos anteriormente divulgados são dramáticos. “Durante o mês de junho, COS estava em contato com EIELEGANT, em média, quatro vezes por semana”, reportou a CIA em um telegrama datado de 28 de julho de 1960. Morley informa que “COS” é o nome em código de Winston Scott, chefe da estação da CIA no México, e “EIELEGANT” é Rodolfo Echeverría, diretor da Direção Federal de Segurança e pai de Luis Echeverría, que seria presidente em 1970. Mas depois o telegrama informa que COS se reuniu também com LITENSOR (López Mateos) em 18 de junho desse ano, mas segue um parágrafo censurado.
Cobertura contínua das atividades
Em uma seção parcialmente censurada, a CIA inclui o endereço de onde realizava a intervenção telefônica e fotografava aqueles que entravam e saíam. Em um telegrama da CIA datado de 28 de novembro de 1962, a estação da CIA no México descreve “cobertura contínua das atividades e contatos diários de Juan José Arévalo Bermejo, líder guatemalteco vivendo no exílio no México” – o primeiro presidente democraticamente eleito da Guatemala e pai do atual mandatário desse país.
Outros documentos detalham a espionagem sobre comunistas estadunidenses vivendo no exílio no México, incluindo um dos chamados “10 de Hollywood”, o roteirista de teatro e cinema Albert Maltz.
J.F. Kennedy | Pt. 1: documentos secretos indicam possível envolvimento da CIA
Ao revisar alguns dos documentos compartilhados com o La Jornada, não há dúvida de que o enfoque principal das operações de espionagem da CIA no México eram as embaixadas de Cuba e da União Soviética. Há descrições detalhadas sobre conversas interceptadas e gravadas, câmeras instaladas para registrar imagens dos que entravam e saíam dessas sedes diplomáticas e até detalhes sobre os problemas técnicos provocados por mudanças no sistema de telefonia mexicana, além da dificuldade de alguns espiões em fotografar durante mais de oito horas seguidas.
Uma parte legível de outro documento do arquivo comenta sobre uma empregada na Embaixada de Cuba no México que os estadunidenses queriam que fosse interrogada. “A estação da CIA no México solicita que o governo mexicano (ECH) detenha a empregada da Embaixada de Cuba e a mantenha incomunicável (p199)”, diz o documento que resume um telegrama do escritório da CIA na Cidade do México. A empregada, Silvia Durán, foi detida. [Winston] Scott fez uma chamada a Luis Echeverría e declarou que a estação da Cidade do México desejava que toda informação recebida de Durán fosse enviada de imediato à estação da CIA na Cidade do México, e que sua detenção e declarações não fossem comunicadas a nenhum grupo de esquerda.
Apoio operacional
Outro documento descreve o valioso apoio operacional que levou ao recrutamento de Juana Castro, irmã do presidente Fidel Castro, conhecida como AMSTRUT-2, realizado por uma equipe de vigilância física identificada pelo nome em código LIFEAT.
Os documentos da CIA, parcialmente censurados, cobrem atividades até pelo menos 1967. Um deles, datado de 5 de abril de 1967, que é essencialmente uma solicitação de mais fundos, inclui uma lista de “objetivos mexicanos” que a CIA estava espionando em colaboração com o governo de Gustavo Díaz Ordaz.
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Essa lista incluía o ex-presidente mexicano Lázaro Cárdenas del Río (etiquetado como “pró-comunista”), Luis Macías Cardone (“ativista juvenil na CTM”), Alonso Aguilar Monteverde (“Movimento de Libertação Nacional”), Vicente Lombardo Toledano (“líder trabalhista marxista”), David Alfaro Siqueiros (“pintor e agitador comunista”) e Víctor Rico Galán (“espanhol, comunista, mexicano naturalizado, jornalista”). Também estavam sob vigilância da CIA, em cooperação com o governo mexicano, o Movimento de Libertação Nacional (“grupo de fachada comunista pró-cubano”), o Movimento Cívico Nacional (“grupo direitista de industriais”) e a União Nacional Sinarquista (“grupo católico direitista”).
Um resumo das gravações clandestinas das conversas desses “objetivos” era produzido diariamente e distribuído a Díaz Ordaz (conhecido pelo nome em código LIRAMA) e ao chefe da estação da CIA no México. “As fitas gravadas eram armazenadas por cerca de dez dias, caso fosse solicitada uma transcrição mais ampla por LIRAMA ou pela Estação México”, explica um dos documentos.
A CIA no México
A estação da CIA no México assinalou que esse projeto “contribui para as atitudes amistosas desses funcionários em relação aos Estados Unidos”. Como exemplo da cooperação, o documento relata que Díaz Ordaz “solicitou à estação assistência para monitorar as atividades de Víctor Rico Galán, que foi posteriormente preso e está sob custódia das autoridades do governo mexicano por várias atividades subversivas”.
Jefferson Morley, ex-jornalista do Washington Post, que dedicou 30 anos ao caso do assassinato de Kennedy e ao estudo dos documentos secretos da CIA, afirma que o governo mexicano pode ter mais informações tanto sobre as atividades da agência no México quanto sobre Oswald, que poderiam contribuir para a investigação do assassinato de Kennedy. “Sabemos que essas operações de vigilância foram realizadas conjuntamente com o governo mexicano. Ambos os governos receberam todas as gravações geradas. Isso indica que pode haver gravações de 1963 em posse do governo mexicano”, comentou ao jornal La Jornada.
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O juiz John R. Tunheim, que presidiu uma das comissões estabelecidas pelo Congresso para investigar o assassinato de John F. Kennedy, acrescentou que os arquivos que revisou sobre o assunto confirmam que a CIA compartilhou informações com o governo mexicano. “O governo mexicano teria em seus arquivos registros de áudio de Oswald visitando essas embaixadas?”, questiona.
Gerald Posner, investigador que escreveu um livro sobre o magnicídio, acrescentou: “Acredito que ainda há muito a ser descoberto sobre os detalhes na Cidade do México, muitos dos quais são vergonhosos para a CIA”. Ele ressaltou: “Não vejo isso como parte de um complô para matar o presidente, mas acho que há muitas informações que, quando divulgadas, farão a CIA sentir vergonha”.
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