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É muito pouco verossímil que pessoas do mais alto nível político chinês se deixassem levar pelo momento e se mostrassem irritados com convidados (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Janja e TikTok: o que factoide sobre viagem do Brasil à China revela sobre mídia hegemônica

Globonews optou por distorcer um jantar diplomático e atacar Janja, omitindo o contexto, ignorando a formalidade chinesa e deixando de lado o principal: os acordos entre Brasil e China

Mauro Ramos Pintos
Diálogos do Sul Global
Pequim

Tradução:

Caso não tenham lido, vou resumir. A Globonews noticiou que a Janja, companheira do Lula, teria constrangido o presidente Xi Jinping e sua esposa Peng Liyuan, no último jantar oferecido à delegação brasileira.

Essa informação só pode ter sido passada por alguns dos ministros de Lula que estavam presentes, o Alcolumbre ou Elman (vice-presidente da Câmara) que estavam presentes. Mônica Bergamo diz agora que o principal suspeito é o Rui Costa.

A notícia foi que Janja teria constrangido os anfitriões ao “pedir a palavra para falar dos efeitos nocivos da rede social chinesa TikTok”.

Na coletiva de encerramento da visita de Estado, a informação foi citada pelo jornalista da Globonews, que perguntou ao presidente se ele estava pensando em banir ou restringir o TikTok no Brasil.

Lula questionou como esse assunto foi gerado: “Alguém teve a pachorra de ligar pra alguém e contar uma conversa num jantar que era uma coisa muito, mas muito confidencial”.

O presidente disse que foi ele quem levantou a questão: “perguntei ao companheiro Xi Jinping se era possível ele enviar uma pessoa da confiança dele pra gente discutir a questão digital, e sobretudo o TikTok”.

Janja — seguiu o presidente —, pediu a palavra para explicar o que está acontecendo no Brasil, sobretudo, contra as mulheres e as crianças, em relação às redes sociais.

O presidente defendeu a regulamentação das redes sociais: “Não é possível a gente continuar com as redes digitais cometendo os absurdos que cometem, e a gente não ter a capacidade de ter uma regulamentação”.

Foi uma coisa absolutamente normal, e ele [Xi Jinping] vai mandar uma pessoa, disse Lula. “Vai mandar uma pessoa especialmente pra conversar conosco sobre o que é que a gente pode fazer nesse mundo digital”.

A matéria lançada pela Globonews colocou estas duas frases juntas: “Além de Xi Jinping, a primeira-dama da China, Peng Liyuan, teria ficado irritada com o comportamento de Janja durante o encontro. A postura da brasileira foi considerada desrespeitosa em relação ao presidente Xi Jinping”.

Quero comentar duas questões.

Em primeiro lugar, a plausibilidade do acontecimento.

Chineses e chinesas em relações diplomáticas são sensatos, prudentes e cerimoniosos. Existem pequenas regras que são seguidas em almoços, jantares e banquetes. Já as vivenciei em diferentes lugares do país. Se há convidados de alto nível, mais cerimonioso e cuidado se torna o evento.

Não consigo imaginar um chinês demonstrando “irritabilidade” em um evento. Mas muito, muito menos alguém como Peng Liyuan, companheira de Xi Jinping, ou o próprio presidente chinês. Se você ver vídeos do Xi antes de ser presidente, a forma de falar dele era muito mais solta. Após se tornar presidente, as falas que são divulgadas são num mesmo tom, calmo, pausado. Isso é uma decisão.

É muito pouco verossímil que pessoas do mais alto nível político chinês se deixassem levar pelo momento e se mostrassem irritados com convidados. Ainda mais, sabendo que estão diante de uma delegação ampla e diversa ideologicamente.

O que podem ter entendido como desconforto pode ter sido qualquer coisa (se é que houve), já que ninguém naquela mesa possui vivência de China.

Numa coletiva de uma viagem importante, com diversos resultados pra questionar e pedir detalhes, um terço das mídias brasileiras queriam gastar sua pergunta no evidente factoide (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Houve uma decisão de criar um factoide. A Globonews comprou, e utilizou frases impossíveis de comprovar e antijornalísticas como: “​​A postura da brasileira foi considerada desrespeitosa em relação ao presidente Xi Jinping”. Foi considerada por quem?

A segunda questão é sobre o enorme problema que temos com a mídia hegemônica no Brasil. O factoide foi gerado horas antes da coletiva. Nas coletivas fora do país, a presidência da República dá espaço para apenas três perguntas das mídias brasileiras.

Éramos várias mídias do Brasil, foi debatido sorteio, agrupar perguntas, etc.

A questão é que, numa coletiva de uma viagem importante, com diversos resultados pra questionar e pedir detalhes, Celac-China, menções a trens rápidos rasgando o Brasil, parcerias em IA, um terço das mídias brasileiras queriam gastar sua pergunta no evidente factoide.

E aqui não estou julgando os trabalhadores da imprensa, a exigência de fazer essa pergunta pode ter vindo de seus chefes.

Finalmente, quem acabou fazendo a pergunta foi o jornalista da Globonews que, como cereja do bolo dessa operação midiática, havia afirmado que era contra a opção de fazer sorteio, porque defendia o critério de “relevância jornalística”.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Mauro Ramos Pintos

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