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Javier Milei (Foto: Casa Branca)

Libertinagem econômica de Milei enriquece corporações enquanto argentinos passam fome

Exportação e margens exorbitantes de lucro elevam os preços no mercado interno, enquanto o desemprego aumenta e Milei mantém salários e aposentadorias estagnados
Horacio Rovelli
Diálogos do Sul Global
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

O governo de Javier Milei realizou e realiza um forte ajuste fiscal e econômico na Argentina. No primeiro caso, a Secretaria da Fazenda da Nação calcula uma redução do gasto da Administração nacional em 3,8% do PIB em 2024. O total das despesas representou 15,3% do PIB em 2024, contra 19,1% do PIB em 2023, com um PIB que o Banco Central argentino (BCRA) avaliou ter caído em 3,8% [1] no total de bens e serviços produzidos.

A redução do gasto da Administração Nacional representa aproximadamente 30% do total das despesas. As variáveis de ajuste são as obras públicas (praticamente paralisadas; as de menor execução são as obras viárias, razão pela qual se propõe sua concessão ao capital privado), os benefícios previdenciários e as transferências às províncias (essencialmente em transporte e energia).

O ajuste econômico está avaliado em um superávit comercial da ordem de 17 bilhões de dólares, dado que, até novembro de 2024, as exportações de bens chegaram a 72,642 bilhões (um aumento de 18,1% em relação ao mesmo período de 2023) e as importações a 55,444 bilhões de dólares (uma queda de 20,2% em relação ao ano anterior).

Mereçem destaque as vendas de energia e combustíveis, que alcançaram 8,626 bilhões de dólares até novembro de 2024 (um aumento de 20% em relação ao mesmo período de 2023). Porém, também cresceram consideravelmente as exportações de carne bovina, leite e demais produtos lácteos, enquanto, em 2024, o país registrou recordes de baixa no consumo per capita de carne, leite e seus derivados, havendo famílias com crianças que não consomem nem carne bovina nem leite.

A razão está no preço, que aumentou consideravelmente em comparação com novembro de 2023. Por exemplo, o litro de leite em saquinho custava 155 pesos nos supermercados em novembro de 2023, e a mesma marca e quantidade custava 1.300 pesos em dezembro de 2024. Por sua vez, os grandes distribuidores, em novembro de 2023, pagavam ao produtor 27 centavos de dólar por litro de leite, e, em dezembro de 2024, pagavam 43 centavos de dólar por litro (452,5 pesos). O preço em moeda estrangeira aumentou porque o dólar atacadista (usado no comércio exterior) quase triplicou no ano, passando de 378,37 pesos em 30 de novembro de 2023 para 1.052,50 pesos em 30 de dezembro de 2024. No entanto, o preço do leite ao consumidor subiu muito mais (quase nove vezes). O leite está mais caro em dólares e muito mais em pesos.

Além disso, os insumos para o produtor, como o diesel, que custava 292 pesos por litro em dezembro de 2023, sofreram um aumento de 384,6% em dezembro de 2024. Isso afeta a produção agropecuária e explica a forte queda da renda dos agricultores, mas não apenas no setor agropecuário, já que o diesel é um insumo básico para a produção em geral.

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Em síntese, a exportação de leite e seus derivados aumentou em 2024. No entanto, devido ao encarecimento interno quando medido em dólares, é possível que, em 2025, o produto seja importado do Uruguai (onde o produtor recebe 0,38 dólares por litro de leite fluido).

Essa situação ocorreu porque o governo desvalorizou a moeda nacional em mais de 100% em 12 de dezembro de 2024 e permitiu que os grandes formadores de preços “caçassem no zoológico” diante das redes de supermercados e dos mercados cativos, com nome e sobrenome, como o leite e seus derivados, a carne, o arroz, as farinhas, os óleos, o açúcar, etc.

Paralelamente, o salário mínimo, vital e móvel fixado pelo governo, assim como o salário médio, as aposentadorias e as pensões, aumentaram muito menos do que os preços e também ficaram abaixo da inflação anual de 117,8% [2] divulgada pelo INDEC para o ano de 2024. Isso resultou na transferência de renda dos assalariados, aposentados e pensionistas para as grandes empresas formadoras de preços.

A “liberdade” de preços e as margens exorbitantes de lucro em pesos (ainda maiores quando convertidas em dólares) explicam por que as ações das grandes empresas mencionadas aumentaram em mais de 100% em dólares nos mercados de valores no ano passado (incluindo os grandes laboratórios farmacêuticos e as empresas extrativistas e distribuidoras de petróleo, gás e eletricidade).

Carry trade

Nesse contexto, os títulos públicos ajustáveis pelo Índice de Preços ao Consumidor do INDEC (IPC) pagaram uma taxa anual de 117,8%, enquanto o custo para converter em dólares pelo Contado com Liqui foi de apenas 20%; portanto, tiveram um rendimento não inferior a 95% em dólares.

A Administração nacional, em 11 meses de 2024, obteve um superávit fiscal primário de 11,71 bilhões de pesos, utilizado integralmente para pagar os juros e o capital de uma dívida pública que nunca foi investigada. O ajuste fiscal prosseguiu em dezembro de 2024 e janeiro de 2025, sendo o pagamento da dívida a prioridade do governo. No entanto, devido à sua magnitude, ampliada pelo ajuste do IPC, o montante da dívida atingiu 475,98 bilhões de dólares em dezembro de 2024. Apenas no primeiro ano de Milei, aumentou em 73,22 bilhões.

A renda financeira gerada pelo diferencial de preços em pesos e em divisas proporcionou ganhos extraordinários aos compradores de títulos e ações. O governo pretende manter esse cenário ao anunciar que o dólar oficial será reajustado em 1% ao mês a partir de fevereiro de 2025, visando garantir a rentabilidade financeira dos títulos públicos em pesos ajustados pelo IPC, e até mesmo de títulos com taxas fixas superiores à inflação, além das ações de empresas que conseguem fixar preços. O problema é qual atividade produtiva ou comercial lícita pode concorrer com a renda financeira assegurada pelo governo de Milei.

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Os aposentados e pensionistas tornam-se mais pobres, enquanto pequenas e médias empresas, sem acesso a dólares, são forçadas a competir em condições cada vez mais desfavoráveis. O desemprego e a marginalidade aumentam, o país se endivida ainda mais e o patrimônio nacional é colocado à venda em troca dessa dívida.

Notas

[1] O gasto da Administração nacional foi de 23,6% do PIB em 2022, razão pela qual grande parte do ajuste vinha sendo realizado no governo de Alberto Fernández; tinha sido de 27,5% do PIB em 2020 (COVID mediante), e de 24,2% do PIB em 2021.

[2] Em SMVyM de dezembro de 2023 foi de 156.000 pesos e o de dezembro de 2024 de 279.718 pesos; o incremento foi de 79,3%.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Horacio Rovelli Licenciado em Economia, professor de Política Econômica, Instituições Monetárias e Integração Financeira Regional na Faculdade de Ciências Econômicas (UBA). Foi Diretor Nacional de Programação Macroeconômica. Analista sênior associado ao Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE).

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