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Benjamin Netanyahu (Foto: Flickr)

“Jerusalém até Damasco”: Israel invade Síria para moldar novo regime ao projeto colonialista

Israel quebrou acordo de cessar-fogo vigente há 50 anos e em apenas dois dias passou a controlar pelo menos 235 km² do território sírio
Tom Grossman
El Salto
Madri

Tradução:

Ana Corbisier

Em poucas horas, Israel violou novamente as linhas demarcadas, suas tropas cruzaram as barreiras vigentes durante meio século e romperam com os parâmetros estabelecidos sob mediação da ONU desde 1974. Aproveitando a queda do regime de Bashar al-Assad na Síria, suas tropas atravessaram no domingo a rígida cerca de separação nas Colinas de Golã, ocupadas desde 1967, e adentraram o sul da Síria. Agora se abre um panorama incerto, à espera de se ver se o avanço de Israel é apenas tático ou se leva a uma ocupação permanente.

Em apenas dois dias, na primeira incursão terrestre de Israel na Síria desde os acordos de cessar-fogo de 1974, suas tropas passaram a controlar pelo menos 235 km² do território sírio correspondentes à chamada buffer zone, a zona desmilitarizada entre Síria e Israel, patrulhada por uma missão da ONU que supervisiona a trégua entre ambos os países há 50 anos, desde o fim da Guerra do Yom Kippur. Este avanço foi acompanhado pela maior série de bombardeios israelenses contra posições sírias nos últimos anos.

Em Damasco e outros pontos do país, os sírios celebram a queda da dinastia al-Assad e discutem sua transição, mas o Estado sionista age diante da frágil situação para não ficar à margem. “Israel busca ter uma posição de força para influenciar o futuro da Síria”, considera Salman Fakhreddin, analista e antigo membro de Al Marsad, grupo defensor dos direitos humanos nas Colinas de Golã.

Fakhreddin adverte sobre “o interesse colonialista de Israel em se apoderar de mais terras” com base em eventos passados

Forças da ONU

Diante do cenário histórico e mutável que predomina no país, o status quo e as delimitações que definiram a zona por décadas se desfazem abruptamente, e o papel desempenhado na região pelos mais de mil soldados da Força de Observação da Separação da ONU (UNDOF) parece perder o sentido aos olhos de Israel. Suas tropas também ocuparam a parte síria do Monte Hermon, a grande montanha da região, cuja altitude máxima chega a 2.814 metros. “Isso também lhes garante controle sobre a estrada entre Beirute e Damasco”, outro elemento estratégico no conflito regional atual, diz Salman.

Tudo isso segue um padrão característico de Israel ao longo de sua história: a adoção de uma política de fatos consumados no terreno para impor novas regras do jogo a seus inimigos ou potenciais rivais. Esse método é aplicado por meio da força, ameaças ou intimidação, acompanhado da unilateralidade e geralmente sem respeitar os parâmetros do direito internacional, como analistas apontam que ocorre agora na Síria.

Quadro na Síria é parte do plano da Otan para dissolver Estados seculares do Oriente Médio

Fakhreddin, na casa dos 70 anos, é residente em Majdal Shams, o maior povoado nas Colinas de Golã, próximo à cerca metálica de separação com a Síria, onde a maioria dos vizinhos como ele —árabes sírios de religião drusa — não esteve durante décadas, desde a ocupação israelense deste planalto na Guerra dos Seis Dias, em 1967. O Estado judeu o considera crucial para sua segurança, anexou-o em 1981 e, desde então, implementa uma política de colonização na área que levou cerca de 25 mil colonos israelenses para a região.

Diante disso, com a travessia das tropas israelenses para o outro lado da linha divisória, Fakhreddin adverte sobre “o interesse colonialista de Israel em se apoderar de mais terras” com base em eventos passados. Os temores não surgem do nada e se intensificam com a presença, na coalizão de governo israelense, de partidos da ultradireita judaica, supremacistas e messiânicos que defendem o projeto expansionista do ‘Grande Israel’. “Está escrito que o futuro de Jerusalém é expandir-se até Damasco”, afirmou em outubro o ministro das Finanças israelense, Bezalel Smotrich, um dos expoentes ultraconservadores do Executivo, em um documentário do canal Arte.

Acordos perderam validade, alega Netanyahu

Ainda assim, após a queda de al-Assad no domingo (8), o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu argumentou que os acordos de separação com a Síria feitos em 1974 deixaram de ser válidos. As autoridades também garantiram que sua incursão é temporária e limitada, com o objetivo de criar uma zona de segurança. No entanto, diversos especialistas — assim como a ONU e muitos Estados que condenaram o avanço — destacam que a mudança de poder na Síria não legitima Israel a descumprir os acordos, violando novamente a lei internacional.

Em apenas 48 horas, o exército reconheceu ter realizado cerca de 480 ataques aéreos contra alvos militares estratégicos na Síria para evitar que caiam “em mãos terroristas”

Rússia defende “diálogo político inclusivo” e respeito a grupos étnicos na Síria

“As Forças de Defesa de Israel (FDI) não interferem nos acontecimentos que ocorrem na Síria e continuarão atuando para preservar a zona de amortecimento e proteger o Estado de Israel”, afirmou na segunda-feira (9), por meio de sua conta no X, o porta-voz em árabe do Exército israelense, Avichay Adraee. No domingo, ele também orientou os moradores de cinco vilarejos sírios na faixa ocupada por Israel a não se deslocarem, em uma espécie de toque de recolher. “Para sua segurança, devem permanecer em casa e não sair até novo aviso”, transmitiu aos residentes da área.

Ainda assim, o argumento de não interferência por parte de Israel diante do rápido desenvolvimento dos acontecimentos na transição síria cai por terra diante da contundência de seus bombardeios em todo o país. Em apenas 48 horas, o exército reconheceu ter realizado cerca de 480 ataques aéreos contra alvos militares estratégicos na Síria para evitar que caiam “em mãos terroristas”.

Bombardeios visam Irã e Hezbollah

Israel bombardeou postos de milícias e alvos ligados ao Irã e ao Hezbollah na Síria de forma usual na última década, mas uma campanha de bombardeios de tal intensidade como a destes dias não tinha precedentes. Drones e aviões de combate israelenses buscaram destruir o que restava do exército de al-Assad, desde navios de guerra, bases militares, depósitos de armas, arsenal avançado até aviões de suas forças aéreas. Isso está em linha com o objetivo israelense de impor sua hegemonia militar regional, enfraquecendo a capacidade militar de um possível novo Estado sírio.

“Israel está destruindo toda a capacidade militar presente e futura da Síria”, denunciou na terça-feira (10) o Observatório Sírio de Direitos Humanos. Por sua vez, o próprio exército israelense estima ter eliminado entre 70% e 80% do equipamento estratégico que restava das forças sírias.

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Na terça-feira, após comparecer a uma nova audiência de seu julgamento por corrupção em Tel Aviv, Netanyahu declarou que deseja estabelecer relações com os novos poderes formados na Síria, mas voltou a fazer advertências: “O que aconteceu ao antigo regime acontecerá também a este se permitir que o Irã se restabeleça na Síria” ou “nos ataque”. Se isso acontecer, “responderemos com força”, concluiu em uma mensagem de vídeo com tom intimidatório.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Tom Grossman Jornalista e analista internacional de El Salto.

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