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Nihaya Mohammed foi uma das poucas que compreenderam que o projeto colonial não busca apenas saquear a terra, mas reconfigurar a identidade palestina (Foto: palarchive)

O Legado de Nihaya Mohammed: a mulher que acreditou na libertação do ser antes da terra

Para Nihaya Mohammed, a libertação das mulheres era indissociável da libertação Palestina: fez da primeira uma condição para a segunda

Wisam Zoghbour
Diálogos do Sul Global

Tradução:

Ao escrevermos sobre Nihaya Mohammed, vice-presidenta da União Geral das Mulheres Palestinas e membro do Bureau Político da Frente Democrática para a Libertação da Palestina, não lamentamos apenas a partida de uma pessoa, mas evocamos um pensamento vivo que não morreu, uma trajetória pioneira no movimento das mulheres, que acreditava que a libertação da pátria começava com a libertação do ser humano, e que a mulher não é margem na equação da luta, mas seu coração pulsante.

Desde seus primeiros passos na militância nacional e social, Nihaya Mohammed compreendeu que a ocupação não se resumia a soldados e tanques, mas a todo um sistema ideológico e social fossilizado, que exclui a mulher, confisca seu direito à decisão e a aprisiona em papéis estereotipados que não refletem seu potencial nem sua dignidade. Por isso, ela travou duas batalhas simultâneas: uma contra o colonialismo sionista, e outra contra o retrocesso intelectual e o atraso social.

Sua visão feminista não era isolada da realidade. Ela acreditava que a sociedade palestina não poderia avançar sem se tornar uma sociedade democrática e moderna, baseada na igualdade, na pluralidade de opiniões e no respeito à dignidade humana, sem distinção de gênero, classe ou ideologia. Desse modo, sua luta dentro da União Geral das Mulheres Palestinas e em sua posição de liderança na Frente Democrática não se limitava a melhorar as condições das mulheres, mas visava reformular toda a consciência nacional.

Nihaya Mohammed ousou fazer perguntas incômodas num tempo em que as respostas já vinham prontas:

“Como pode uma sociedade que oprime a mulher alegar que busca a libertação?
E como pode um intelectual rejeitar a ocupação, mas calar diante da ocupação das mentes?”

Nehaya Mohammad, vestindo a Kufiya palestina, enquanto participava de uma convenção realizada pela União Democrática Mundial das Mulheres, em 1978 (Foto: palarchive)

Ela acreditava que a libertação não se alcança por uma força única, mas por uma união de lutas que liberte simultaneamente a terra e o ser humano, e não que liberte uma para escravizar o outro.

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Nihaya Mohammed jamais separou a libertação das mulheres da libertação nacional – fez da primeira uma condição da segunda. Foi uma das poucas que compreenderam que o projeto colonial não busca apenas saquear a terra, mas reconfigurar a identidade palestina por meio da reprodução das relações de poder e dominação dentro do próprio lar palestino.

Hoje, ao nos despedirmos dessa figura de grande estatura no movimento das mulheres, precisamos refletir sobre a distância entre o sonho que ela abraçou e a realidade que vivemos. Em tempos de recrudescimento do patriarcado, de retrocesso dos valores democráticos e de exclusão das mulheres dos espaços de decisão, as palavras de Nihaya Mohammed soam ainda mais atuais — e mais urgentes para se converterem em programa de luta, e não apenas em legado relembrado em funerais.

Nihaya costumava dizer:

“Não basta lutarmos pela terra se não lutarmos também por quem a pisa: mulheres e homens livres em pensamento e dignidade.”

Essa frase, repetida por ela em várias ocasiões, não era mero slogan, mas um verdadeiro mapa de ação. Suas companheiras na União Geral das Mulheres Palestinas testemunharam que ela rejeitava qualquer ato de resistência que não incluísse a mulher e revisava os discursos públicos com uma perspectiva crítica e libertadora, redefinindo a heroína não como exceção masculina, mas como construção coletiva e humana.

Uma de suas companheiras disse:

“Nihaya sempre nos perguntava: o que faremos quando a Palestina estiver liberta, mas continuarmos prisioneiras da mentalidade da ocupação dentro de nossas casas? Ela abria a ferida para que a víssemos — não para deixá-la sangrar, mas para que a curássemos com consciência.”

Com essa consciência, Nihaya Mohammed viveu, e partiu. Mas deixou um legado que não se limita aos cargos que ocupou: um projeto de luta contínua, com um único propósito: libertar o ser humano palestino, por inteiro, em dignidade e liberdade.

Edição de texto: Alexandre Rocha


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Wisam Zoghbour Jornalista, membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos e diretor da Rádio Voz da Pátria.

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