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Jornalistas em Gaza escrevem com sangue aquilo que as letras não conseguem expressar (Foto: Hosny Salah / Pixabay)

Jornalismo sob fogo: quando a câmera testemunha a última despedida

Há em Gaza uma guerra contra tudo o que é humano, ao ponto de a câmera virar um caixão, a caneta um obituário e a lágrima da criança uma mancha na consciência do mundo

Wisam Zoghbour
Diálogos do Sul Global
Gaza

Tradução:

Em Gaza, as histórias não terminam nos limites do bombardeio, elas começam ali, naquele instante do adeus que não se assemelha a nenhum outro, naquele último olhar em que toda uma vida é resumida. Um jornalista sai de casa após um dia árduo, beija sua filha recém-nascida que viu pela primeira vez… e pela última. Ele não sabia que seu coração pararia antes de ouvir a primeira risada dela, nem que seu trajeto até o restaurante seria o caminho para o martírio.

No bairro Al-Tuffah, outro jornalista documentava com sua câmera um novo crime na Escola Al-Karama. Ele não carregava armas, mas sim a verdade nas mãos. Caiu mártir enquanto tentava contar ao mundo o que estava acontecendo, dizer que há pessoas sendo exterminadas a sangue-frio e que a lente ainda resiste, mesmo que se quebre.

E uma criança, voltando da escola, procura o pai e o encontra estendido entre os mártires. Chama por ele e não recebe resposta, amadurecendo mil anos em um único instante. Uma família inteira se despede da vida depois de um dia exaustivo, um dia sem segurança e uma noite sem paz, encerrada por aviões com um míssil que transformou a casa em um silêncio eterno.

Hosny Salah, fotógrafo palestino em Gaza (Foto: Hosny Salah / Pixabay)

Já o menino do café, que buscava seu sustento pelas calçadas, alegrando os rostos dos passantes com sua alegria, também partiu. Sua inocência não o protegeu da máquina de guerra, nem o café que distribuía com um sorriso que desafiava o cerco, a fome e o medo. Hoje, juntou-se à marcha dos mártires, deixando vazio seu lugar na esquina de uma rua que jamais será esquecida.

O que ocorre em Gaza não são apenas notícias urgentes ou manchetes sangrentas, mas um assassinato diário da vida, dos sonhos, da esperança. É uma guerra contra tudo o que é humano, ao ponto de a câmera virar um caixão, a caneta um obituário e a lágrima da criança uma mancha na consciência do mundo.

Mesmo assim, os jornalistas escrevem com sangue aquilo que as letras não conseguem expressar, e as crianças registram com suas almas o que as câmeras não conseguem capturar. Será isso suficiente para despertar consciências? Será que o mundo percebe que, em Gaza, toda despedida pode ser a última?

Em Gaza, não são apenas as pessoas que morrem… o mundo também silencia, escondendo com elas o fato de ter permanecido calado por tempo demais.

Edição de texto: Alexandre Rocha


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Wisam Zoghbour Jornalista, membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos e diretor da Rádio Voz da Pátria.

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